Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Autobiografia

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Foto por Cláudia Videira

Autobiografia

Foste trave

Quando precisaram agarrar-se.

Foste caminho

Quando precisaram andar.

E foste explorador,

Em meio de animais perigosos,

Quando quiseram ver

Os mágicos por-do-sol.

E ficaste na beira das camas

Quando o medo apertou.

E foste uma palavra calma

Em meio de um copo de tinto

Cuja casta se perdeu.

E uma noite quente,

E outra arrasadoramente quente,

Tanto… que os corpos bebiam

O suor gotejante.

E foste escritor,

E foste pai

De sortes e azares.

E professor,

E doutor.

E coisas.

Tantas e tão boas e tão más.

Hoje, vejo um filme,

E distraio-me nestas coisas,

E no fim, não sei se era um filme

Sobre a minha vida,

Ou a minha vida num filme.

Era fílmico, acho eu…

As consequências, não.

Orgulhosamente minhas,

À saciedade…

Essa saciedade que vem

Do fui eu que fiz,

Nada, nem ninguém,

Podem orgulhar-se delas,

Ao pé de mim,

Longe de mim,

Estando nas palavras…

Ah! As palavras.

Deuses que enganam,

Que assumem,

Que tiram,

Põem.

As palavras são

O próprio Deus.

Veio a palavra e disse

Faça-se deus. E como a palavra disse

Deus se fez.

E eu aqui, sem um Deus,

Só eu…

Esta mulher

Cheia dele,

Como um insulto,

Vê uma pedra e logo,

Olha Deus.

E eu aqui à procura

Não O vejo,

Nem nas pedras,

Nem nas árvores,

Nem em nada,

Nem nos milagres

Onde dizem que está,

Ou que esteve.

Aqui, há uns dias,

Abri um computador,

Vísceras o ser humano,

Vísceras quentes,

Com inteligência artificial

E tudo…

Nada. Nem deus nem o diabo.

Nem o bem,

Nem o mal.

E eu, que os sinto,

Mas não os vejo…

Vasculho em livros de poesia,

E romances, também,

Em teses,

Em matanças de porcos,

Num toucinho frito

Pela minha avó.

Já me confundiu os sentidos,

Mas não.

Era toucinho.

Não era deus…

Se digo orações?

Claro que sim.

E acredito nelas,

Então as silenciosas,

São um aprumo,

Parece que está ali Ele…

Mas não, é só a minha eloquência,

A fechar as bocas dos outros.

Mas, Deus, o próprio Deus,

Ali não se encontra.

Já experimentei ver no sexo,

No momento exacto,

Achei que sim…

Um amor assim não se repete,

Mas um amor irrepetível, irrepreensível,

Não é deus, talvez lhe faça alguma inveja,

Mas não é ele.

Fui aos livros de ciências

E vi lá o nome.

Pitágoras fundou uma escola religiosa,

Mas acabei junto da matemática.

Depois procurei por Doppler,

E o seu desvio para o vermelho,

Aparência cromática,

Eu a pensar em diabos,

Nada disso,

São espectros…

Propus-me, então, ficção científica,

Mas a Herança não mo trouxe.

E na bíblia, desorganizado…

Essa fonte de Deus,

Devia lá estar…

Organizado demais.

O fim, nem sequer é o fim.

Os passarinhos,

E os cães,

E os cavalos,

E os golfinhos,

Ao que poderia dar-se o seu nome,

Não são mais que graças,

Assomos de paixão.

E sem ele… Ou quem o substitua,

Nada faz sentido.

Nem o Romance Anónimo,

Nem as pétalas das flores,

Nem os rios que correm,

E, menos ainda, os mares

Onde desaguam.

E as nuvens…

Expliquem-me lá a formação

De uma nuvem,

O bater de asas de uma borboleta,

Expliquem-me o olhar

Fulminante de uma águia.

Deambulo errado

Por uma imensidão

De coisas que nunca existiram,

Ou não têm razão

De ser.

jpv

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Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

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