Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Citação do Tempo


[Clique na imagem para aceder ao sítio do filme]

“And in the end I think I’ve learned the final lesson from my travels in time; and I’ve even gone one step further than my father did: The truth is I now don’t travel back at all, not even for the day, I just try to live every day as if I’ve deliberately come back to this one day, to enjoy it, as if it was the full final day of my extraordinary, ordinary life.”

Tim, personagem principal em “About Time”

[E por fim, penso que aprendi a lição com as minhas viagens no tempo; e fui mesmo mais longe do que o meu pai: a verdade é que não volto mais atrás no tempo, nem mesmo por um dia, tento viver cada dia como se tivesse voltado para este dia em particular para o desfrutar como se fosse o último dia da minha extraordinária e simples vida.]


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E, então, Madalena.

E, então, Madalena.

Na distância,
A luz.
No silêncio,
A dor amansada.
Nos teus olhos,
A alvorada da vida.
Nas tuas mãos
A estrada certa
E definida
De amanhã.
No teu sorriso,
um jardim de flores,
Borboletas de todas as cores
Cortando o ar frágil
E incerto.
Na tua recordação,
O longe
Se faz perto.

A vida toda
Podias ser tu.
As alegrias,
As incertezas,
A comoção
De ver-te
Perseguir
Uma bola que rola pelo chão.

Hoje,
Não podes ler estas palavras,
São longas
E complexas
E não rimam
Com a simplicidade ingénua
Da tua idade.

Ainda és frágil
E pequena
Mas, em breve,
Todo o mundo será teu.
E, então, Madalena,
Virás explorar
O peito de um homem que morreu.

Nas palavras
Que se farão curtas
E óbvias.

jpv


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Átomo de Tempo

Átomo de Tempo

Átomo de Tempo,
Elipse.
Um só momento,
Fulcral.
O coração todo,
Estendido.
O Anzol e o engodo,
Perdido.
O corpo e o suor
Num só.
Memória de amor,
Em pó.
Palavra e opção,
Silêncio.
Presença de mim,
Ilusão.

Não se pode ter o mundo na mão,
Vazia.
Nem a todas as noites
Segue um dia.

Os teus olhos
Não estão cegos para mim.
Eu contento-me, assim,
Com a visão imperfeita
Desta estrada estreita
E retorcida
A que uns chamam horizonte,
A que eu chamo vida.
É a tua alma que me seduz,
Não é a luz.
São as pontes,
As intermináveis pontes,
As inquebrantáveis pontes,
Que galgam rios, mares,
Planícies e montes
E me levam a beber de ti, o amor,
Em todas as fontes.
Não secaram.
Não secam.
Não secarão.
Brotam, fresco e límpido,
Todo o amor do mundo
Num só momento,
Num átomo de tempo.

jpv


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Espera

Espera

Goteja o tempo
Escorrido
Como chuva na janela.
Perdem-se na profusão
Dos gestos,
Os sentidos.
A chuva é bela,
O tempo difuso,
A alma emprestada,
O corpo adiado.
Não há mais o que fazer…
Em vez desta
Incerta espera,
Preferia a certeza
De morrer.
Dai-me uma estrada
De dor empedrada,
Coberta de passadas
Em sangue
E choro.
Mas uma estrada,
Um rumo,
Um horizonte
E um fim.
Perdi-me
De mim
E dos meus sinais.
Não encontro mais
Essa vontade antiga
E ansiosa.
Esse desejo
De conquista
Vitoriosa.
A única vitória
Que importa
E sou capaz
É a paz.

Goteja o tempo
Escorrido
Como chuva na janela.
Mas a chuva
Já não cai
Como era.
Morre fria
Na minh’alma
E chama-se
Espera.

jpv


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Citação do Tempo

“Não importa tanto a quantidade de tempo que estamos com uma pessoa como a qualidade dele.”

jpv
in “O Ofício da Memória – Ele”


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Não há não tenho tempo

[Luís Marques Mendes é eleito presidente do PSD no XXVII Congresso Nacional do partido. O Vaticano nega os rumores sobre a morte do Papa João Paulo II. Autoridades espanholas prendem 13 suspeitos de participação dos atentados de 11/03/2004. Morte do Papa João Paulo II (Karol Wojtyla). O tenista suíço Roger Federer vence o espanhol Rafael Nadal e conquista o Masters Series de Miami.

[Data da primeira publicação: 1 de Abril de 2005]

Não há não tenho tempo
Querida mana,

Muitas vezes te tenho escrito e muitas vezes as palavras me fogem ao controlo de autor e acabam expressando o que pensam sobre o Tempo. Autoritário, apago os parágrafos, silencio as palavras e as ideias delas em impulsos de autoridade autoral e lhes digo que não é aquele o caminho, que não são minhas aquelas ideias mas sim delas, palavras libertinas e insubmissas. Retomo a escrita e o carreiro das ideias nasce na minha poltrona de autor para depressa se rebelar, tomar vida própria e seguir um caudal que há-de levar qualquer coisa de mim mas que não sou eu em exclusivo. É por isso que muitas vezes te quero escrever sobre o pai, sobre a mãe, sobre coisas inúmeras da nossa infância e acabo, perdido, de volta do Tempo. Não sei já, mana, quantas foram as vezes que comecei escrevendo sobre o dia em que nasceste, sei só que foram as mesmas que terminei por não fazê-lo. São incómodas e incomodativas, as palavras, quando se rebelam e insurgem contra a vontade tão pouco soberana de quem julga comandá-las. Hoje fiz este exercício de raciocínio: conversei com as minhas palavras que começaram por dizer-me que não eram minhas. Não chegámos a acordo. Somente a breves cedências mútuas. E perguntei-lhes de que queriam falar-te. Que coisas queriam dizer-te. Que mas dissessem já e evitaríamos tempos perdidos em batalhas inúteis que as ditas sempre levam de vencida.

E sussurraram-me coisas do Tempo. O tempo de fazer. O tempo de ir. O tempo de voltar. O tempo de recordar. Ter tempo. Não ter tempo. Arranjar tempo para. Inventar tempo. Precisar de tempo num tempo único e breve que se não tem e se não gasta porque se não tem. Um tempo frágil para quem quer fazer o mundo e tê-lo na mão. E disseram-me, estas palavras insubmissas, que não há tempo senão o de estar. Que se não rouba nem cria nem desperdiça nem dá nem tira o que não está na nossa mão senão para estar.

Fiquei-me a dar razão às palavras e a pensar quantas vezes, vezes demais, já disse de mim para comigo “não tenho tempo”. Um dia destes visitaste-me e estivemos por aqui entretidos vendo cassetes de quando o meu filho mal se tinha nos pés, de quando estendia os braços ainda para amparar-se, de quando os meus compromissos se resumiam a pouco mais do que olhar por ele, de quando lhe nunca dizia “não tenho tempo”. A simplicidade dos dias de então emergiu grandiosa nas pequenas coisas que me contentavam e reparei que me contentava com olhá-lo como se estivesse sorvendo e cristalizando o Tempo, me contentava com atirar-lhe a bola ao ar para ficarmos os dois, lado a lado, vendo-a cair. E pensei: “houve um dia em que tive tempo para ver cair uma bola dos céus com a mesma ânsia e expectativa que o meu pequeno companheiro de entretém.”
Não há “não tenho tempo”, mana. Há só estarmos. Há só o que fazemos com Ele. E criei uma brecha nos compromissos. Criei uma falha nos assuntos inadiáveis. Criei um buraco negro na ausência e fiz tempo e fiz vida e fiz partilha e tive na mão o que pensava me havia escapado: o Tempo. Um destes dias, mana, cortei os cordões com o inadiável e adiei-o. Um destes dias, dei importância ao importante e corri por um pinhal adentro com uma bola na mão que chutei para os céus com quanta força tinha. Depois, sentei-me junto do meu filho e fiquei vendo-a cair…

Beijo,
Mano