Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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SE…

De Rerum Natura
SE…

Lembro-me, imagem vívida, do teu último sorriso para mim, em pessoa. Seguravas-me as mãos. As tuas mãos eram sempre quentes e acolhedoras. Estávamos de pé, no campo de basquete junto à casa. O teu olhar iluminou-se de alegria por aquele momento a sós comigo, pela cumplicidade contida nele. Mas tinha aquela pontinha de melancolia que aperta o coração de quem se despede do amor de uma vida. E sorriste um meio sorriso que me deixava partir para as minhas aventuras e ao mesmo tempo chorava por dentro por não poder reter-me. Não foste capaz, nunca, de recriminar-me pelas minhas opções, de criticar-me pelas escolhas que nos afastavam. O máximo que conseguias era pedir-me que regressasse e tinha de ser eu a decidir se te referias a um regresso temporário, de férias, ou a um regresso definitivo para os teus braços. Eu soube sempre, mamã, que me querias junto a ti, que ansiavas o meu regresso definitivo para me acolheres no teu seio, para me preparares uma refeição deliciosa, com todos os cuidados e repleta de tudo o que eu mais gostava, para me tratares como a pessoa mais especial do Universo. Nunca me abandonaste. Fui eu que te abandonei. Que te deixei para trás. E guardo o teu último olhar para mim e o teu último sorriso para mim como os tesouros mais preciosos que a vida me deu. Quando estavas assim comigo, em cumplicidade, colocavas o pronome antes do verbo.

– Te cuida. Te amo.

– Também te amo muito mãezinha.

Se eu soubesse que exatamente quinze dias depois deixarias de estar entre nós, tinha-te segurado as mãos para nunca mais as largar.

Se…

jpv


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O Mar Reclamou

As aves em migração
Desviam-se da rota,
Perdem o Norte do voo
E desencontram o lugar.
E as flores florescem prematuras,
Coloridas de êxtase,
Ao sentir-te passar.
As nuvens buscam outros céus
E chovem as chuvas desencontradas
Dos solos férteis,
E vão beijar as areias
Escaldantes do deserto.
Hesita na passada
A mulher que deambula
E vira-se, para olhar,
O homem que passa perto.
Estas diferenças
O Mundo não notou.
Mas o mar… o mar reclamou.
Certo rio desviou-se de seu curso
Por te seguir.
Galgou rochas secas a fugir
E inaugurou rotas
Por onde passavas.
Procurava tocar-te,
Perseguia teu odor
E a luz do teu sorriso.
E a água do seu caudal
Não aportou
Na rebentação do mar salgado
Que reclamou.

E o rio reencaminhou-se.
E as mulheres e os homens
Voltaram às suas rotinas.
E as chuvas caíram de novo
Onde era suposto caírem.
E as nuvens reagruparam
Na rota certa.
E voltaram a florir e a perfumar
As flores onde se esperava que o fizessem.
E as aves retomaram seus percursos,
Os longos e os escassos,
Para que pudesses, ó mulher,
Regressar a meus braços.

jpv