Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Poloni – In Memoriam

Teve uma vida repleta e intensa.
Não morreu novo, mas poderia ter vivido mais.
O Poloni gostava, sobretudo, da companhia das pessoas.
E amava o mar. Enfrentava ondas enormes, vinha de lá enrolado em água e cheio de areia, sacudia-se e voltava a investir. Nunca teve medo do mar.
Adorava caçar caranguejos nas areias da praia de Chongoene.
Rosnava a quem não lhe agradava e detestava ser encurralado em espaços exíguos.
Enroscava-se na sua cama ao fundo do quarto e tudo estava bem desde que sentisse pessoas. Por vezes, a meio da noite, desatava a ladrar que nem um louco como se lhe tivesse sido confiada a missão de acordar todo o mundo adormecido. Era um bom guarda.
Gostava de comer sem ser incomodado e roubava sempre um lugar no sofá ou mesmo um sofá inteiro.
Onde quer que esteja, está no melhor dos locais e, por certo, anda a enfrentar ondas marinhas.
Foi feliz e gerou felicidade à sua volta.

jpv


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Não sei, já,
Quem seja,
Que vontade me ata.
Se o amante que beija,
Se o assassino que mata.

Não conheço, já,
Os contornos de meu gesto
E o balanço de minha mão.
Autor do ato funesto
Onde, secreto, habita um coração.

Não sei, já,
O caminho certo
Do caminho
Que o homem faz.
Ainda está perto
O corpo frio
Da criatura que jaz.

jpv


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Reflexo da Dor

Naquele dia,
Naquele fim de tarde
De cores difusas,
Encontrei Deus e perguntei:
Que fazes aqui?
A Potestade,
Com olhar supremo e doce,
Respondeu:
Vim cuidar de ti.
Como não acreditasse,
Incrédulo e surpreso,
Que a Divindade
Viesse ver uma só faúlha
De todo um fogo aceso,
Repliquei com a voz trémula:
De mim?
E olhei em volta.
E Deus,
Como se soubesse tudo,
Falou comigo
Tal pai aconselhando o filho:
Não haja surpresa nisso
Que são insondáveis,
Para os humanos,
Os motivos do seu Criador.
Em tua face
Está um olhar.
Nesse olhar
Brilha uma lágrima.
No brilho,
Mostra-se uma emoção.
Na emoção,
Baila uma mulher.
Nessa mulher,
Vive uma morte.
Dessa morte,
Nasce uma revolução.
Na revolta,
Estende-se uma mão.
Junto com a mão,
Revela-se um braço.
Ao cimo do braço,
Está um peito
Onde bate um coração.
O coração prende a dor
Que vim libertar.
Mas, respondi,
Não poderias ir direto
Ao peito sofredor?
Não, filho.
Toda a chuva
Tem um céu,
Toda a luz
Tem um sol,
Toda a noite
Tem um breu,
Toda a dor
Tem uma estrada
A ser vencida,
Passada a passada,
Até que o pó do sofrimento
Seja alimento
E brilhe de novo um olhar.
Só então,
Teu Deus te virá libertar.
E, como veio,
Deus partiu.
E quando saiu,
A tarde já se fizera manhã.

jpv