Na Encruzilhada Do Édipo Ainda Por Ser Rei

Quando li pela primeira vez o “Rei Édipo”, o do Sófocles, bem entendido, não sabia bem, ainda, o que estava a ler. E, contudo, foi logo, nesse momento, e para sempre, ali, naquela hora e naquele espaço, que me foquei. Com toda a inconsciência de adolescente, na altura, e com o desespero todo de homem maduro, hoje.
Não foi no incesto, nem nas palavras de Jocasta, mãe-esposa, Não foi no pai Laio misteriosamente assassinado, Não foi no enigma óbvio e bafiento nem, mais tarde, na punição auto-mutilante com que Édipo limpou o podre do erro da face da desonra, Não foi no Creonte sisudo e perdido nem na figura enigmática de Tirésias. Onde o meu ego aterrou e se pregou para não mais se deslocar foi no pó da estrada, na encruzilhada do Édipo ainda por ser rei.
As nossas vidas são isso mesmo, uma sequência de encruzilhadas a pedirem decisão. Esquerda ou direita? Certo ou errado? Fortuna ou desgraça? Paz ou terror? Amor ou ódio? E o problema, um deles, pelo menos, é que não vemos o horizonte do futuro, nem o futuro no horizonte. Vemos pouco mais do que o nosso umbigo, uma passada talvez. E é aqui, neste momento e neste espaço que temos de traçar o caminho, optar, apostar, arriscar… e não temos indicadores. Sabemos nós alguma coisa do destino de ambas as hipóteses, do que nos trará cada um dos caminhos? Não. Não sabemos. Assim sendo, é o aqui e o agora, o presente, que define o futuro, que o constrói. Por consequência, planear o futuro é rematada loucura, estultice absoluta. É preparar o que não existe. Eu só existo hoje, o Universo só existe hoje, Deus só existe hoje. O futuro é o que fazemos hoje. E, hoje, perante a encruzilhada edipiana, temos de decidir com o coração e com a mente e ter consciência de que o futuro será o que fizermos agora.
A própria extensão da vida, sempre tão importante e com tão significativo peso em todas as decisões estruturantes, perde relevância. Não faz sentido ter em conta um hipotético tempo de vida a viver na adoção de um projeto, na tomada de uma decisão determinante, porque esse tempo que falta viver não existe. Existe, somente, este tempo que está a ser vivido. Uma pessoa jovem, com a ideia, falsa, mas socialmente aceite e veiculada, de que tem mais tempo de vida do que uma pessoa de meia idade ou idosa, terá mais dificuldade em perceber este raciocínio, em aceitá-lo, em viver de acordo com ele. E, contudo, a sua vida poderá terminar antes que termine a da tal pessoa de meia idade, idosa, mesmo.
A ideia, em si, requer maturidade e não deve confundir-se com o hedonismo ao jeito do carpe diem latino. A ideia não tem nada de hedonista. Pelo contrário, é de uma dureza atroz e de uma tragicidade cruel. O Ser Humano necessita de interiorizar os conceitos de futuro, esperança e perenidade, para poder proteger-se de um pensamento quase letal: o do seu fim iminente e inexorável. Resta a encruzilhada. As encruzilhadas. Sempre a pedirem decisões. Haja ponderação, bom senso, haja consideração e até racionalidade, mas haja, sobretudo, em cada decisão, paixão, entrega e amor, essa força redentora de todos os vícios e falhas humanos. E haja, claro, coragem para decidir de acordo com o que nos pede o coração e a alma anseia.
Maputo, 20 de janeiro de 2020
joão paulo videira