
Por sortilégio da vida, com maior ou menor merecimento, consequência de escolhas conscientes ou ventura cósmica, por vezes, é-nos dada a oportunidade rara de viver o postal.
A meu lado, uma mulher escultural, de formas tentadoras e envolventes, seminua, abandonada ao ócio e à preguiça próprios dos amantes antes ou depois de fazerem amor, já não sei a ordem, um quarto mergulhado na penumbra fresca do telhado em capim, as portas da varanda escancaradas ao sol, ao areal alvo e imenso, ao mar intensamente azul, delineado pela escuma branca, aqui, e pelo horizonte celeste, lá longe, uma toalha pendurada na corda antiga que delimita o alpendre, a conversa do oceano chega junto de nós, audível, ao ritmo da ondulação serena, e o abandono dos corpos e das mentes ao momento e à paisagem é tão inevitável quanto desejado. Um único pensamento me assalta. Tenho de saber que estou a viver isto, tenho de saber que estou aqui. Não posso ser triste nem ceifeira. Tenho de saber e guardar para mim que vivi o postal.
As imagens e as mensagens ilusórias que povoam o imaginário criado pelas publicidades, pelas televisões, pelas revistas e pelas internetes são, agora, a minha realidade, a vida que me cabe viver. E é tudo isto um milagre, uma impossibilidade para o menino que fui tornada vivência sensorial pelo homem que sou. E há em tudo isto um regozijo individual, mas também coletivo. Todos aqueles que me antecederam e não puderam viver o postal estão aqui comigo e vivem, por mim, o momento que agora guardo na alma.
Sinto uma glória presente e uma gratidão ancestral. Ser feliz não faz mal, mas é preciso reconhecer a felicidade e abraçá-la e, nesse abraço, torná-la real.
jpv