Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Últimas Palavras

Últimas palavras naquele recurso que usámos tantas vezes para falar um com o outro. Trocámos outras. No próprio dia em que partiste. Nesse dia, horas antes da tragédia, comentaste fotos minhas no Facebook. Com humor. Com carinho. Com amor.

Nunca ninguém me amou como tu, mãezinha. Nunca ninguém me amará como tu, mãezinha.

E é por isso que estou só e desamparado. É por isso que vivo esta imensa e eterna solidão. É por isso que todos os sentimentos me abandonam. É por isso que trago os braços caídos. É por isso, porque me deixaste só, que não vejo como continue esta caminhada. É tanta a dor. E fazes-me tanta falta.

Como tu e como o pai não há mais ninguém. A Humanidade está pútrida e fétida. Não vinga um só valor. A única coisa que medra nesta terra, mãezinha, é a ignorância e a fraqueza de caráter.

Como sinto a falta do teu abraço. Como sinto a falta do calor do teu corpo. Do teu sorriso. Da tua voz. Da tua mão penteando-me o cabelo. E como tudo isso está irremediavelmente perdido. Se pudesse trazer-te de volta, a ti e ao papá, anichava-me entre vós e morria de mansinho no conforto do vosso aconchego.

jpv


Deixe um comentário

Notícia de Primeira Página

Na bruma da manhã
Correu um boato torpe e vil.
O lobo tinha saído do covil
E capturado o cordeiro exangue.
Na notícia de primeira página,
Por entre cores de sangue,
Não se mencionara, por pudor,
Que o cordeiro havia saltado do redil.
Com suas maneiras amaneiradas
E o olhar raiado de fervor,
O cordeiro, sob lãs envenenadas,
Cometeu o crime perfeito.
Impune e vaidoso,
Caminha agora pelas ruas.
As culpas não são suas
E o lobo jaz apodrecido e desfeito.
É o que acontece aos lobos
Corajosos que perseguem
Cordeiros inocentes.
Mastiga mais, por vezes,
Quem tem menos dentes.

jpv


1 Comentário

Morte

Só,
Sob o sol queimante do deserto,
O caminhante avança lento,
Pés nus e peito aberto.
Não tem água, já.
Não tem bússola
Nem horizonte.
Só o sangue nas passadas
E o suor na fronte.
Sem amparo nem resgate,
Enfrenta o vento que o fustiga
E a areia que o abate.
E, enquanto a Natureza adversa o castiga,
O caminhante avança,
Crente, só, na Fé
E no sentido que o orienta.
Sob o imenso calor,
Tudo pode, tudo aguenta,
Se vir ao longe
Uma centelha de amor.
Sente, pesados, os pés
E a vontade a soçobrar.
Vislumbra um oásis,
Verde, húmido e cristalino,
Quando termina a violência do estio.
O caminhante tomba sob a luz.
E o seu corpo inerte
Apodrece, na noite, ao frio.

jpv