Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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São Tantos e Tão Intensos

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São tantos e tão intensos,
Os afetos.
E tudo isto é tão pouco.
Queria ver-te viver
Para sempre.
Não és uma pessoa,
Nem humana é tua
Essência.
Tu és a razão de toda a existência.
Tu és o espaço preenchido.
O coração enfunado
De amor.
Tu és o exercício vencido
De suportar qualquer dor.

Não temo a morte,
Venha quando vier,
Seria sempre essa a sorte.
Tenho só pena de deixar-te…
Tenho pena de não poder ouvir-te mais…
Ver-te desenhar a vida
A traços de loucura e coragem,
Desafiar os limites
Na insana voragem
Do horizonte.

Não há palavras
Para o que tenho no peito.
Há só estes versos sem jeito
A rasgarem lágrimas de alegria
E saudade.
Há a imagem de ti
Como um universo sem fim.
Há a minha vida
Nas tuas mãos…
Para além de mim.

jpv


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Vinte e Cinco


Vinte e Cinco

Olá!

Foi ontem. O nosso 11 de setembro. Marcante, este. Completaram-se 25 anos desde que, ainda muito jovens, imberbes, literalmente (!), resolvemos casar. E, na altura, queríamos que fosse para sempre, mas não sabíamos quanto tempo duraria sempre. Olha, afinal, num ápice, num átomo de tempo, já vamos em vinte e cinco.

Uma coisa é certa, se fizéramos planos para sair do país e trabalhar longe de casa, se isso alguma vez cruzou as nossas mentes, acho que foi no início da nossa união. Nunca pensámos que, se chegássemos aqui, passaríamos o dia em Maputo. Do outro lado do mundo.

O percurso tem sido fantástico. Melhor do que alguma vez sonhei.

Se alguma coisa me fica destes anos é a certeza de que estão neles os mais extraordinários momentos que vivi. Estão neles, também, o nosso filho que, por via das sinuosas linhas do Destino, fez ontem 23 anos. Falámos com ele de manhã. Está lá longe. Está bem. É nosso. É como se estivesse aqui, onde está sempre. Nos nossos corações.

Sim, vivemos dificuldades, passámos por crises. A maior parte das vezes, responsabilidade minha, por esse espírito deambulante que me faz questionar tudo. Tu és mais como era o meu pai: uma rocha de firmeza. Outras vezes, também, por inconstância tua. Nada disso importa. Somos, como disseste, companheiros! E acho que somos mais do que isso. Uma metade da outra metade. Um amor que ficou e resistiu e perdurou e renasceu e que habita hoje, tranquilo, nossos corações. 

Mudei contigo. Para melhor. E, sei-o com convicção, não quereria ter passado o dia de ontem com mais ninguém. Sendo honesto: não quereria ter passado os últimos vinte e cinco anos com mais ninguém.

Foi um dia de trabalho. Mas também foi um dia de flores e bolo de chocolate. E, sobretudo, foi um dia sem a energia de outros tempos, mas com a ternura e a certeza da companhia um do outro. 

Agora, acho, inicia-se um outro caminho. Por mais que custe, é preciso dizê-lo, escrevê-lo. Meu amor, acho que começou a estrada onde envelhecemos juntos. É precisa, agora, a sabedoria para tirar partido destes anos que são aqueles em que tudo é melhor e, ironicamente, em que tudo caminha para o fim. Seja! Contigo a meu lado!

Com a ternura dos quarenta e muitos, com o amor de sempre,

jota


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Filho

Filho

A minha mão
Na tua mão segura,
Não sei se te prende a mim
Ou se me prende a ti
Nessa sensação que perdura
Entre perder-te
E ter-te assim.

O meu peito
Ao teu peito entregue,
Não sei se bate o meu
Porque o teu quer
Ou se bate o teu
Porque o meu lhe empreste
A vida.

O meu olhar
No teu olhar preso,
Tem uma ânsia
E um fogo aceso
De libertar-te e reter-te.

Já foste.
Tinhas ido, já.
Estiveste cá,
Mas foste sempre de lá.
De onde a tua vida se faz,
De onde os demónios
Procuram a paz
E os anjos os atiçam com desejo.

Já foste.
E deixaste a tua presença
Forte.
E não há gume que corte
Este estares aqui,
Sempre.
Ausente do meu tato.
Presente no local certo e exato
De mim.

Sem ti
Não há universo
Nem motivo para que haja.

Morri já
E não sei.
Dei ao mundo a vida que dei
E resgatei a minha pobre
E atormentada alma
No momento em que te vi.
O primeiro,
E este último,
Ainda agora e aqui.

Gosto de ti
Cada vez mais
À medida que a vida se desenrola.
Seja a traçar sagaz teoria,
Seja a beber mais uma coca-cola.

E dói e sangra a tua liberdade
Em mim.
Esse sangue que precisa jorrar
Para que se realize
O homem
E eu possa, por fim,
Descansar na tua existência.
Ser pai não tem ciência,
Basta sofrer,
E ver-te crescer e partir,
E fingir
Que sou feliz com isso
E a espaços
Abraçar-te como se não houvesse amanhã.
Ser filho é bem mais difícil.
É a arte de navegar ancorado,
De partir amarrado
E nessa única
E singular partida
Reinventar toda a vida
E viver tudo de novo.

Gosto de ti
Cada vez mais
À medida que a vida se desenrola.
Seja a traçar sagaz teoria,
Seja a beber mais uma coca-cola.

jpv


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Crónicas de África – Dias Intensos

Crónicas de África – Dias Intensos

Pilgrim’s Rest, 9 de janeiro de 2013

Os últimos dias foram bastante intensos. De intensidades diferentes. Após nova incursão por terras e mares moçambicanos, com destaque para Vilankulo e Inhambane, resolvemos trazer o Iago, a Sandra e o Luís ao Kruger Park e a uma região denominada de Panorama, na África do Sul.

É claro que parte dessa intensidade se prende com o facto de sabermos que, à medida que os dias passam, se aproxima o momento em que eles, com particular ênfase para o Iago, vão partir.

Não sei se sou eu que exagero neste aspeto, mas a separação de pais e filhos é, para os pais, violentamente dolorosa. Para os filhos também será, mas atenuada pela força e pela energia da juventude.

A visita ao Kruger foi surpreendente. Ficámos no Skukuza Rest Camp que tem condições muito boas e uma vista soberba sobre o rio. A quantidade e a diversidade de aves, répteis e mamíferos que é possível observar em estado selvagem e a distâncias mínimas é entusiasmante. Aves de rapina, um arco-íris de pássaros, crocodilos, leões, elefantes, girafas, zebras, rinocerontes, hipopótamos, búfalos, gnus e toda uma extraordinária variedade de antílopes, donde se destaca o Springbok, são observáveis a meia dúzia de metros com comportamentos genuínos. Um dos momentos mais impressionantes para todos nós foi quando uma manada de elefantes, com mais de sessenta elementos, resolveu atravessar a estrada à nossa frente a não mais de dez a vinte metros. Um espetáculo de cerca de 10 minutos de cortar a respiração. Hoje, pela manhã, assistimos a uma “briga” de dois jovens elefantes que resolveram brincar no meio da estrada. Fosse em estrada asfaltada, fosse pelos trilhos de terra, os encontros e as surpresas foram inúmeros. Quando deixámos o Kruger, já levávamos a vontade de voltar.

A região de Panorama é montanhosa, verdejante, fresca e abundante em cursos e quedas de água altíssimas e de rara beleza. Visitámos a localidade de Graskop. É uma terra pequenina, com as casas baixinhas e em madeira. Parece que, a qualquer momento, vão surgir numa esquina cowboys montados a cavalo. Aqui produzem-se sedas e a especialidade da terra são as panquecas que nós comemos no emblemático “Harrie’s”.

Ao longo do caminho, parámos diversas vezes para ficar a observar paisagens imensas, intensas, de recortes quase impossíveis. Grandes vales, rochedos suspensos, quedas de água com várias dezenas de metros de altura. Estivemos em The Pinnacle, em God’s Window e em Wonder View. Visitámos as Lisbon Falls, as Berlin Falls e as quedas de água de Bourke’s Luck Potholes e demos um refrescante mergulho nas Mac Mac Pools, umas piscinas naturais no leito de um rio que desce a montanha em sobressalto. Por fim, dirigimo-nos para Pilgrim’s Rest. A cidade não existe. Quer dizer, ela existe, mas não é deste tempo. É uma autêntica visita ao passado, o regresso ao século XIX e à época da corrida ao ouro. Todas as casas estão preservadas e o mais possível mantidas no seu estado original. São construções em madeira com telhados de zinco, alpendres em madeira e todos os placares a anunciar um negócio reproduzem o estilo da época pelo que são em madeira com as letras e gráficos pintados à mão. As bombas de gasolina imitam as do início do século XX. Ficámos hospedados no “Royal Hotel”, também ele repleto de História e histórias. É um edifício em zinco por fora e todo forrado a madeira por dentro. As paredes dos quartos estão forradas a papel com motivos florais e os cortinados são daqueles antigos e pesados com os mesmos motivos. há quadros da época com cenas dos mineiros, dos garimpeiros e de caça. As camas são em ferro, os lavatórios são armários em madeira e as banheiras são em latão com aqueles pés curvos a suportá-las. Todos os candeeiros imitam a iluminação a petróleo. A sala de estar onde agora escrevo estas linhas é um imenso salão com vários conjuntos de sofás em tecidos estampados e naperons de renda a enfeitá-los. Não há televisão, nem mini-bar, nem ar condicionado nem serviço de quartos. De propósito. Há livros, uma luz amarelecida por todo o hotel e inúmeras ventoinhas de teto com as pás em madeira. O restaurante parece um saloon tirado de um filme do John Wayne. Tudo isto transpira uma ambiência vitoriana com um toque de faroeste e é quase impossível esquecermo-nos de que já passaram mais de cem anos.


Sim. O nosso filho parte em breve, mas ficam memórias comuns insubstituíveis. Memórias como a da conversa com Velma que contarei um dia destes. África surpreende-nos a cada dia, a cada quilómetro percorrido, a cada localidade visitada. Apetece ficar!

jpv


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O Nosso 11 de Setembro

Caros Leitores,
peço muita desculpa a todos quantos sofreram a tragédia do 11 de setembro em Nova Iorque e àqueles que ainda sofrem com a tragédia, mas, para nós, este é um dia de imensa, inqualificável e redobrada alegria.

Com altos e baixos, com certezas e dúvidas, com alegrias e tristezas, com regozijo e dor, hoje fazemos 24 anos de casados… e acresce a isso o facto de o nosso filho fazer 22 anos de vida. Efetivamente, o rapaz resolveu nascer no mesmo mês, no mesmo dia e, imaginem a pontaria, à mesma hora em que tínhamos casado dois anos antes.

Assim, o nosso 11 de setembro é de alegria, é de vida e júbilo e, se é importante para nós o marco do casamento, sem dúvida que a presença do nosso filho ofusca tudo o resto.

Costuma dizer-se que os pais só têm olhos para os filhos. Acho que é mais do que isso. É só ter bons olhos. É sentir a nossa vida suspensa a cada decisão deles. É protegê-los, guardá-los e guiá-los para depois os ver partir como se nunca nos tivessem sido nada. Esse desprendimento, esse reconhecimento de liberdade e autonomia a quem amamos mais do que a nós próprios é o verdadeiro amor!

Não nos interessa muito o que o nosso filho é ou possa vir a ser. Não nos interessa muito o que ele possa vir a realizar. Para nós, a única coisa que realmente interessa é que ele é nosso filho e, faça o que fizer, será sempre entendido, valorizado, relativizado, percebido como uma centelha de perfeição no Universo. Quem não sentir este aperto no estômago, quem não depender dessa vida terceira, quem não souber abrir mão daquilo que mais ama, não é verdadeiramente pai, nem mãe.

Quem me conhece, sabe que sou um homem de múltiplas facetas e realizações e posso dizer, aos 44 anos, que já fiz de quase tudo. Pois, amigos, olhando para trás, a única coisa de que me orgulho 100% e sem qualquer reserva, não sou eu. É essa fantástica criatura que me tem cativo, como cativa tem sua mãe: o nosso filho. Melhor do que todos os outros como todos os outros, para seus pais, serão melhores do que ele, e se assim não fosse, não estaria correto.

Parabéns filho!
Vive sempre e para além de nós. Isso, aceitamos com naturalidade e regozijo.

jp/ap


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Mãe

Não obstante a minha idade, para além dos quarenta, sempre que penso na minha mãe, seja a propósito deste dia, seja por outra razão qualquer, sinto-me menino. É assim como se as mães tivessem um elixir da eterna meninice e sempre que pensamos nelas, a alma voasse para o tempo em que acreditávamos que todas as pessoas eram boas e todas as coisas iam correr bem.

A minha mãe foi sempre um porto de abrigo quente e fofinho e representou sempre para mim a segurança. Não tenho quaisquer dúvidas de que, dadas as dificuldades por que passámos na minha infância, se hoje sou um homem seguro, auto-confiante e empreendedor, isso teve muito a ver com o papel que os meus pais e a minha mãe, em particular, tiveram na minha vida, durante esse período específico.

E assim, venho saudar todas as mães do mundo e a minha em particular que é a melhor delas! O sentimento que me vai no peito é de um amor e de um carinho extremos e por isso era necessário registá-los aqui.

Gostar da nossa mãe é uma coisa natural e um bocadinho egocêntrica como o António Variações, melhor do que qualquer outro compositor e intérprete, imortalizou numa canção a que chamou “Deolinda de Jesus”.

Pois bem, Maria Luísa, o teu filho se curva perante o teu amor, a tua capacidade de proteger, de amparar, de guiar, sem limites nem retornos esperados. És sempre um farol nas minhas decisões. E, se o pai estivesse entre nós, gostaria que te dissesse estas palavras.

jpv


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Citação do Sentir

“Tens aquele jeito do teu pai, aquele sentir profundo, aquela coisa…”
MLV


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Homenagem

Aqui se interrompe a narração de “Estórias ao Acaso: Noite Fria” para, em palavras breves, se prestar uma singela e sentida homenagem.Faz hoje onze anos que morreu um homem que faria amanhã 76 anos.
Foi o mais extraordinário homem que conheci até hoje. Na sensibilidade, na honestidade, na educação e no respeito pelo próximo. No amor pela sua família. Na arte com que criou os filhos e os ensinou a superar as dificuldades da vida.

Obrigado Pai.
És insubstituível e viverás para sempre na nossa memória e nos nossos corações.

O teu rapaz.


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Mãe

[Violenta explosão de um carro-bomba em Mosul, Iraque. Prisão de 2 líderes da Al-Qaeda em Punjab – Paquistão. Prisão de 13 supostos terroristas na Inglaterra. O Banco Riggs (Estados Unidos) inicia auditoria interna nas contas de Augusto Pinochet. Polícia de Inglaterra prende mais de 50 pessoas acusadas de pirataria. O piloto alemão Michael Schumacher conquista o seu 7º título mundial de F1.

[Data da primeira publicação: 27 de Agosto de 2004]

Mãe

Olá mana!
Nem todas as mulheres que têm filhos são mães!

O tempo, a ascese social e polida dos comportamentos humanos têm vindo a aniquilar os instintos primeiros, primários e primordiais do Homem. O instinto maternal não soube escapar a esta malha de embrutecimento educado, envernizado e profundamente estéril.
Já não caçamos. Vamos ao supermercado. O mais parecido que temos com caçar é um ritual de amontoar papéis burocráticos que entopem os canos das armas. Os tiros, quando surgem, já vêm desfalecidos do poder de caçar. Já vem morto o respeito pela presa.
Já não procriamos. Fazemos amor. Como se estas duas coisas pudessem ser uma só!
Já não comemos nem devoramos. Trinchamos, limpamos a comida e quando chegamos a dar a dentada já não sabemos o que estamos a morder! Os alimentos não são o que são. Não cheiram ao que são.
As mães já não amamentam, já não cuidam, já não acompanham. Forçadas a uma igualdade hipócrita e desumana já não parem, dão à luz! Como se parir tivesse algo que ver com luz. Parir é dor e sangue e medo e o milagre de trazer ao mundo mais um de nós. Forçadas ao trabalho quotidiano, despejam as crias numa gaiola de regras e artifícios com todas as coisas naturais e boas para o crescimento excepto as que fazem bem a quem cresce!

Hoje, quando uma criança diz mamã, não fala da mulher quente e fofa, como foi a nossa, que lhe dá a mama, o sorriso, a palmada, o amparo, aquela que cheira ao mundo que a rodeia. A mamã, hoje, é uma senhora que aparece com a noite à porta do jardim-de-infância, conduz o carro até casa e volta na manhã seguinte ao mesmo local.

Ora, mana, hoje venho cantar a nossa mãe. Venho lembrar-te as pequenas coisas que a fizeram grande. O tom calmo e pausado que punha na voz com propriedades verdadeiramente anestésicas para o medo que lhe acabáramos de revelar. O tom despreocupado com que dizia “isso não foi nada” depois de um sopro no local da ferida. A firmeza com que nos defendia dos outros quer tivéssemos razão, quer não… as contas ajustavam-se portas dentro. A zanga no desrespeito, a exigência de fazer crescer, a palmada no momento certo… às malvas a pedagogia. Crescer é sofrer para aprender a resistir. O ir connosco no primeiro dia de escola, o leite quente de manhã, o preparo do piquenique de casa às costas até com um saquinho de detergente e outro de sal. As batatas fritas, o “até amanhã se Deus quiser” e o riso…

Por vezes, quando quero explicar a alguém o que é o sentir materno, a tarefa complica-se por via dessa natural evidência que é eu ser homem e, preconceitos à parte, nunca ter sentido o que é olhar para um ser humano e saber que fui que o pari. Ainda assim, avanço sempre com este exemplo que é o de ter eu quase quarenta anos e, ainda hoje, a minha mãe julgar que só ela me sabe pentear. Esteja o cabelo curto, comprido ou assim-assim ela pergunta: “ó filho, quem te fez isso ao cabelo?”, põe os dedos em garfo e deixa-o na perfeição que só os seus olhos vêem porque mais ninguém me vê assim.

É a essa irrepetível singularidade do ser, do sentir, do pensar, do dizer e do calor das mãos que chamo mãe. É esse o calor a preservar e a reinventar para as gerações futuras.

Beijo.
Mano.