De Rerum Natura
Eu não sou aos 47 o homem que queria ser aos 17.
E não há nisso mal algum, nada de errado. Só desilusão. Toda a que foi nascendo de meus gestos e toda aquela imensa desilusão que nasce em mim só por ver os outros. O Homem é o animal que mais me desilude. Aquele de quem espero menos. O meu cão dá-me mais motivos de esperança do que a generalidade dos homens. Creio, firmemente, que a Humanidade está condenada. Não há ninguém de que não tenhamos de nos defender. O Homem move-se, unica e exclusivamente, pelos seus próprios interesses. Mesquinhos e egotistas. E disfarça. E cria máscaras. E engana. E acredita que está bem assim. Há pouca nobreza de caráter e nenhuma pureza de alma. A Humanidade é um lodaçal. É o estrume apodrecido dos seus próprios gestos. A hipocrisia medra, viçosa, adubada pelos jogos de ludibriar e pelas efémeras e ilusórias conquistas. Os vitoriosos são, normalmente, os melhores neste jogo. Aqueles cujo caráter apodreceu há mais tempo. Os derrotados não aceitam as derrotas e consomem-se em retomas de pelejas perdidas e vinganças a quente e a frio e a morno. Para mim, há em cada gesto humano um motivo de suspeição.
Aos 17, eu queria salvar o mundo e queria-o porque era possível. Quanta ingenuidade! O mundo esteve sempre irremediavelmente condenado. Aos 17, eu tinha ideais e planos. Os homens corromperam-nos todos. Envolveram-nos na sua teia de jogos de interesses, serviram-se da minha energia e eu acabei desviando-me do que queria ser. Uma vida desperdiçada. Com crueldade. Passo a passo. Momento a momento. Batalha a batalha. E hoje consigo orgulhar-me do que sou, de algumas coisas que tenho comigo, no meu peito, na minha mente, mas admito, dolorosamente, que me desviei do meu próprio caminho. Eu não sou aos 47 o homem que queria ser aos 17.
jpv
