Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Perfume de Flores

Quando eu me aproximar,
Me chegar junto de ti,
E te abraçar por trás,
De mansinho,
Faz de conta
Que desconheces a intenção.
Despe a alma
E deixa pelo chão
As roupas com que a trazias protegida.
Sê fingida
Sem seres fingida,
E abandona o teu corpo
À minha suave investida.
Faz de conta que não sabias
As carícias que tinha para dar-te
E tu já querias
Antes de eu chegar.
Baixa a guarda, meu amor,
Sem eu notar.
E assim, fico a pensar,
Que o mérito é todo meu,
Que tu és sempre minha,
E eu sou teu quando quero ser teu.
Dá-me essa energia de mulher,
Essa vibração e esse fulgor.
Abre em pétalas de cor
O centro do meu desejo
E do meu amor,
Esse sexo de flores perfumado,
Meu ritual,
Meu altar sagrado.
Quando eu chegar, meu amor,
Finge que não tens vergonha
Nem grande pudor
E todas as ousadias são possíveis.
Oferece-me as coisas visíveis
E as que se não veem também.
Quando chegar junto de ti, meu amor,
Sê minha serva diligente
E minha exigente
Comandante.
Bebe-me o néctar da vida,
Dá-me o néctar da vida a beber,
E faz-me teu,
Suavemente, devagarinho,
E fulminante!

jpv


2 comentários

Ensina-me o Amor

“Grito de Paz” por Naguib Elias Abdula

Meu amor,
Quando tal não te importunar,
Hás de ter um tempo para me ensinar
As palavras que te excitam e incendeiam.
Hás de dizer-me os verbos
Que inflamam no teu corpo
O desejo de mim.
E hás-de esconder-me os que põem fim
À tua volúpia
E a essa vertigem húmida e desmesurada.
Quando, um dia destes, estiveres bem disposta,
Com o humor e o amor de feição,
Hás de ensinar-me os gestos que fecham a intenção
De ter-te sob o meu suor.
Onde queres que vagueie minha língua
E passeiem minhas mãos.
Onde podem perder-se meus lábios…
E hás de ensinar-me, meu amor,
Os perigos a evitar.
Hás-de dizer-me os rituais,
O olhar inaugural
E as carícias finais.
Tens de ter um tempo
Para ensinar-me o acordar pela manhã
E o deitar abraçadinhos
Quando chega o anoitecer.
Tens de ensinar-me o Amor
Para eu não esquecer
Essas coisas pequenas e aveludadas,
Esses imensos nadas,
Essa lição de amor,
Esse ter-te para te não perder.
Ensina-me, meu amor,
Para eu aprender
O que vive em mim.
E escreve esse sumário de êxtases
Na minha pele.
Vem dizer-me o que queres
Como se fosse um pedido
E ensina-me a dar-to.
Ensina-me como parto
De mim para te encontrar.
Ensina-me, meu amor,
A lição de te amar.

jpv


Deixe um comentário

Paisagem com Sol e Breu

Desliza a água calma
Tingida de lama.
As aves profusas
Entoam seu canto,
E as bestas lânguidas
Reviram-se no rio
Como na cama.
Soa um timbre amistoso
Fundido num longo abraço.
E o corpo,
Que cedia ao cansaço,
Reergue-se deste milagre
Para se reencontrar
Com o Universo.
E há distâncias, sim…
E que culpa tem disso
O canto chilreado das aves,
Ou o verde idílico da paisagem?
A vida é uma solitária
E singular viagem
Onde tu estás.
E em cada esperança que morre,
Em cada olhar que jaz,
Em teu peito
Nasce algo de meu.
Que culpa tem o sol
Que haja noites de breu?

jpv


Deixe um comentário

Jangada Vazia

No verde ímpar
Da manhã dourada,
Passa, silenciosa,
Ao colo da água
Calma do Rio,
A jangada.
Uma ave corta o espaço
E vem pousar
Ante o desespero
Do meu olhar.
O sol brilha intenso,
Aquece-me a carne
E expõe-me a alma
Em dor.
Não há verde, nem luz,
Nem ave, nem jangada.
Não há paraíso possível
Sem a força do teu amor
No meu corpo,
Sem tuas mãos desenhando
Curvas de desejo
Na entrega original
Do milionésimo beijo.
Não há deus,
Nem infinito,
Sem o teu gemido
E o teu grito
Sob o suor
Da minha luxúria.
Não há manhã,
Nem anoitecer,
Que valha a pena viver
Sem a pequena morte
De teu êxtase
Em meus lábios.
Não há mais teorias
Nem outros sábios
Quando tu não estás
E meu peito arde por ti.
Não há outras paisagens
Nem encantadas seduções
Conspiradas pela Natureza,
Se não tenho a certeza
De poder cingir
Teu corpo ao meu.
Passa de novo a jangada
Na manhã cristalina e doirada
À frente do menino que morreu.

jpv


Deixe um comentário

Misty Mornings

Misty mornings
And absent love
Ground earthly feelings
Mastered from above.
There’s no god to provide
This ship a safe shore
‘Cause my heart wants more
Of what it can’t find.
Oh God, send me from above,
With no schedule nor warning,
A strong safe love
In the dawn of a misty morning.

jpv


3 comentários

De Rerum Natura

A verdade… Hoje em dia.

As pessoas não querem a verdade. Não estão preparadas para a verdade. Não sabem lidar com a verdade. Não sabem viver em verdade.

Desaprenderam há muito. Foram habituadas a contorná-la, a pintá-la de cores plausíveis, a doseá-la, a apresentá-la de acordo com as situações, e aceitam estes comportamentos como se fossem aceitáveis.

Mas não são. A verdade não se contorna, não se matiza, não se doseia, não se ajusta. A verdade é uma coisa simples e incrivelmente valiosa. É um tesouro. Um tesouro indesejado, mas, ainda assim, um tesouro.

O que as pessoas sabem é viver em hipocrisia, o que as pessoas sabem é viver na mentira, num universo de plausibilidades, num universo de verdades aceitáveis. As pessoas, hoje em dia, sabem viver em jogos de faz de conta, em gestão de tensões, em gestão de verdades parcelares e meias mentiras. As pessoas, hoje em dia, não sabem conviver com a frontalidade. Quando alguém diz que é muito frontal, normalmente, vai começar uma discussão acesa e litigante. A verdade é tão estranha à generalidade das pessoas, hoje em dia, que, para dizê-la, as pessoas têm de discutir, têm de se zangar… as pessoas estranham a verdade e reagem-lhe mal. As pessoas, hoje em dia, não reconhecem a verdade. É algo estranho e inusitado e, por isso mesmo, se são confrontados com ela ou por ela, reagem mal e não descansam enquanto não destroem esse tesouro simples e precioso e o convertem num jogo de argumentos matizados, contornados, plausíveis de ser aceites, não à luz do valor intrínseco da verdade, mas à luz do que os outros são capazes de ouvir, querem ouvir…

Quem diz a verdade, quem tem essa coragem e essa ousadia, é expurgado pelos seus pares sob rótulos tão trágicos quanto a arrogância, a insensibilidade, a falta de cuidado, a brutalidade, o egoísmo, o politicamente e o socialmente incorreto. Hoje em dia, quem diz a verdade arrisca-se a ser um apátrida dos relacionamentos pessoais e sociais, um excomungado, um votado à solidão.

E isto tudo é tão mais desgraçadamente trágico quanto não sucede só entre conhecidos, entre colegas de trabalho, entre amigos de ocasião, isto acontece entre pessoas que se estimam e se amam, ou creem que se amam e se estimam, entre pais e filhos e irmãos e primos e maridos e mulheres e amantes e amados… Hoje em dia é expectável que tudo cresça no relacionamento entre duas pessoas, exceto a verdade. A verdade é um estorvo, um cancro social. E os que têm a ousadia e a coragem de falar serenamente com verdade são os infetados, os pútridos.

Não sei viver assim. Não sei viver aqui. Este mundo não é já para mim. Não há já lugar para a minha existência neste conto de fadas, neste tratado de fingimentos em que se converteu o relacionamento entre as pessoas.

Tenho dito!
jpv