
A minha avó, que era uma santa, tinha uma dor num braço e quando eu lhe perguntava porque é que lhe doía, ela dizia, entre o desespero e a conformação, que não havia nada a fazer, É o reumático, filho.
Amanhã iniciamos de novo a viagem de cruzar meio mundo, mudar de continente, saltar de hemisfério. E é precisa coragem e energia. Juventude! E, contudo, olha para nós. Estamos sentados na cama ainda a noite mal entrou. Tu lês uma revista com óculos de ver ao perto, queixas-te dos dentes e tomas dois ou três comprimidos antes de ires dormir. Eu esfrego pomada Voltaren no joelho que me dói sempre por causa do mesmo reumático da minha avó, coloco uma meia elástica e antes de ir dormir tomo dois ou três comprimidos. São diferentes dos teus, mas querem dizer a mesma coisa. O tempo. Estamos sós aos quase cinquenta. Lado a lado, dois companheiros do passado e para o futuro. Dois companheiros do reumático e dos óculos e das dores que surgem só porque sim. Tu tens brancas que pintas. Não precisavas. Ficas bem com as tuas brancas. E eu não tenho brancas porque me falta um requisito fundamental: o cabelo.
E aqui sentados lado a lado sob as mantas e as maleitas, nem parece que amanhã vamos cruzar meio mundo, conquistar novos horizontes, demandar outros futuros. A idade do reumático não é o fim. É só mais uma etapa deste caminho a dois.
jpv