Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Longe e a Distância

O Longe a Distância

Foste a chegada
E desenhaste a partida.
Deixaste derramada
A semente da vida
Com uma enxada visceral
Numa terra escondida.
E a terra sou eu.

Nada tenho de meu
A não ser o que deixaste.
Herança imensa e pesada,
Estar à altura de teu gesto,
Tua atitude honrada
A poder de sacrifício.
Tinhas onze mandamentos,
Os outros
E o teu.
Dez, andam por aí,
Sendo cuspidos,
E o outro é meu.
Tu és a minha razão,
O meu sopro,
A inspiração na dor
E o sorriso na alegria.
Não vejo o dia de abraçar-te.
E não me importo de morrer para isso,
Por magia, encanto
Ou benigno feitiço.
De suave e doce morte,
Ou de violenta e dolorosa sorte.
Não importa o caminho,
Luminoso ou escuro,
Desde que sejas tu o porto seguro.
O futuro
Onde não há Futuro.

Estou só e preso
Em mim.
Vivo e morto
Sem fim.
E não há caminho,
Nem libertação,
Nem sonho,
Nem promessa, nem arte
Que tenha a força de amar-te.

E continuas aqui.
E és tão pouco
E tanto.
És a letra do canto,
A lágrima do pranto,
A saudade e a superação.
Olha para mim, pai,
E estende-me a mão!

jpv
À memória de meu pai.
1934/1999


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Citação do Futuro


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O Futuro do Passado

[Por Razões de ordem familiar e profissional, a crónica autobiográfica “Mails a minha Irmã” esteve sem ser publicada durante meio ano entre Janeiro e Julho de 2004. No dia 16 de Julho desse ano foi retomada a publicação com o texto que aqui se re-apresenta.

[Data da primeira publicação: 16 de Julho de 2004]

O Futuro do Passado

Olá mana!

Quase todos nós, e o quase, neste caso, serve só para salvaguardar surpresas, pensamos na vida como um percurso, sobretudo, um percurso de trás para a frente, porque temos a tendência para contabilizar o que já somámos e não o que podemos somar ainda. Este hábito, tão naturalmente humano, tem vindo a servir para aprendermos com as acções passadas mas também nos tem limitado o levantar de cabeça para olhar mais longe, mais fundo e profundo à procura e perscruta do pode fazer-se. Resumindo o arrazoado, queria dizer-te que a humana tentação de olhar o passado tem prejudicado, por vezes, a arquitectura do futuro. Que fazer então? Inaugurar as memórias do futuro? Desprezar as do passado?

Não!

Prefiro pensar na vida sem passado nem futuro. Como uma súmula de intermináveis presentes que vamos construindo apaixonadamente, devotos do ser, hoje. Aliás, bem vistas as coisas, não estou sozinho neste intento. Já reparaste como os falantes da Língua que nos viu nascer usam cada vez mais e só o presente como reduto último da expressão das suas vivências? Já reparaste que, mesmo quando as formas verbais que bailam nos lábios dos portugueses surgem em pretéritos ou futuros, elas estão, de facto, no presente? Será que estamos a perder a capacidade de recuperar o que já foi para sonhar com o que há-de ser? Será que o medo de perdermos a vida que inexoravelmente perderemos nos torna hedonistas ao ponto de desperdiçar as construções que o tempo foi urdindo?

Espero que não! Espero que haja, ainda, algum futuro no passado de todos nós. Espero reinventar no presente a raça que fomos no tecer da que havemos de ser…
É por isso que te escrevo de novo.

É um reatar de presentes que ficaram para trás, é um construir do presente que viveremos amanhã. É este sentir partilhado na cumplicidade e no tempo de sermos irmãos hoje, hoje e hoje.
É um bater-te à porta para te acordar as memórias do que falta viver! É um sussurrar-te que a vida caminha pressurosa e diligente pelo tempo que desperdiçamos, pelas coisas que não dizemos nem fazemos. É um tocar-te no ombro com a suavidade das palavras irmãs, impressas nas linhas que te deixo. É um esperar que algures em todo o mundo e em todas as famílias haja um toque assim. Um olá. Um estou aqui. Um como estás. Um abraço.

Um Beijo.
Mano.