Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Memorando do 11 de Setembro

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Foi antes dos aviões. E não foi um ato de guerra. Foi um gesto de amor. De entrega. Foi uma comunhão funda cujas implicações não percebemos logo. Sim. Houve certa inconsciência e até isso foi belo. Foi em 11 de setembro de 1988 que casámos. Mas ia nesse verbo mais, muito mais, do que a festa e a igreja e os convidados… ia todo um projeto de vida.

Foi antes dos aviões. E não foi um ato de guerra. Não veio nos jornais porque os homens trazem as prioridades trocadas. Foi a maior de todas as obras, o mais fantástico de todos os feitos, o mais maravilhoso de todos os dias e momentos. Não foi, para nós, um dia de morte. Foi a mais genuína celebração de vida entre os homens. Em 11 de setembro de 1990 nasceu o nosso menino.

Ontem de manhã tomámos um tranquilo pequeno-almoço na Pérola. E tudo parecia mais harmonioso. Falámos com o menino feito homem que está lá longe, onde os homens falam com palavras impercetíveis e os invernos chegam mais cedo e mais frios. E vagueámos a manhã por Maputo, a cidade que agora acolhe os nossos 11 de setembro. E houve aquelas flores, gerberas, que tu tanto gostas. Almoçámos juntos e fomos trabalhar. E ao fim do dia, jantámos sob as enormes jacas num jardim oriental iluminado de luzes a parecerem velas. E, chegados a casa, estava eu com a chave na porta, prestes a rodá-la e tu disseste ao meu ouvido, Gosto tanto da tua companhia. E eu pensei que não era preciso mais do que isso e menos seria insuficiente. Acho que foi sempre a companhia que fazemos um ao outro. Acho que por isso mesmo temos suportado e superado as tormentas e temos chegado sempre a um dia em que reconhecemos o ouro que é essa companhia. Sabes, aqui para nós, que ninguém nos ouve, enquanto te deitavas, pensei para mim quantas pessoas haveria no mundo que ao cabo de 26 anos a viver comigo conseguissem dizer essa frase. Há por aí quem dissesse outras. Mas essa… esse ouro puro… é tão raro quanto valioso.

E agora dormitas a meu lado enquanto uma entrevista na rádio te embala o sono. E sabes que estou aqui. E sei que estás aí. E é isto tão pouco. E é este pouco tanto… um universo…

Foi antes dos aviões. O verdadeiro 11 de setembro é teu. É meu. É nosso. E é do nosso menino. E quando fui dormir, não tinha visto as reportagens, nem as teorias, nem as imagens, nem as histórias. Fui dormir a pensar num 11 de setembro sem aviões. Ou outro tão mais importante, tão mais fantástico. Um 11 de setembro de vida e amor e dádiva e, sobretudo… de companhia. Gosto tanto da tua companhia!

jpv


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Leva!

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Nesta casa há uma varanda
E de frente para ela,
Além da última janela,
Descansa uma acácia
Africana e secular.
E é nos ramos dela
Que o rouxinol se põe a cantar.

Entoa a suave melodia
Em cristalino trinado,
Mas só canta ao fim-de-semana
Ou sendo dia feriado.
Escolhe os dias a preceito,
Elege para o seu labor
O dia para o meu descanso eleito.

Embala o meu fazer nada,
Em canto jovial
E musical frase certinha,
Desde o nascer da alvorada
Até ao cair da tardinha.

Leva minhas distâncias, passarinho,
Leva minha dor e minha saudade,
Leva minh’ alma para um tempo
Onde não haja bússola nem idade.
Leva meu desespero e minhas amarguras,
Embala no teu canto estas tristes e futuras
Palavras.

Sai dessa acácia,
Leva a minha dor para longe dela.
E volta, depois, leve e puro,
A cantar de frente
Para a minha janela.

jpv


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Crónicas de África – Um Dia em Inhaca

Às seis e meia da manhã estávamos no Continental a tomar o pequeno-almoço. Para mim, café duplo e pastel de nata. Quentinho! Uma só mochila, uma toalha, protetor solar, água e umas sandes que foram e vieram. A máquina fotográfica, pois claro. É conhecido em Maputo pelo barco da Vodacom porque a transportadora é patrocinada pela telefónica. É um catamarã simples que percorre os cerca de 40km entre Maputo e a Ilha de Inhaca em uma hora e quarenta minutos. A brisa marinha e o odor do oceano semeiam aventuras na imaginação e a verdade é que, à medida que nos afastamos da capital e nos aproximamos da ilha, o oceano vai-se limpando e o seu azul vai-se tornando cada vez mais forte e límpido. Chega a uma altura em que o azul do mar é tão forte e desenha um linha de horizonte tão definida que quase parece irreal.

A chegada à ilha fez-se com maré baixa. Vai de mudar de barco para barquinho e depois fazer os últimos cem metros com água pelo joelho e a receção não poderia ter sido mais espetacular. Centenas de Estrelas-do-Mar dos mais variados tamanhos e cores receberam-nos em admiração pela fartura  e pelo espetáculo proporcionado. Foi possível pegar-lhes e sentir que estavam vivas pelo movimento dos filamentos na parte inferior. Os curadores da ilha surgem a avisar para as devolvermos ao mar.

Escolhemos um passeio numa carrinha pick-up 4×4 até ao farol. A estrada está ladeada de palmeiras e cruza diversos povoados. O farol está construído em alvenaria por fora, mas por dentro é um gigantesco cilindro metálico com uma escada em caracol muito estreitinha. Cento e dezasseis degraus contou o Rodrigo e nós acreditamos. Ao subir, há vários troços onde o breu é total e torna-se necessário progredir só com a orientação do tato. Lá em cima, além da imponência e da beleza da paisagem, observámos uma família de baleias em brincadeira dominical. Numa das paisagens há duas linhas no horizonte tão definidas que parecem melhoradas com PhotoShop. Mas não são. Trata-se do verde intenso e cerrado da vegetação a mergulhar no azul profundo do mar e este a demarcar-se  do suave céu.

Depois visitámos uma das muitas praias. Fomos ao banho por entre as centenas de anémonas que por ali andavam. Sem problemas. Não havia a perigosa variedade bluebotle cujo contato provoca dores fortes. O Renato distingue-as bem! Uma ondulação suave e uma temperatura cálida das águas convidavam a mergulhos demorados. Tudo isto sempre acompanhado de uma variedade imensa de aves de canto cristalino e generoso. Um sol forte a pedir muito protetor solar e muita aguinha para beber.

Almoçámos no Restaurante Lucas. É gerido pelo próprio senhor Lucas, um natural de Inhaca, muitíssimo simpático. Caranguejo, frango assado, uma deliciosa salada de couve e umas geladinhas para acompanhar. No regresso, dormitámos sonhando com um dia diferente, em boa companhia, a conhecer e a usufruir do melhor de Moçambique. Anémonas bailavam à volta do barco e aves passavam rasando o oceano. Esta terra merece a Paz. Ainda bem que os homens se estão a entender.

Ao final do dia, já em casa, uma conclusão era evidente: um dia não chega para conhecer Inhaca. A ilha é enorme e tem tantas coisas para ver, tantas praias para visitar, coral a descobrir, aves a fotografar… e a Ilha dos Portugueses, mesmo em frente, a pedir um passeio na maré baixa pelos seus extensíssimos bancos de areia. Havemos de voltar.

Por agora, o regozijo de ter descoberto um pouco mais da encantadora nação moçambicana.

Aí ficam algumas fotos deste dia fantástico!

jpv

Fotos de Um Dia em Inhaca

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Regresso com Maputo ao fundo.

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Sorrisos ao final do dia.

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Ilha de Inhaca.

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Azul profundo.

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Ilha dos Portugueses ao longe.

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Ave autóctone em pose altiva.

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Sanduiche.

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Renato a vigiar anémonas.

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Tourist Stile.

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Baía no ‘Saco de Inhaca’.

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O casal maravilha. Primos fantásticos.

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O splash da baleia.

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Suave ondulação.

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Linhas definidas.

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Palmar em Inhaca.

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Bancos de areia em Inhaca.

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Mar e terra.

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O farol de Inhaca.

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Comité de boas-vindas.

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Palmeiras bordejando a estrada.

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Rodrigo a vigiar o pai.

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Espetáculo de cor.

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Espetáculo de cor.

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Tantas!

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Só por este sorriso voltava lá todos os dias!

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Pesca em Inhaca.

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Pescadores vigiados por ave boiando.

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Inhaca à chegada.

Nota: nenhuma foto sofreu qualquer tratamento, contudo, a sua definição foi reduzida para facilitar a publicação. Clicando nas fotos poderá vê-las um pouco maiores.


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Crónicas de Maledicência – O Facebook e Eu

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Crónicas de Maledicência – O Facebook e Eu

Não pretendo ter razão. Nem sequer pretendo traçar uma teoria. É só um sentir. Holístico, sim. Mas verdadeiro porque verdadeiramente sentido. E não há, da minha parte, qualquer pretensiosismo. Sinto isto e pronto.

Eu acho que temos vindo a estragar o Facebook. A deteriorá-lo enquanto rede social. E quanto mais tempo passa, pior se encontra o universo azul da procrastinação.

Certo, certo, é que, quando comecei a usá-lo, sentia um certo prazer e um certo regozijo em andar por ali. Ultimamente, evito esse ambiente porque antes de entrar se apodera de mim uma sensação de desconforto e desassossego. Só não fecho a porta porque valem a pena os amigos que por ali contacto e com que converso e vale a pena como instrumento de divulgação daquilo que escrevo.

E como veio isto a suceder? Foi paulatina, a mudança. Inicialmente, era só um espaço onde encontrávamos amigos e conversávamos despreocupada e respeitosamente sobre coisas banais, aspetos em comum, viagens, férias, família, curiosidades. Receita ligeira, portanto. Depois veio a fase da lamechice. Longos textos ou animações com máximas de vida. A malta passava ao lado. Depois veio o humor. Pessoas a dar tralhos de skate ou bicicleta, mergulhos mal sucedidos e tudo o que pudesse fazer rir. A fazer rir, mas a puxar para a consciência social, ou falta dela, chegou a fase dos acidentes de automóvel, sobretudo da Rússia. Veículos em movimento ou câmaras em túneis captavam as imagens para cruel regozijo dos consumidores. Tudo isto era tão desnecessário quanto inofensivo. Acontece que a rede social cresceu, mudou de aspeto, subtilmente tornou-se mais eficaz, chegaram os telemóveis andróides e similares e tudo se alterou. Subitamente, surgiram moralistas, ativistas, gente de missão consciencializadora e moralizadora em punho e vai de expôr ao mundo as desgraças do próprio mundo. Ao mesmo tempo que proíbe palavrões, o Facebook permite um filme com uma execução humana em massa, ou com um homem a maltratar a mulher, ou um homem a maltratar crianças, ou animais a serem violentamente agredidos, ou pessoas a perecerem vítimas das drogas, ou pessoas a comerem um peixe frito e, simultaneamente, ainda vivo, ou os estropiados de um acidente automóvel, ou crianças famélicas a arrastarem-se pelo chão, já sem força, e a implorarem ajuda. Se eu quero fechar os olhos a tudo isto? Não. Claro que não. Eu sou a favor da consciência e da responsabilidade social. Defendo a solidariedade e a fraternidade entre os homens. Mas também penso que tudo tem um espaço e o Facebook nasceu como um espaço de interação social informal e despreocupada. É certo que ele será o que quisermos, mas será que queremos mesmo converter esta rede social numa montra do dislate e da miséria humana? É curioso que, quanto mais humanizado está, mais desagradável se tem tornado. E é aqui que eu penso que temos de parar para pensar. Se esta rede social for uma montra do nosso comportamento e da nossa evolução, então as notícias são muito más.

Se sairei? Não. Continuam por cá os amigos, continua a ser um veículo de comunicação diversificado e eficaz. Mas, das duas uma, ou os mentores começam a dividir isto por temas e áreas de partilha e debate, ou começo a fazer incursões cirúrgicas e a desligar-me cada vez mais da rede social azul. É que me preocupa um aspeto, para mim, fundamental: o Facebook tem vindo a cercear a nossa liberdade de escolha, tem vindo a invadir a nossa presença com aquilo que não procuramos, tem vindo a transformar-nos e não a ser transformado por nós. Tem vindo a diminuir a nossa sensação de conforto e bem-estar e a tornar-se cada vez mais desconfortável e despropositado. E quando isso acontece, está na hora de partir.

Tenho dito!

jpv