Crónicas de Maledicência – Pouca Europa, Muitas Europas
Não sou politólogo, nem especialista em eleições. Não apareço na TV a comentar. A autoridade que me assiste é, somente, a de pensar.
A Europa, tal como a conhecemos nos últimos anos, a Europa do Euro, a Europa da União, virou autofágica e destruiu-se. Essa Europa de faz de conta morreu.
É simples apurar isso. Houve eleições europeias em Portugal. Não se discutiu a Europa. Discutiram-se os problemazinhos de Portugal, que são sérios e merecem atenção, precisam dela, mas que, se fossem enquadrados num raciocínio mais abrangente de pensar o Velho Continente, talvez tivessem solução. Assim, não têm. Os políticos portugueses entretiveram-se, a pretexto destas eleições, com uma disputa interna a ver quem internamente ganhava. E o Destino foi traiçoeiro. Para todos. Nem o PSD perdeu tão pouco quanto queria, nem o PS ganhou tanto quanto pretendia, nem todos os outros deixaram de ser cruelmente esquecidos. O PSD correu junto com o CDS e os dois juntos contra um só partido não evitaram uma derrota com margem de 4%. Grave. Foram ao tapete. Contudo, o PS anteciparia, lá está, por via das questões internas, uma vitória mais robusta. Não a teve. Todos os outros só contam para quem votou neles. A maioria dos portugueses nem se lembra já da siglas.
Mas há mais. Todos, mas todos mesmo, sem exceção, saíram derrotados sob o peso de uma elevadíssima abstenção. Sessenta e seis por cento dos eleitores portugueses não votaram. Isto comporta duas mensagens inequívocas. A primeira é que o conceito de uma Europa unida diz pouco aos portugueses que, em jeito popular, vão dizendo que aquilo é mais uma maneira deles se amanharem. A segunda, mais séria e funda, é que o sistema eleitoral e o conceito de uma União Europeia estão postos em causa. Quando, num dos Estados-Membro, quase sete em cada dez eleitores não se dá ao trabalho de ir fazer a cruzinha, a verdade é que a eleição, em si, não diz muito ao eleitor. Ninguém assumirá esta derrota. Isso seria pôr em causa aspetos que se não podem pôr em causa. Porquê? Porque interessa, a quem usufrui financeiramente desta Europa, que ela exista.
Mas há mais. Olhemos, de relance, os resultados em perspetiva europeia. Há pouca união, pouca coesão e, nesse sentido, há pouca Europa, muito pouca. Há uma difusão de orientações que vão, nos diversos países da UE, desde vitórias da Extrema Esquerda, a vitórias na Extrema Direita, com os sensaborões do centralão pelo meio. Ou seja, há demasiadas Europas para que a União Europeia aguente. Não sei, mesmo, se com uma tal composição, será possível governar a UE. Nunca percebi porque é que em cada Estado Membro votamos nos nossos partidos e não nos partidos europeus. Isso transviou a discussão em torno destas eleições para as questões internas de cada país e impediu uma discussão lata acerca dos destinos e do pensar a Europa no seu todo. Acredito, mesmo, que haja pouco portugueses capazes de nomear, nem que seja pela sigla, um único partido europeu. Os portugueses, na generalidade, não os conhecem, não sabem quais são e, pior do que isso, não sabem quem são as pessoas por trás deles. Creio firmemente que seja diminuto o número de eleitores portugueses que saibam, quando votam no PSD, no PS, no PCP, no BE, para as europeias, em que partido estão a votar para o Parlamento Europeu. Esse gigantesco parlamento de quase setecentos elementos que, isso sim, nós pagamos com os nossos impostos. De resto, todo o processo está viciado. Dos poucos eleitores que vão votar, daí a representatividade estar posta, seriamente, em causa, a maioria fá-lo por disciplina de voto. Fá-lo por seguidismo e tradição e di-lo. Ninguém olha para os programas eleitorais, os compara e vota neles. Quem é do PSD abomina por princípio tudo o que venha de outros partidos, em particular do PS. Quem é do PS abomina por princípio tudo o que venha de outro partidos, em particular do PSD. E assim sucessivamente. Ninguém do PCP ou do BE olha para um programa do PSD ou do PS à procura das suas eventuais virtudes. Nada disso. O que importa é encontrar as falhas naquilo que à partida se classifica como mau só porque vem de onde vem. E o inverso é igualmente verdade. Em Portugal, neste tipo de pensamento e processo, não há inocentes.
Ontem, não ganhou ninguém e perdeu toda a gente. E, sobretudo, perdeu a Europa, embora tenham ganhado as Europas.
Tenho dito!
jpv