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Vermelho Direto – Apresentação
Depois de muito pensar, de muito ponderar, decidi mesmo abrir a secção de crónicas intitulada “Vermelho Direto”.
Por muitos a zero!
Querida mana,
O pai sentava-se na sua mesa, fazia contas, lia o jornal, escrevinhava papéis ou abatia-se sobre os braços e adormecia profundamente donde só acordava para comentar o que se estava a passar na tv como que anunciando “eu estou aqui, não estou a dormir”. Mas estava e isso não tinha importância nenhuma. A mãe sentava-se costurando uma coisa qualquer, fazia um bolo, conversava ou escapava-se para o quarto, ali mesmo ao lado, donde emergia sonolenta para fazer algumas das coisas que ainda agora referi. Nós andávamos pela sala, no chão, debaixo das mesa, como se esse território nos pertencesse em exclusivo. Espreitávamos a televisão e sobretudo, brincávamos.
s casos nunca se resolviam na tv, não se ganhavam os jogos antes de começarem nem depois de acabarem, e havia sempre muitos golos. Ser do Benfica era, na altura, o mesmo que ganhar por muitos a zero. E, na segunda-feira, todos discutíamos as jogadas que não víramos como se as tivessemos visto. E todos tínhamos certezas. Era o inefável poder da imaginação despertado pela rádio. Havia mesmo alguns de nós que conseguiam dizer “eu vi bem que foi falta!”.–
O que eu gosto no Benfica de hoje, ou no de ontem à noite, é o despudor com que defende mal, até porque defender não interessa para nada, é a ingenuidade de estar a ganhar por 4 a 0 e os jogadores continuarem a correr como se não houvesse amanhã, loucos, esses loucos, que jogam à bola como cachopos entusiasmados mesmo quando o resultado já está feito. O que eu gosto no Benfica de ontem à noite é que joga dentro do campo para quem cá está fora. O que eu gosto é do renascer da ideia de espectáculo e do que eu gosto mesmo, acima de tudo, em nome da minha infância distante, é que me devolveu a alegria de ganhar por muitos a zero.
–Querida manucha, este mail era para ser sobre política, sobre a apresentação do novo governo do senhor engenheiro que nos vai conduzir nos próximos anos. Mas quem é que quer saber disso quando o Benfica está a ganhar por muitos a zero?!
–O nosso avô e o nosso pai, lá onde estão, seja isso onde for, estão a gozar à brava. À uma, porque eram Benfiquistas à moda antiga, sem “ses” nem “mas”. À duas, porque têm lugar cativo e não pagam tv. Será que no Céu há cervejinha e tremoços?
Beijo divertido,
mano.

