
De Rerum Natura
Quatro Meses sem Feicebuque
Há quatro meses atrás, decidi, consciente e deliberadamente, encerrar todas as minhas contas em redes sociais. Twitter, Instagram, Facebook e outras. Claro que esta última era que me tomava mais tempo e atenção.
Escrevo este texto para vos dizer que estou vivo, não me deu nenhum ataque de nada, nenhuma crise de coisa nenhuma, a desabituação não foi nem um bocadinho difícil e a minha qualidade de vida melhorou assombrosamente. Vou já explicar porquê, mas, por agora, quero só ousar dar-vos um conselho: deixem o FB e, já agora, as outras todas.
Após estes quatro meses sem redes sociais, aquilo que posso dizer-vos com grande certeza é que as redes sociais são, efetivamente, redes antissociais.
Vamos a aspetos práticos…
- Quando comecei a usar as redes sociais e, em particular, o Facebook, foi para promover a minha escrita através da divulgação das publicações do meu blogue, Mails para a minha Irmã. Ora, volvidos quatro meses sem FB, posso dizer-vos que o número de visitas e leitores no blogue não diminuiu, pelo contrário, aumentou ligeiramente.
- A minha vida social, por exemplo, eventos em grupo, deixou de estar dependente da selfie perfeita ou da validação de que tinha acontecido através de uma publicação. Os eventos tornaram-se mais tranquilos e genuínos e valem por si mesmos uma vez que desapareceu o espectro da publicação.
- Ganhei mais tempo para mim. Faço tudo com mais calma. Dedico-me às pessoas e às tarefas com muito mais tranquilidade.
- Deixei de ser incomodado por notificações de amigos, de amigos de amigos e de amigos de amigos de amigos, normalmente a chamarem a atenção para publicações com nada de útil ou interessante. O tempo é meu, não é dos outros.
- Socializo mais. Muito mais. Saio com amigos, almoço com amigos, janto com amigos e, durante estes momentos, não interrompo nem sou interrompido por novidades fantásticas que não são novidade e nada têm de extraordinário.
- Não perco tempo a dar, nem a receber, os parabéns a pessoas que não conheço. Hoje em dia, quando dou os parabéns a alguém é pela relevância que essa pessoa tem para mim e não porque o Facebook me lembrou.
- Não leio “da-mos” nem “hadem”
- Não tenho de aturar como doutos, muito sabedores, e até especialistas de ocasião, pessoas que são só ignorantes sem mais nada para fazer ao tempo do que repassar imagens com frases lamechas e imprecisas e citações de autores que nunca disseram aquilo que lhes é imputado. Até cheguei a encontrar a mesma citação atribuída a autores diferentes. Se o Einstein, o Obama, o Dalai Lama, o Fernando Pessoa, a Clarisse Lispector, o José Saramago e o Mia Couto soubessem as frases que lhes foram imputadas, refaziam as suas obras e duplicavam as publicações.
- Sou eu quem seleciona a informação e as notícias que considero úteis e relevantes.
- Deixei de receber como importantes e urgentes, notícias, comunicados e diplomas legais, com vários anos e até revogados.
- Deixei de me ver envolvido em conversas futebolísticas irracionais e virulentas onde o recurso ao insulto pessoal era o nível mais civilizado da coisa.
- Agora, quando chamo amigo a um amigo, sei que é mesmo meu amigo.
- A minha privacidade é, efetivamente, minha e privada.
- Deixei de ser alvo de mal-entendidos inadvertidos ou propositados.
- Uso de maior rigor e critério na seleção do que leio na Internet.
- Estou a descobrir uma Internet, até aqui oculta sob as redes sociais, que se tem revelado bem interessante e com muita qualidade.
- Já ninguém faz juízos de valor acerca do que penso, como, bebo, os locais onde vou, quando e porque vou e com quem vou.
- Já não sou vítima de fake news nem tenho de me chatear com ninguém por ter revelado que uma certa notícia era falsa.
- Deixei de sofrer daquela antecipaçãozinha de saber quantos vão ver ou ler uma publicação e quantos “gostos” vai ter o que trouxe muita paz à minha vida.
- Sou mais igual a mim mesmo e menos permeável à opinião, à ação e às chatices de terceiros.
- Os senhores do FB, e todos os outros, deixaram de poder fazer juízos de valor acerca de mim e das minhas opções de vida.
- E, finalmente, não podia esquecer, deixei de ser ameaçado com 100 anos de azar e desgraças por não repassar um powerpoint manhoso por 15 “amigos”! E, claro está, deixei também de ser ameaçado com o pagamento súbito do FB ou mesmo o seu encerramento repentino se eu não mudasse uma certa configuração. O Facebook não me encerrou. Eu é que encerrei o Facebook!
Enfim, não sou melhor nem pior pessoa. Sou só mais igual a mim mesmo, mais genuíno e faço o que quero do meu tempo sem a interferência constante de terceiros. Não tenho nada contra quem tem Facebook, respeito a liberdade de opção das pessoas, mas não quero mais para mim aquilo que, agora vejo, ao cabo de simples 120 dias, era pernicioso para a minha vida, nada acrescentava e muito retirava. Não sofro a tentação de voltar. A Liberdade é assim, quando se experimenta, não se quer mais nada. E agora sou livre.
jpv
20/10/2020 às 22:50
Cada vez admiro mais o João, não só como escritor, mas também como pessoa.
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21/10/2020 às 06:31
Muito obrigado pela generosidade das suas palavras!
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