Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Elegia da Sentinela

Tenho comigo
Os abraços que quero.
Tenho comigo os olhares
De ternura que não dispenso.
Tenho comigo
Os sentimentos que sinto
E os pensamentos que penso.

Não sou incompreendido
Porque seja incompreendido.
Quem me não compreende
Escolhe não me compreender.
As minha dores são só minhas.
Ninguém me faz sofrer
Dores órfãs.
Escolho cuidadosamente
As dores que quero sofrer.
Adoto-as e acaricio-as
Como a um cachorro abandonado.
Só.
Absolutamente só.
E de pé até morrer.

Nasci desamparado
Como todos nasceram desamparados.
Vivo isolado
Como todos vivem isolados.
E, quando morrer,
Não terei tombado.
Sou o homem vertical.
O cadáver que incomoda.
A consciência ausente e justa
Da podridão impune.
A coisa fora de moda
Que se despreza
E se escarnece.
Sorriso fétido
Que apodrece.

Essas criaturas nojentas
E alapardadas
Não precisam que lhes diga
Que estão erradas.
Elas sabem que estão erradas.
E persistem…

E a nau,
Ondulante e silenciosa,
Passa certa e vagarosa,
Por esses sargaços de gente.
Burro cego e impotente
Como o país do Almada.
O único onde há chegada
Sem ter havido partida.
O único, onde recebe a medalha
Quem não correu a corrida.

AAhhh! Puta de vida.
Pudesse eu lavar-vos da lama
Sem me sujar nela.
Pudesse denunciar
Sem se denunciar,
A sentinela.

Adio-me
No adeus.
Há dias em que vivo
E há dias em que morro.
E há dias em que contemplo
A paisagem decadente.
E há dias em quem me afasto.
E há dias em que me despeço de tudo isto
E minh’ alma sorri e alegra-se.

E volto aos braços que me querem
E aos olhares que me ressuscitam.

jpv