Corpo sem Sonho nem Quimera
Rasgo o pulso do tempo.
Procuro a cada hora
Encontrar o que está por fora
De um único e irrepetível momento.
Amo o vento
E o frio
Rasgando-me a carne.
Amo o suor e a dor,
O lazer e o labor,
A luz do fogo
Enquanto arde.
Amo quem parte
Como quem fica.
Amo o homem que ordena
E o que suplica.
Amo hoje o dia que passa
E amanhã o que passou.
Amo e odeio
O homem que me prendeu
E a vertigem que me libertou.
Não sei quem seja.
Nem ateu,
Nem homem de igreja.
Nem bêbado cambaleando,
Nem sóbrio sem emoção.
Sou uma triste e alegre visão
De mim.
Um rio sem fim,
Correndo para o mar,
Uma gaivota cortando o ar,
Uma mão afagando um púbis,
Um poeta esgazeado
E perplexo.
Um entumescido
E laborioso sexo,
Uma carícia dolente
E dedicada.
Uma procura solitária
E desesperada.
E há essa impossibilidade.
Essa mordaça
Na voz e no peito
Que me tolhe a vontade
E desconcerta o jeito.
Há essa impotência
Em mim,
De ver-te partir,
E saber
Que não foi o fim.
Há esse grito
Silenciado,
Esse gesto
Pequeno e torturado.
Esse querer e não poder querer-te.
Me.
Não sei já do sangue
Nem da palavra.
Não me lembro do teu toque
Nem da tua voz.
O pouco que resta de ti
Habita em nós
E perde-se
A cada gesto desenhado,
A cada braço estendido,
A cada mão aberta,
A cada corpo amparado.
A vida…
A vida não existe.
É mera sombra,
Fractal impreciso,
Puta cansada e triste
Rejeitando uma voz que insiste…
E entrega-lhe o corpo,
Esvazia a alma,
Abandona a intenção
E perde a memória
Da razão… original.
O tempo não tem pulso
E dentro de cada momento
Não está nada.
A vida,
Se fosse alguma coisa,
Seria uma intenção abandonada.
Afinal,
Não amo nada.
Nada odeio.
Pensei ser o centro e o meio
De tudo.
E quedei-me cego e mudo
Quando finalmente percebi
Que nem pelas palavras
Estou aqui.
Ausência.
Espera.
Corpo sem sonho nem quimera.
Cadáver ofegante
Do homem que desespera.
jpv

14/05/2014 às 14:50
… e agora levaste-me de vez a alma!
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14/05/2014 às 15:15
Espero que não. Estava me habituando à sua alma! Quer isso dizer que gostou ou vai zurzir-me? Eu não me importo que me zurzam. Têm é de ser competentes a fazê-lo!
Lhe vejo mais logo!
jp
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14/05/2014 às 15:18
O que vem a ser “zurzir”? Seja o que for, acho que não sei fazê-lo direito, se lhe deixei na dúvida. Com “levaste-me a alma” quis dizer que me seduziste o espírito definitivamente. Desculpe minha incompetência linguística neste nosso idioma traiçoeiro!
vejo-lhe…
acs
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14/05/2014 às 15:27
Zurzir é castigar com as palavras. Criticar forte e feio!
Essa sedução me deixa responsável. Estar à altura de leitores e interlocutores assim é muito difícil. Perdoe-me, antecipadamente, as falhas…
Acho que vai gostar da “Fábula da Cigarra enquanto a Formiga Dormia”. Algo me diz que tem a ver com a sua alma…
———
Escrevi um comentário em Meio Pão e Um Livro mas acho que não “entrou”! Tecnologias! Bah!
jpv
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14/05/2014 às 15:37
O comentário entrou e foi respondido. Olha que estamos transformando isto aqui num chat.
Falhas perdoadas de antemão e vou lá conhecer essa fábula.
Veja, de Al Green fui a este cajo aqui, que eu não conhecia: http://youtu.be/6j4N90ymRYQ (há prazer que se iguale a ouvir uma boa música pela primeira vez?)
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14/05/2014 às 15:52
Vou espreitar. Já comia meio pão!
Sim… essa sensação é… inigualável… original no sentido bíblico do termo: fundadora!
Também vou “escutar” (olha eu brasileirando consigo!).
jpv
Seja chat, não pode ser é chato!
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14/05/2014 às 16:12
Se ficar chato, me avise!
(Estou a aportuguesar-me consigo! Aliás, temos um aluno português na escola em que trabalho. Confesso que invento subterfúgios para inquiri-lo, só pra ouvir o sotaque.)
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14/05/2014 às 20:27
Olha… o reflexo da vida! Eu tenho um aluno brasileiro em Maputo e o provoco só para ouvir a doçura escorrer… nem interessa muito o que ele diz… se ele soubesse, tiraria partido, 🙂
Avisarei. Conto com essa lisura da sua parte também!
Beijo. jpv
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14/05/2014 às 15:21
Em tempo, você me fez conhecer Al Green (e esta versão extraordinária desta música que eu só conhecia com os Bee Gees) e, como uma música puxa outra, estou a ouvir uma seleção fantástica pela primeira vez!
Este é mais um dos meus lenitivos: a música!
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14/05/2014 às 15:28
Sim, sem dúvida.
Uma vez me criticaram: “Nas tuas histórias há pouca música.” E eu contestei: “Gasto-a toda ouvindo!”
jpv
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17/04/2014 às 11:59
Gosto de como fala de Amor… Afinal o que é a vida sem Amor…NADA.
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06/04/2014 às 00:06
Multiplicador, a vida daquele blog depende de você!
Dê a sua opinião, não permita que mais um blog morra!
http://www.educadoresmultiplicadores.com.br/2014/04/multiplicadora-nao-deixe-que-mais-um.html
Contamos com a sua presença! Desde já, agradecemos por sua visita.
Irivan Rodrigues
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