Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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E quem liga o acordo ortográfico ao "productor"?

Querida mana,

quando uma manhã de sábado acorda brilhante e quente não há como resistir: sair de casa é a única solução. Um destes sábados, a manhã levantou-me da cama a ameaçar que se aí ficasse perdria um excelente dia.
Entre a pasta dos dentes, o pequeno-almoço e o entrar para o carro a coisa foi breve e lá partimos os três à descoberta dos recantos deste país que ainda são portugueses. Algures numa curva à esquerda, em plano inclinado, dou de caras com um letreiro todo janota, com uns cachos de uva pintados e cuja inscrição assim rezava: VINHO DO PRODUCTOR.
Aquele intrometido C atrás do T fez-me parar o carro e tirar uma foto, primeiro, depois começou a estorvar-me a tranquilidade da alma.
Não sei se te lembras, mas acredito que sim, aos sábados, a nossa mãe, antes de sair de casa para o trabalho, deixava sempre uma imensa lista de tarefas para cumprirmos quando acordássemos. Sempre achei, de resto, que era um contra-senso deixar-nos a dormir porque, se o fizéssemos, não tínhamos tempo para as tarefas todas e era o cabo dos trabalhos, ou não, consoante o humor. Nesses bilhetes, relembro com carinho alguns pormenores de escrita sendo que um sempre me ficou mais vivo na memória e me levou mesmo a interrogar alguns professores: “Ó setôr, como é que se escreve coêlho? É com acento não é?” E andei procurando pela juventude fora um professor que me dissesse que a mãe tinha razão, que ela é que escrevia bem. A razão desta procura é simples. A mãe era tão perfeita em tudo que eu não queria que ela falhasse na palavra coelho!? Nunca consegui essa tranquilidade até ao dia em que encontrei o PRODUCTOR.

Eu percebo o que se pretende com o acordo ortográfico. Unir povos. Unificar culturas. homogeneizar a grande diáspora portuguesa. Tudo isso está muito certo mas penso, por vezes, se não será inglório tentar homogeneizar o que não é homogeneizável. Eu vejo a Língua como um organismo vivo e percebo, por isso, que tem de evoluir mas não acredito que essa evolução deva ou possa ser artificial. Uma tal evolução deve seguir e respeitar o uso que os falantes fazem da Língua. E a verdade é que se os nossos irmãos brasileiros dizem fato em vez de facto ou diretor em vez de director e assim o escrevem, então devem ter liberdade para o fazer. Tal liberdade contudo não deve fazer tábua rasa de uma maior proximidade que nós, falantes do português de Portugal, temos em relação à origem desta nossa maravilhosa Língua: a cultura greco-romana.

Uma proximidade assim aduz um argumento que parecendo frágil pode revelar-se determinante: os nossos falantes quando dizem facto ou director sentem o C. É verdade mana, há sons que se sentem e outros que só se pressentem mas estão lá. Talvez não seja por isso que a mãe escrevia coêlho mas é de certo por isso que o produtor escreveu PRODUCTOR!

Sem querer aborrecer-te, ainda avanço um esclarecimento: produtor emana do verbo latino produco que tem o supino productum onde está o tal C. Quem escreveu o letreiro não conhecia estas minudências da etimologia mas sentiu o C! E isso é que é importante!

Eu penso, mana, que este acordo vai descaracterizar a Língua Portuguesa continental, penso que vai desbaratar uma importante herança cultural e penso, também, que causará o caos entre os aprendentes mais jovens. E é por isso que não concordo com ele.

Depois e não menos importante, se a mãe até há pouco tempo ainda escrevia coêlho e o senhor das vinhas ainda escreve PRODUCTOR, porque é que eu tenho de tirar o C ao facto?

A Língua há-de evoluir, como sempre aconteceu, mas essa evolução tem de ser determinada pelos falantes, os falantes é que são os soberanos da Língua! O que está a contecer é, a meu ver, a introdução espúria de alterações à regra que não respeitam a norma, é um processo artificial e o que é artificial, a humana mente costuma rejeitar. Já para não falar de outras motivações e complicações como, por exemplo, perceber critérios comerciais a antecipar os culturais.
E pergunto, se o acordo ortográfico é para ligar, unir, unificar, como é que se liga o productor ao acordo ortográfico?
Lembrei-me, a propósito disto, de um arrozinho de coêlho que a mãe costumava fazer…

Beijo,
mano.


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Por muitos a zero!

Querida mana,

Lembro, por vezes, a eternidade das tardes domingueiras passadas a quatro, ou cinco, quando estava a Mimi, e lembro a sua simplicidade tanto como a fruição do tempo. Sermos uma família era mais, muito mais, do que termos laços de sangue. Era estarmos juntos.
O pai sentava-se na sua mesa, fazia contas, lia o jornal, escrevinhava papéis ou abatia-se sobre os braços e adormecia profundamente donde só acordava para comentar o que se estava a passar na tv como que anunciando “eu estou aqui, não estou a dormir”. Mas estava e isso não tinha importância nenhuma. A mãe sentava-se costurando uma coisa qualquer, fazia um bolo, conversava ou escapava-se para o quarto, ali mesmo ao lado, donde emergia sonolenta para fazer algumas das coisas que ainda agora referi. Nós andávamos pela sala, no chão, debaixo das mesa, como se esse território nos pertencesse em exclusivo. Espreitávamos a televisão e sobretudo, brincávamos.
Havia uma actividade que me entretinha imenso. Eu copiava um totobola para uma folha quadriculada e deixava um espaço grande entre o nomes da equipas para registar os golos. E no curso dessses dias distantes várias coisas não tinham acontecido ainda. Não havia transmissões televisivas do futebol e a riqueza do jogo dependia da arte dos senhores que gritavam “Gooooolo!”. Da forma como narravam o jogo, das suas opiniões, dos juízos de valor sobre a partida, do colorido que emprestavam às minhas tardes de Domingo. É curioso que, sem tv, havia menos casos de jogo. As faltas eram faltas, os golos aconteciam quando a bola entrava na baliza e, mais do que tudo isto, valia a festa. A festa fazia-se, também, dessa singularidade que era os jogos serem todos ao mesmo tempo, nas imensas tardes de Domingo. Por vezes, o senhor gritava “Goooooolo”, eu estava já aos pulos, radiante e festivo, quando ouvia “o árbitro anulou o golo”. Era um descer à terra, uma desilusão e retomavam-se as expectativas. E lá ia, Domingo a dentro, registando os golos na minha folha quadriculada.
Nessa altura, havia o hábito salutar de se investir muito no jogo e menos nas coisas à volta dele e, fosse por isso ou por outra qualquer e desconhecida razão, havia sempre quem ganhasse por muitos a zero!
Lembro-me, por esses estranhos e alienígenas tempos, de haver um treinador do Benfica que fazia gala em não fazer substituições e orgulhava-se de sofrer muitos golos porque, dizia, marcava sempre mais.
Os casos nunca se resolviam na tv, não se ganhavam os jogos antes de começarem nem depois de acabarem, e havia sempre muitos golos. Ser do Benfica era, na altura, o mesmo que ganhar por muitos a zero. E, na segunda-feira, todos discutíamos as jogadas que não víramos como se as tivessemos visto. E todos tínhamos certezas. Era o inefável poder da imaginação despertado pela rádio. Havia mesmo alguns de nós que conseguiam dizer “eu vi bem que foi falta!”.

Entretanto, a vida roubou-nos as tardes de Domingo, a rádio perdeu espaço, a televisão ocupou demasiado, os jogos passaram também a ser jogados antes e depois de começarem, o futebol esterilizou-se em tácticas suicidas, e deixou de se ganhar por muitos a zero! Passou a interessar mais o resultado do que o seu volume, deixou de haver vitórias morais, morreu o “fair play”, 1-0 é um resultado comum e uma goleada é uma excepção, um motivo de festa. Tudo é esquadrinhado por câmaras, os árbitros são quase tantos como os jogadores e tudo isto estava sem graça nenhuma até ter chegado Jesus!

O que eu gosto no Benfica de hoje, ou no de ontem à noite, é o despudor com que defende mal, até porque defender não interessa para nada, é a ingenuidade de estar a ganhar por 4 a 0 e os jogadores continuarem a correr como se não houvesse amanhã, loucos, esses loucos, que jogam à bola como cachopos entusiasmados mesmo quando o resultado já está feito. O que eu gosto no Benfica de ontem à noite é que joga dentro do campo para quem cá está fora. O que eu gosto é do renascer da ideia de espectáculo e do que eu gosto mesmo, acima de tudo, em nome da minha infância distante, é que me devolveu a alegria de ganhar por muitos a zero.

Querida manucha, este mail era para ser sobre política, sobre a apresentação do novo governo do senhor engenheiro que nos vai conduzir nos próximos anos. Mas quem é que quer saber disso quando o Benfica está a ganhar por muitos a zero?!

O nosso avô e o nosso pai, lá onde estão, seja isso onde for, estão a gozar à brava. À uma, porque eram Benfiquistas à moda antiga, sem “ses” nem “mas”. À duas, porque têm lugar cativo e não pagam tv. Será que no Céu há cervejinha e tremoços?

Beijo divertido,
mano.


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O que é a felicidade?

Olá mana,

um dia destes, recente, fomos os três ao cinema como tantas vezes vamos. Também desta vez, mais pela distracção do que pela promessa do filme. Era um daqueles romances previsíveis em que eu e o Iago adivinhamos as falas das personagens. Homem conhece mulher. Mulher conhece homem. Detestam-se. Apaixonam-se. Zangam-se, reatam, toca uma balada e… The End!

Contudo, por entre o ziguezaguear de um argumento estafado, uma personagem, confrontada com as escolhas que tem pela frente, pergunta: “O que é a felicidade?”

Perdi-me na resposta e quando voltei ao filme já vários eventos se tinham sucedido. É essa resposta que quero ver se te alinhavo.

Para além da verdade óbvia que é a impossibilidade de definir-se a felicidade em termos absolutos, eu vivi sempre esta sensação esquisita e perturbante de que a felicidade não estaria forçosamente ligada a coisas boas do quotidiano. A nossa infância e a nossa juventude foram atravessadas por momentos dificílimos, terríveis de viver, de perceber, de digerir. Traumáticos, mesmo. As crianças não deviam ter de viver a violência das guerras, das separações, dos desencontros… Nós vivemos esses momentos de ódio e sangue ultramarino. Os jovens não deviam ter de conviver com a decadência prematura da saúde dos pais. Nós convivemos com isso. E, no entanto, não posso deixar de pensar que fomos imensamente felizes!

A meu ver, a ideia de consquistar a felicidade gera a impossibilidade de a viver. A felicidade não se conquista, não se possui, não se compra, não se tem. Vive-se em cada gesto, em cada pensamento. Ser feliz tem muito mais a ver com abdicar do que com conquistar. Tem a ver com a partilha, com a dádiva, com a grandeza de nos percebermos pequenos, com a consciência do pouco que é Ter e, mesmo assim, estar disposto a partilhar. Tem muito mais a ver com a valorização dos momentos, das trocas e daquilo que se tem do que com aquilo que se pode vir a ter.

Para mim, a felicidade é olhar para o meu filho. É ver a minha mulher sorrir. É dar um passeio só para sentir o sol na pele, cheirar o mar profundo. É correr debaixo da chuva e senti-la fresca na face. É fazer uma festa num cão. É convidar a família e os amigos para um almoço onde a mais séria das conversas seja uma banalidade. É escrever-te um mail. É ir vivendo tudo isto intercalado com dor, com perda, com lágrimas, com sacrifícios. Porque são estes que emprestam significado àqueles!

Não entram nesta equação as questões da conquista e da posse. Sabes, mana, uma vez uma pessoa amiga disse-me que “As coisas mais extraordinárias da vida são de graça!” E, hoje, dou-lhe razão.

Ser feliz é crescer na tranquilidade de não precisar de Ter. É crescer nos outros e com os outros. É criar laços. É tentar escapar à infelicidade da solidão, à escravatura da posse.

Recentemente abdiquei de ter uma coisa importante e grandiosa para viver coisas mais pequeninas e singelas que se não têm mas vivem. Recentemente, pouco antes do cinema com filme previsível em tela, pus de lado um grande cometimento em troca de gestos pequenos e ternos.

Recentemente abdiquei. Já não era tão feliz há muito tempo!

De ti, mana, não abdicarei nunca.

Beijo,
mano.


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O trilema do mano da outra Teresa

Querida mana,

afinal, parece que há mais irmandade na terra para além da nossa!
Um dia destes, alguém comentou um dos textos que aqui publiquei tendo semi-assinado, semi-quebrado o anonimato. Anunciava-se o comentador como o “mano da outra Teresa”. Pressuponho quem seja a outra Teeresa e, por consequência, calculo que o signatário seja seu irmão.
Pedia-me, na altura, ajuda para explicar à sua mana o que é ser homem, marido e pai: o seu trilema. Está tudo aqui: http://mailsparaaminhairma.blogspot.com/2009/07/o-convite.html

Ora, para lhe facultar tal explicação necessitava de um referente. Não me considerando tal resolvi pensar no nosso pai e explicar-te a ti, porque contigo entendo-me bem, a explicação que talvez sirva para o nosso leitor e, eventualmente, para a sua irmã.
Ser homem, marido e pai é, efectivamente muito difícil e quase todos nós, homens, maridos e pais, acabamos por falhar nalguma delas. Ou, pelo menos, a pagar o preço de não falhar que é elevadíssimo na medida em que significa aniquilarmos uma destas figuras dentro de nós sendo, tendencialmente, a de homem a mais “apagável”, depois a de marido e só por fim a de pai que é a mais “segura”.
O homem em nós é livre e libertino por natureza. Tem ritmos próprios, rotinas traçadas, hábitos, rituais e está pouco disposto a abdicar deles. É dominador e pensa com frequência que é sua obrigação cuidar do mundo, ser responsável por ele, traçar-lhe os destinos. Procura uma fêmea de cada vez e acasala tantas quantas pode na medida em que tem a ancestral e imperceptível marca de que é necessário garantir a continuidade da espécie. Isto, ou é assim, ou é um imenso e universal pretexto para andarmos sempre à procura de fêmeas!
O marido escolheu outro caminho. Percebeu que isso da continuidade da espécie é uma treta, e livremente aprisionou-se numa relação monógama de dedicação exclusiva à sua mulher: a eleita. Normalmente o marido não repara, mas a verdade é que a eleita é que o elegeu a ele! Há um senhor que explica isto muito bem no National Geographic para os leões e eu acho que assenta perfeitamente nos maridos. O marido vive feliz, dedica-se, esforça-se por manter a relação até ao dia tramado em que a sua natureza de homem chama por ele. Aí tem duas saídas. Ou arma-se em parvo e vai por África adentro à procura duma leoa mais jovem e promissora (estas leoas normalmente têm um ar mais desplicente, as nádegas firmes e usam fio dental) e embarca numa relação duradoura de três semanas. Ou reflecte, pensa nos seus compromissos, na qualidade da sua relação, e vai ao cinema, organiza um jantar a dois com velas pelo meio, arranja uma ocupação, por exemplo, colecciona uma coisa qualquer e mantém-se firme. Qualquer que seja a opção, a decisão não é fácil e, caso tenha tido o bom senso de continuar marido, irá sentir que o homem fez cedências. O marido considera as cedências naturais, o homem não.
O pai, curiosamente, sendo, por norma, o último a surgir dos três, está acima dos outros dois. Permanece firme no inabalável propósito de ser um bom pai que é a sua formulação para cuidar bem das crias porque são a imagem de si, mais ainda, são a sua continuidade, a sua imortalidade! Com facilidade um homem abdica de ser homem para ser marido. Ou, com menos facilidade, mas, ainda assim, com assinalável frequência, abdica de ser marido para ser homem. Já é raro que abdique de ser pai por qualquer um dos outros. Atenção que eu nunca escrevi “ser bom pai”. Não há bons nem maus pais porque antes e acima de isso tudo está ser-se pai, só. Como se sabe. Como se pode. Como se pensa que está bem. Não são os pais, nem mesmo os outros adultos que nos observam a ser pais, que podem dizer o que é ser bom ou mau pai. Para essa avaliação só os filhos têm competência ou, pelo menos, só a eles lha reconhecemos. E muito bem.
Ora, o nosso pai, fazia o impossível. É que, como reparaste, tudo isto está eivado de fracturas, de fronteiras e barreiras, e é de difícil articulação. Perdem-se as coerências e com facilidade se cai em contradição. Quer nas palavras, quer na acção. O impossível que ele fazia era ser tudo isto ao mesmo tempo em harmonia, com naturalidade. Com uma orientação que diria empírica e imediatista mas a resultar melhor que as estratégias todas e todas as pedagogias. Nunca foi um homem, um marido, um pai de fundo. Foi sempre um homem, um marido, um pai do momento, daquele problema específico, daquele sorriso, daquela mão na hora certa, do olhar severo e do terno na hora da severidade e da ternura. Só quando morreu, nós conseguimos ver o quadro por completo. Só nessa altura vimos que o nosso pai tinha sido, efectivamente, um homem, um marido e um pai de fundo. Fê-lo, paradoxalmente, negando essa condição em prol do contínuo imprevisível da vida.
Ao longo da sua vida, não só depois da morte, as pessoas que gravitaram à volta do nosso pai-estrela-de-luz, reconheceram-no como um bom homem, um bom marido e um bom pai. Uma trave. Uma segurança. A dedicação em pessoa. E contudo estou convicto de que nunca planeou sê-lo, nunca traçou uma estratégia. Limitou-se a ir sendo, a ir esgrimindo com a vida o jogo dos equilíbrios, a ir gerindo expectativas e tensões, dando exemplos, defendendo princípios.
Às vezes, quando olho para o meu percurso de homem, marido e pai, e me reconheço os erros, as falhas e os desacertos e sinto que estou tão longe dos padrões que o nosso pai estabeleceu, penso que foi tudo porque planeei, projectei, programei Ser em vez de ir sendo.
Acho que o mano da outra Teresa ainda ficou mais confuso. Acho que a Teresa não teve grande ajuda para entender o trilema do seu mano mas tenho a certeza de que ser homem, marido e pai vive da busca contínua e constante do equilíbrio. Vive da dádiva, de pensar nos outros antes de nós, vive da gestão sábia, da procura de consensos, do amor, do carinho, da protecção. Vive de Estar, mais do que de Ser. Mas isto eu não sei fazer e já me dou por muito feliz por ter visto fazer.
Às vezes perguntam-me qual foi o meu melhor professor e quase sempre estão à espera de um nome de um senhor professor doutor dos muitos por que passei na faculdade, mas a minha resposta, em nome da justiça tem de ser: “O meu melhor professor tinha a 4ª classe, foi o meu pai!
Beijo,
mano.


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Saramago não está senil. Não o desculpem dessa forma.


Querida mana,
como ficar indiferente às palavras de José Saramago sobre a Bíblia? Como ficar indiferente às múltiplas reacções? Como passar ao lado desta discussão? Não há como. Só fingindo que não aconteceu mas o facto é que, lamentavelmente, aconteceu.

Ainda hoje lembro momentos da nossa infância que chocam com a função corrosiva das palavras daquele escritor. A forma como fizeste a tua primeira comunhão, a entrega da Mimi nesse processo, a fé da velinha acesa todas as noites, o facto de o avô nunca entrar numa igreja, senão para casamentos e funerais, mas acompanhar a avó aos Domingos de Páscoa, a nossa avó, todas noites, com a Fé toda do universo, de joelhos, rezando junto à sua cama, invocando os nomes do netos, nada disto eram maus costumes, nem crueldade nem nada do que Saramago julga saber… Era só uma força boa, uma Fé genuína, actos de devoção impelidos pelo que de melhor há na Natureza Humana ao contrário do que defende José, o ignorante Saramago.

As suas palavras foram as seguintes: “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”.

Importa reflectirmos em que contexto foram pronunciadas: no contexto do lançamento de um livro chamado “Caim”. Ora, vai sendo do senso comum que a qualidade da escrita de Saramago tem decaído na últimas publicações. Há mesmo quem defenda que o último bom livro de Saramago foi há três ou quatro atrás e que o escritor está ficando senil.

Por favor, mana, não o desculpem com a senilidade. Na minha opinião, modesta mas firme, o escritor ensaiou um golpe de marketing e vendas. Provavelmente nem nunca leu a Bíblia, mas afirmações deste teor atraiem atenções e compradores e, gostemos ou não, Saramago vive de vender livros! Este pensamento veio-me à mente porque no dia em que as afirmações foram proferidas cruzei-me com um colega de trabalho que tinha acabado de ouvir as declarações e… de comprar o livro. Até acrescentou “Onde eu o comprei, estava-se a vender bem!”

Saramago não sabe nada da Bíblia. Ou sabe muito pouco. Nem se interessa por ela. Mas sabe e interessa-se pelo seu livro e, claro, quer vendê-lo!

O pobre não desrespeitou só a avó Ana e a Mimi, desrespeitou, porque não percebe, o maior movimento universal de Fé e, naturalmente, o Livro que o suporta. O que Saramago não conseguirá vencer, nunca, é o facto de o livro mais divulgado do mundo, o mais lido, o mais traduzido ser aquele que agora despoletou a sua verborreia infeliz.

Não é fácil perceber a Fé, por inerência, torna-se difícil aceitá-la, logo, o mais fácil é rejeitá-la…

Há aqui um perigo. Por ter alcançado uma projecção literária universalmente reconhecida, Saramago é ouvido e pode haver quem, por isso, tenda a levá-lo a sério ou mesmo a acreditar nele. Temos a tarefa de o desconstruir.

Vejamos: se a Bíblia fosse um manual de maus costumes e um catálogo do pior da natureza humana, como poderia estar na base das práticas mais nobres, das causas mais justas, da entrega, da dádiva, da redenção humanas? Este paradoxo, o escritor não resolveu. Das duas uma, ou não percebeu, ainda, a Bíblia, ou isso não lhe interessa para nada desde que vá vendendo uns “Cains”

Alguém dizia que o escritor devia renunciar a ser português. Outros disseram que são palavras para esquecer. Eu não concordo com uma coisa nem com outra. Entendo que devemos sempre lembrar que um dia um português ofendeu o Livro dos livros. E devemos usar essa memória para educar as gerações futuras. Ensiná-las o que não é um português e como se não deve ser português. Ensiná-las como, a coberto da liberdade de expressão, um português pode desrespeitar séculos de devoção, desrespeitar a Fé de milhões, por uns trocos!

Como sabes, o teu mano nem sequer é um crente dos mais devotos mas impressiona-me a leviandade com que, nos dias de hoje, nos referimos aos assuntos mais sérios, a facilidade com que desrespeitamos, a irresponsabilidade com que passamos mensagens, só porque pensamos que podemos, só porque sim.

Saramago diz que a Bíblia nos enganou. Eu, se comprasse o livro dele sentir-me-ia enganado. Gosto do que escreve. Li toda a sua prosa. Comprei-a toda. Mas este vou dispensar. A Bíblia talvez me conseguisse enganar, Saramago não!

Beijo em jeito de desabafo,
mano.


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Um singela sondagem

Querida mana,
terminou a sondagem que coloquei no nosso blogue há quatro dias atrás. Só catorze bravos e destemidos das muitas dezenas de leitores que por aqui passaram resolveram contribuir. A amostra é, portanto, pouco significativa.
E daí não retirarei conclusões para não cair no mesmo pecadilho das empresas de sondagens: estar sempre a passar ao lado!
Mesmo assim, arrisco uma ideia. A sondagem deu-me que pensar na medida em que 13 dos 14, ou seja, a esmagadora maioria, entende que as crianças passam demasiado tempo na escola. Até aqui, concordemos, ou não, a conclusão é lícita. Ela levanta, contudo, outras reflexões, mais inquietantes, talvez.

Deixo algumas, assim ao jeito de quem lança achas para a fogueira:

a) Entendemos que as crianças passam demasiado tempo na escola e que fazemos para que a situação mude? Por exemplo, que fazemos para estarmos mais tempo com elas?

b) A Escola é um lugar para aprender ou para estar?

c) Estamos convertidos em pais que “arrumam” as crianças na escola? Quem nos força a isso?

Eu não sei se tu ou as pessoas que lêem este blogue (devem ser umas três!) querem comentar estas apreensões mas, por acaso, gostava de “ouvir-vos”. Como já repararam não tenho paciência para tratar o assunto com meias palavras. Penso, até, que as meias palavras ajudam pouco. Assumamos que existe um problema e tratemo-lo com frontalidade.

Eu cá vou recordar para sempre o tempo em que ia à escola feliz e dela feliz vinha para ir ainda mais feliz às minhas aventuras e conquistas pela eternidade das tardes adentro. Havia um tempo miraculoso em que eu podia pecar, cruzar a linha das permissões porque a guarda da vigilância estava baixada. Talvez os nossos pais fizessem mais com menos. Talvez um telemóvel a tocar de 5 em 5 minutos a perguntar, na preocupaçao legítima, de quem educa “Onde estás?”, “Como estás?”, talvez sabermos sempre tudo dos nossos educandos não seja o melhor caminho. Sabes mana, eu acredito que é preciso comunicar muito com os jovens mas também considero que isso anda a ser confundido com estar em permanente contacto vigilante com eles. Uma boa conversa de quando em vez pode substituir, com competência, milhares de chamadas. De resto, quem quer saber tudo? Eu penso mesmo, à medida que vejo o meu filho crescer, que há coisas que nós, pais, não queremos saber!!!

Beijo,
mano.


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“ Carta para o meu mano “

[A minha mana nasceu em 1972, logo, como aqui confessa ter trinta anos, esta resposta data de 2002 quando se publicavam os “Mails para a minha irmã” no jornal. Hoje, a mana já tem trinta e sete e, claro, está cada vez mais bonita. Deixo aqui a sua reacção escrita aos “Mails”. A publicação está autorizada, claro.]
“ Carta para o meu mano “
“ Mails para a minha irmã”. Nem imaginas como estas palavras ecoaram nos meus ouvidos, como o meu coração se encheu de orgulho quando me anunciaste que ias dar`as tuas crónicas o título “ Mails para a minha irmã”. Não importa que os outros não saibam quem é a irmã ou mesmo se ela existe ou não. Eu sei que são para mim , que foi a pensar em mim que resolveste partilhar algumas das tuas mais caras recordações, os teus pensamentos mais íntimos, as tuas reflexões e preocupações. É como se existisse um cordão umbilical entre nós, um pacto selado que nada nem ninguém pode quebrar. É um amor, uma cumplicidade eternas. Não sei se é assim que tu sentes mas apesar dos meus trinta anos continuo a sentir-me como aquela menina de dois anos a quem tu seguras o queixo com uma mão e com a outra apertas firme mas suavemente a minha.. Não sei se te recordas dessa fotografia tirada há muitos anos algures em África .

Mas voltemos às crónicas. Cada vez que recebo uma nova fico com a garganta apertada e mal começo a ler os meus olhos enchem-se de lágrimas, mesmo sem saber ainda muito bem sobre o que escolheste escrever. É que a emoção é maior e mesmo que por vezes não partilhe de algumas das tuas memórias, bebo cada uma das tuas palavras, guardo-as no meu coração, penso em todas as pessoas que também as lêem e apetece-me gritar bem alto : “ Estas palavras são para mim !”

Beijo,
Mana


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A Nova Era de "Mails para a minha Irmã"

Nota: a foto tua que acompanha este texto é, propositadamente, a mais recente que tenho.

Querida mana,

incentivado por alguns amigos, de que destaco a Teresa, decidi republicar aqui todos os mails que te tinha escrito, enviado e publicado no “O Entroncamento”. Cumpri essa função e ainda se acrescentaram dois ou três originais. Ontem, a tarefa chegou ao fim e pensei seriamente se valeria a pena continuar. Se haveria temas. Se seria um projecto que me entusiasmasse. A verdade é que há poucas coisas que me entusiasmem mais do que escrever-te. A verdade é que haverá temas enquanto houver vida. A verdade é que a questão foi sempre falsa porque nunca quis fechar este blogue. De certa forma, não é ele que vive de mim, sou eu que vivo dele!

Não me comprometo com nenhuma periodicidade. Não me comprometo com nenhuma temática. Comprometo-me, só, a partilhar contigo, à medida que a vida for pedindo, as minhas memórias, as minhas reflexões, as críticas, os elogios… tudo o que vida me suscitar e eu considerar que valha o esforço de alinhavar umas quantas carreirinhas de palavras.

Tudo isto vive de um paradoxo: ser profundamente autobiográfico e, por isso, pessoal e, simultaneamente, ser público.

Haverá, inevitalmente, uma mise en place de realidade, ficção, caras, máscaras, provocações, ironias, genuinidade… enfim, uma mistura explosiva de ingredientes que tornam a vida interessante para além da fluência inevitável do tempo…

Se quiseres, posto em linguagem de manos, quero que a minha escrita envelheça contigo. Mereces isso e tudo o resto…

Farei uma inovação: vou colocar aqui ao lado um dispositivo onde os leitores deste cantinho (que estão a aumentar!!!) possam sugerir temas de escrita…

Hoje, quis só marcar o dia em que começamos a escrever a escrita do presente. Não são já republicações contextualizadas: são a vida ou… a baba dela.

Beijo amigo,
Mano.


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As páginas do fim…

[“As páginas do fim” foi o último texto da série “Mails para a minha Irmã” publicado no Jornal “O Entroncamento”. Aquele jornal viu-lhe cortados os portes pagos, por isso, fechou. Foram publicadas, quinzenalmete, 50 crónicas, com algumas intermitências, entre Novembro de 2002 e Julho de 2005. Todo o trabalho no “O Entroncamento” era voluntário e gratuito. Da equipa recordo o Padre Borga, o casal Barata, eternos amigos meus e de toda a cidade, os colaboradores e, sobretudo, a grande entusiasta e suporte de toda a equipa, a estudante do ensino secundário que fazia a montagem e edição: Ana Geraldes. Tanto quanto sei a Ana formou-se mesmo em Jornalismo e a última vez que a vi foi na televisão, numa reportagem de rua, com o microfone da SIC na mão. Prova de que no “O Entroncamento” se forjou algo mais do que a singeleza dos nossos textos.

Este blogue prente dar continuidade a essa escrita porque a escrita nunca acaba!

[Data da primeira publicação: 1 de Julho de 2005]

As páginas do fim…

Querida mana,
Há já algum tempo que te venho escrevendo páginas de memórias soltas e anárquicas de quem oficia a escrita como um culto. O culto da memória, o culto da ficção enredada em sentimentos de verdade, o culto de uma verdade minha e tua que não é, forçosamente, a de todos. E fui construindo teias e ideias onde os factos daquelas se revelaram bem menos importantes que as implicações destas. E por aqui andei brincando às escondidas com o passado e o presente, com a realidade e a ficção. Mediou-nos o sentir este jornal de verdade que é “O Entroncamento”. Hoje, contudo, a realidade veio intrometer-se nas minhas reflexões de brincar com as ideias e fê-lo pesada e definitiva. Recebi um telefonema onde me anunciaram ser esta a última edição, serem estas as páginas do fim. Entristeci-me. Há algum tempo para cá vinha dizendo que o “nosso jornal” estava crescendo, ficando mais denso. Era o reflexo de um processo assente na dádiva, na partilha, no aproveitar das potencialidades que cada um oferecia como quem mata a sede a quem lhe pede água. Aqui se viu a terra, aqui se conheceram as pessoas, aqui estiveram as ideias, por aqui passaram as reflexões e foi crescendo um espaço na cidade, no coração de quem nos lia, foi crescendo o lugar de “O Entroncamento”.

Sem pretensiosismos, sem ambições maiores que não fossem as de partilhar, divulgar e criar um espaço de interesse pelas ruas à volta da ferrovia…
As razões não são o mais importante. São coisas pequenas à imagem da humana pequenez. São coisas de homens enredados pelas suas próprias leis, cansados dos seus próprios gestos… são coisas de dinheiros e portes e prosaísmos que atropelam o que de melhor aqui havia: ideias, rigor, vontade, entrega… perece tudo isto, perece um espaço de reflexão e dedicação às mãos de umas leis, de umas deliberações, de uns entendimentos difíceis de entender… lembro-me das palavras de um escritor português do início do século vinte que rezavam, com pouca margem de erro, mais ou menos assim: Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa(…)
Não decorre das minhas palavras qualquer intenção ofensiva de quem triunfa senão a constatação da nobreza de uma morte como acto último de libertação. É que podem ser estas as páginas do fim, mas serão também páginas que hão-de permanecer na memória de quantos as escreveram, as orientaram e, claro, de quantos as leram com carinho, com entusiasmo ou, tão só, com reconhecimento… pode terminar aqui o nosso caminho mas termina um caminho trilhado com dignidade, com o mais puro jornalismo à face da terra: aquele que é feito da entrega, da dádiva, sem qualquer outro interesse que não o de manter viva a chama de chegar junto de alguém com alguma luz, com uma palavra a despertar interesse, a despertar um olhar curioso, a inquietar uma alma sossegada!
Do pouco que a vida me ensinou, do pouco que aprendi, do pouco que sei do Homem, ainda retiro para mim que estes jornalistas hão-de continuar a reflectir, a inquietar-se e a inquietar, hão-de continuar a semear palavras de ideias em campos de mentes que as queiram fecundar. Do pouco que sei, ainda sei que valeu a pena ter conhecido a maravilhosa equipa deste jornal que me apoiou e entusiasmou e impeliu a trazer à luz do dia, em letras de vida, os “mails para a minha irmã”. A todos eles deixo um sentido e profundo abraço de gratidão.
Quanto a nós, mana, encontramo-nos na primeira esquina da vida, no primeiro mail que acontecer… a musa continua desse lado e deste continua a mente ávida de dedos ávidos de teclado ávido de monitor ávido de um cursor que ali pisca, inquieto, à espera do próximo mail para minha irmã…

Beijo
Mano


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A crise…

[Este foi um mês negro para Portugal, de facto, em junho de 2005 morreram o poeta Eugénio de Andrade, o político e histórico dirigente do PCP, Álvaro Cunhal e ainda o neurologista Mário Corino da Costa de Andrade. É assinado o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre Portugal e Polónia. O casal britânico Percy e Florence Arrowsmith comemora 80 anos de casamento. Explosão de bomba em frente ao Ministério do Trabalho em Atenas. Os alpinistas Waldemar Niclevicz e Irivan Gustavo Burda chegam ao topo do Everest. Israel liberta 398 detidos palestinos. Neste mês Bagdad é varrida por uma série de atentados bombistas. Emerge na sociedade portuguesa e internacional o espectro da crise económica.

[Data da primeira publicação: 17 de Junho de 2005]

A crise…

Querida mana,

Lembro-me com clareza de certas tardes em família de tremoços pelas mesas, frescuras de cerveja, petiscos diversos, olhos a sorrir numa varanda salpicada de cravos que a avó Ana punha e cuidava com o sucesso de uma receita de carinho e atenção. Lembro-me do pai em calções cinzentos, as pernas alvas de pouco sol e o avô em figura semelhante trocando ambos palavras semelhantes de pensamentos semelhantes… o quadro é luminoso e projecta-me para momentos ímpares de uma infância bafejada pela família. E lembro-me de como um e outro, não fosse o mulherio ou a criançada julgar que aquele estado de coisas, aquele hedonismo de brisas a cortar o calor de um fim-de-semana diferente, tinha vindo para ficar além dos dois dias que intervalavam a sexta e a segunda-feira, afirmarem, de repente, em tom grave como quem avisa:
– Mas isto está mau senhor João!
– Pois está senhor Videira, mas o pior não vai ser para nós que estamos velhos, o pior há-de ser para os nossos filhos, e para os nossos netos.
Era o momento do fim-de-semana em que descia sobre as nossas cabeças a sentença pesada de um futuro negro assim ao jeito de um Nostradamus a anunciar, segundo os entendidos, o fim do mundo para 1987. O mesmo fim do mundo de Orwell em 1984 e que algumas correntes do pessimismo humano garantiram seria em 2000… pois os anos já passaram, já cá não estão e o mundo cá continua na sua serenidade milenar a ver desmoronarem-se os apocalipses que construímos.

Vim a este assunto porque, segundo os jornais e a rádio e a televisão portugueses, também este nosso jardim de beira-mar está à perto do seu fim de mundo privado… as previsões mostram-nos já debaixo de pontes pedindo esmola uns aos outros, famélicos e desempregados, sem reformas, falidos, sem capacidade de reacção perante o monstro que definha a figura de Adamastor: a Crise!
Grande é ela e feia. E ameaçadora. De proporções terríveis. E virá ou já cá está para devorar os pequenitos, indefesos e incapazes nautas deste quotidiano banhado pelo mar e pelo sol…

Ora, sem preciosismos nem pretensões olhemos a bestial investida do monstro assim de relance que nos não atrevemos a deitar-lhe um olhar frontal não vá ele cegar-nos…

Socialmente somos uma miséria. Acolhemos gente de todas as raças, integramo-los a todos, recebemo-los de braços abertos e tolerantes e inserimo-los no nosso quotidiano partilhando o trabalho, a amizade, a habitação e os dispositivos e equipamentos sociais. Somos uma lástima de povo que espalha pelos cantos todos da terra que, neste caso, são bem mais que quatro, uma língua a ser reconhecida, um povo a ser respeitado… outra lástima social que por aqui paira é termos a funcionar sistemas públicos de saúde, educação, justiça, segurança e apoio social… uma lástima este país!!!

Educativa, cultural e desportivamente ainda vamos pior… há pouco tempo um desses organismos mundiais que serve para medir coisas dificilmente mensuráveis colocava-nos em quinto nesta terra pequena e redonda no domínio das capacidades matemáticas. A próxima expedição a Marte será comandada por um português. Português é o melhor treinador de futebol do mundo. Bem como são internacionalmente reconhecidos os nossos méritos literários e nas ciências médicas que falam por estas os recentes prémios e reconhecimentos, por exemplo, da academia Nobel e da academia de Oxford… somos tão maus que fomos os únicos até hoje a conseguir um sistema automático de cobrança de portagens… e a falta de formação deste povo. É um povo tão mal formado, mas tão mal formado, que tem uma das maiores taxas de desempregados licenciados. É assim um desemprego de luxo! Qualificado!

Politicamente somos outra desgraça pegada. Vai-se a ver e é por sermos essa desgraça pegada que o presidente da EU é português como é português um dos mais altos-comissários da ONU.

Religiosamente este país está perdido. Bento XVI levou menos de quinze dias de papado até se expressar em português e albergamos, neste pequeno rectângulo banhado de areias e mar, templos e gentes de todos os credos, bem, quase todos!

Mas é na economia que isto vai mal… mesmo muito mal. Repara, mana, temos um dos melhores e mais actualizados parques automóveis da Europa. Todos os anos esgotamos a quota de importação de veículos. Construímos os maiores centros comerciais da Europa que, entretanto, estão sempre à pinha. As filas nas caixas dos supermercados crescem, não temos população suficiente para preencher toda a habitação que construímos e não podemos colocar mais pontos de pagamento de portagens porque já temos a maior quota europeia de construção de auto-estradas!

Eu sei, mana, eu sei, que isto não está bom. Ou, como dizia o pai, isto está mau, está muito mau, mas, às vezes, apanho-me numa esquina do raciocínio a pensar de mim para comigo se não há para aí alguém a quem interesse que isto pareça muito pior do que realmente está, assim como o pai fazia com o avô à frente duma cervejinha e duns tremocinhos…

Beijo
Mano