Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Carta ao meu Neto por nascer

[Este texto foi escrito em Outubro de 2019, mas só agora se publica por pruridos de ordem diversa. Mas isso interessa pouco. Fica o texto. E a pequenez de mim. Quando ele souber ler ou quando puder entender o que aqui está escrito, se o avô João já cá não estiver, mostrem-lhe a carta. Percebe-se que, entretanto, o neto nasceu…]

Carta ao meu neto por nascer

Olá miúdo!

Aqui, onde nascemos e onde vais chegar, há uma miríade de coisas maravilhosas à tua espera. Aqui, correm os rios e rebentam as ondas no mar. E aqui, a mamã e o papá vão explicar, há passarinhos a cantar pela manhã e há cheiro a terra molhada depois de uma chuvada. Sim, chove. A água cai, copiosa, dos céus. Não te assustes, é uma bênção de Deus ou da Natureza ou lá o que seja. E vem fria, a água, e refresca a alma e o corpo. E é aqui, também, que nasce o sol pela manhã e se põe ao final da tarde quando todos os segredos dos homens se conjuram e se reencontram. E o mar… pergunta à mamã e ao papá pelos segredos do mar.

O teu pai é um homem forte e corajoso e persistente e, às vezes, obstinado. É um aventureiro que gosta de desafiar os limites e sorri quando se fala de ti. O teu pai foi sempre um bom menino. Talvez ele não saiba, ou já se tenha esquecido, mas ele ainda é um menino. E é meigo. E acho que foi com estas qualidades que conquistou as atenções da tua mãe. O teu pai gosta de praia e de sol e do desconhecido e de partir e de chegar. É irrequieto e sereno e gosta de conversar. E acho que o que ele mais gosta neste mundo é da tua mãe.

A tua mãe é uma menina doce e carinhosa e muito determinada. Escolheu estar indefetivelmente ao lado do teu pai, como uma religião, e é assim que tem vivido desde que a conheço. Gosta de andar descalça, e gosta de comer vegetais, adora jogos de tabuleiro e detesta perder. A tua mãe tem um jeito nato para fazer milagres artesanais com as mãos. É uma mulher de detalhes e pormenores e prefere fazer as prendas de Natal com as próprias mãos do que comprá-las para as oferecer. Eu não sei se ela tem consciência disso, mas é uma mulher de família e é por isso que ela vai ser a melhor mãe do mundo.

A notícia de que estavas para chegar gerou comoção e alegria em todos nós e nós somos muitos, tantos que não posso apresentar-te todos porque a carta ficaria interminável. Tu foste uma dádiva de Amor, a melhor coisa que nos aconteceu em todas as nossas longas vidas e, mesmo sem saberes, vieste alterar a perceção que temos dessas vidas.

Eu sou o avô João e sou muitas outras coisas, mas desde que soube que estavas para chegar, todas elas ficaram sem importância nenhuma e passei a ser só o avô João. Eu quero muito conhecer-te, quero saber a sensação de ser-se avô, mas, sobretudo, quero perceber que maravilhosa pessoa serás, como te espantarás com os pequenos milagres do Universo e quero segurar-te a mão. Poderia mesmo dizer, sem qualquer exagero, que o grande momento que me falta viver é esse, o momento de segurar a tua mão, de atravessar a estrada contigo, de contar-te uma história como fazia com o teu pai.

Talvez um dia, quando fores crescido, a vida te traga momentos amargos e dolorosos. Posso mesmo avançar que será inevitável.

E será nesses momentos que se aconselha a leitura desta carta porque ela serve para dizer-te que foste muito desejado e és muito amado e, mesmo antes de chegares, eras já uma luz de amor e união nos nossos corações e eu penso que é maravilhoso alguém ser assim tão especial e singular e penso, também, que as pessoas devem saber disso e ser relembradas disso.

Estamos em outubro de 2019. Chegas daqui por meses. Os teus pais estão no Reino Unido, desconfio que nascerás por essas bandas, e o avô João, por razões que um dia te explicarão, está em África. Aí é Outono e aqui é Primavera. E é engraçado que assim seja porque a notícia de ti, chegou em simultâneo, nestas estações do ano. As mais belas, por sinal. Uma é o expoente da maturidade no nosso planeta e a outra um símbolo de vida e renascimento. E tu fizeste renascer em nós sentimentos adormecidos pelo tempo e pelas rotinas. Espero que chegues bem e espero que esta carta te receba de saúde, com a coragem do pai e a doçura da mãe a desenharem-te o caráter. E, sim, estas palavras são, ainda, uma mensagem de boas vindas, uma receção calorosa a um ser que ainda não chegou e já habita em nós e já nos altera o bater do coração e já nos povoa a alma com Amor e Esperança.

Falamos, depois, pessoalmente, quando for altura disso e terei oportunidade, espero, de explicar-te este emaranhado de ideias e pensamentos que foram, por agora, os possíveis…

Não sei bem como terminar esta carta. Não me apetece. Não pode, contudo, prolongar-se o improlongável… acho que me vou ficar somente por um “Bem-vindo e até breve! Até ao momento de reunirmos o amor e a ternura que já nos une mesmo antes do primeiro olhar, da primeira palavra”.

Do avô João,

Maputo, Outubro de 2019.