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E, então, Madalena.

E, então, Madalena.
Na distância,
A luz.
No silêncio,
A dor amansada.
Nos teus olhos,
A alvorada da vida.
Nas tuas mãos
A estrada certa
E definida
De amanhã.
No teu sorriso,
um jardim de flores,
Borboletas de todas as cores
Cortando o ar frágil
E incerto.
Na tua recordação,
O longe
Se faz perto.
A vida toda
Podias ser tu.
As alegrias,
As incertezas,
A comoção
De ver-te
Perseguir
Uma bola que rola pelo chão.
Hoje,
Não podes ler estas palavras,
São longas
E complexas
E não rimam
Com a simplicidade ingénua
Da tua idade.
Ainda és frágil
E pequena
Mas, em breve,
Todo o mundo será teu.
E, então, Madalena,
Virás explorar
O peito de um homem que morreu.
Nas palavras
Que se farão curtas
E óbvias.
jpv
Átomo de Tempo

Átomo de Tempo
Átomo de Tempo,
Elipse.
Um só momento,
Fulcral.
O coração todo,
Estendido.
O Anzol e o engodo,
Perdido.
O corpo e o suor
Num só.
Memória de amor,
Em pó.
Palavra e opção,
Silêncio.
Presença de mim,
Ilusão.
Não se pode ter o mundo na mão,
Vazia.
Nem a todas as noites
Segue um dia.
Os teus olhos
Não estão cegos para mim.
Eu contento-me, assim,
Com a visão imperfeita
Desta estrada estreita
E retorcida
A que uns chamam horizonte,
A que eu chamo vida.
É a tua alma que me seduz,
Não é a luz.
São as pontes,
As intermináveis pontes,
As inquebrantáveis pontes,
Que galgam rios, mares,
Planícies e montes
E me levam a beber de ti, o amor,
Em todas as fontes.
Não secaram.
Não secam.
Não secarão.
Brotam, fresco e límpido,
Todo o amor do mundo
Num só momento,
Num átomo de tempo.
jpv
Espera

Espera
Goteja o tempo
Escorrido
Como chuva na janela.
Perdem-se na profusão
Dos gestos,
Os sentidos.
A chuva é bela,
O tempo difuso,
A alma emprestada,
O corpo adiado.
Não há mais o que fazer…
Em vez desta
Incerta espera,
Preferia a certeza
De morrer.
Dai-me uma estrada
De dor empedrada,
Coberta de passadas
Em sangue
E choro.
Mas uma estrada,
Um rumo,
Um horizonte
E um fim.
Perdi-me
De mim
E dos meus sinais.
Não encontro mais
Essa vontade antiga
E ansiosa.
Esse desejo
De conquista
Vitoriosa.
A única vitória
Que importa
E sou capaz
É a paz.
Goteja o tempo
Escorrido
Como chuva na janela.
Mas a chuva
Já não cai
Como era.
Morre fria
Na minh’alma
E chama-se
Espera.
jpv
Citação do Tempo
Não há não tenho tempo
[Luís Marques Mendes é eleito presidente do PSD no XXVII Congresso Nacional do partido. O Vaticano nega os rumores sobre a morte do Papa João Paulo II. Autoridades espanholas prendem 13 suspeitos de participação dos atentados de 11/03/2004. Morte do Papa João Paulo II (Karol Wojtyla). O tenista suíço Roger Federer vence o espanhol Rafael Nadal e conquista o Masters Series de Miami.
Não há não tenho tempo
Querida mana,
Muitas vezes te tenho escrito e muitas vezes as palavras me fogem ao controlo de autor e acabam expressando o que pensam sobre o Tempo. Autoritário, apago os parágrafos, silencio as palavras e as ideias delas em impulsos de autoridade autoral e lhes digo que não é aquele o caminho, que não são minhas aquelas ideias mas sim delas, palavras libertinas e insubmissas. Retomo a escrita e o carreiro das ideias nasce na minha poltrona de autor para depressa se rebelar, tomar vida própria e seguir um caudal que há-de levar qualquer coisa de mim mas que não sou eu em exclusivo. É por isso que muitas vezes te quero escrever sobre o pai, sobre a mãe, sobre coisas inúmeras da nossa infância e acabo, perdido, de volta do Tempo. Não sei já, mana, quantas foram as vezes que comecei escrevendo sobre o dia em que nasceste, sei só que foram as mesmas que terminei por não fazê-lo. São incómodas e incomodativas, as palavras, quando se rebelam e insurgem contra a vontade tão pouco soberana de quem julga comandá-las. Hoje fiz este exercício de raciocínio: conversei com as minhas palavras que começaram por dizer-me que não eram minhas. Não chegámos a acordo. Somente a breves cedências mútuas. E perguntei-lhes de que queriam falar-te. Que coisas queriam dizer-te. Que mas dissessem já e evitaríamos tempos perdidos em batalhas inúteis que as ditas sempre levam de vencida.
E sussurraram-me coisas do Tempo. O tempo de fazer. O tempo de ir. O tempo de voltar. O tempo de recordar. Ter tempo. Não ter tempo. Arranjar tempo para. Inventar tempo. Precisar de tempo num tempo único e breve que se não tem e se não gasta porque se não tem. Um tempo frágil para quem quer fazer o mundo e tê-lo na mão. E disseram-me, estas palavras insubmissas, que não há tempo senão o de estar. Que se não rouba nem cria nem desperdiça nem dá nem tira o que não está na nossa mão senão para estar.
Beijo,
Mano

