Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio – A Rapariga do Riso Fácil

A Rapariga do Riso Fácil

É a mais recente aquisição do Clã do Comboio.
Por uma qualquer razão, eventualmente masoquismo recalcado, esta simpática moça engraçou connosco e, imagine-se, até parece gostar da nossa companhia.
Conhecemo-la no Metro, mas sabíamos que viajava no interregional das 7:18 porque a víamos entrar e sair da grande lagarta metálica. Ora, numa dessas manhãs cheias de entusiasmo, atrevi-me a meter conversa com ela e, alguns dias depois, o RB convidou-a para a nossa carruagem. E ela aceitou. É a Rapariga do Riso Fácil.
Traz no olhar a alegria natural de quem crê nas pessoas e nas coisas e de quem espera sempre o melhor de tudo e de todos. E nesse mesmo olhar transporta um sorriso que lhe nasce nos lábios e brilha através dos olhos castanhos. Tem o cabelo castanho-escuro comprido, uma face alva e feliz, uns óculos de vidro de design arrojado e é baixinha. Baixinha, mas harmoniosa. Marca-a uma boa disposição constante, a vontade, diria mesmo o impulso de comunicar com as pessoas e fá-lo sempre rindo. Ri porque gosta e ri porque à sua volta, à volta do brilho do seu olhar e do sorriso desenhado pelos lábios finos, há sempre uma aura de alegria e boa disposição. E foi com este espírito que veio até ao nosso pequeno universo de passar as manhãs e os fins de tarde em trânsito num comboio. Depressa se mostrou resistente às graçolas do RB e do Escritor e mesmo capaz de responder-lhes com pertinência. Gosta da música da Mulher Vampiro e tal como ela prefere livros técnicos a romances e lê quando a deixamos! A sua chegada e a sua integração aconteceram enquanto o VM foi ao estrangeiro trabalhar, disse ele. Tanto quanto sei, pode ter estado fechado no quarto a ver televisão! Quando voltou e lhe quisemos apresentar a Rapariga do Riso Fácil, descobrimos que o mundo é pequeno, mesmo para a imensidão que é o universo do Clã do Comboio. Já se conheciam, são da mesma terra, tratam-se por primos, ou melhor, o VM trata-a por prima e ela… ri-se! Enfim, parece que ele é padrinho da melhor amiga dela.
Em todo o caso, o que me surpreende na Rapariga do Riso Fácil é a facilidade com que se ri de si, de nós, do universo que a rodeia, das nossas piadas, as mais e as menos conseguidas. É uma companheira activa que trouxe a este clã uma centelha de luz e um sonoro e entusiasmado riso matinal.
Este clã, outrora povoado por presenças esporádicas e anónimas, está a ficar mais consistente dentro dos limites da sua vulnerabilidade. A teia de relações cresce com duas balizas. A de não termos nada a ver uns com os outros e a de termos algo em comum: muitas horas do dia partilhadas no mesmo espaço. E cada um de nós acrescenta um laço, configura uma presença. A Rapariga do Riso Fácil chegou e marcou a sua presença. Uma presença de simpatia sempre pronta a uma gargalhada cristalina.
Bem-vinda ao Clã do Comboio, Rapariga do Riso Fácil. Sabes, o mundo é pequeno, mas é nosso.


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O Clã do Comboio – Para Mais Tarde Recordar

Para Mais Tarde Recordar

O Clã do Comboio está a tornar-se um caso sério de camaradagem em viagem. Camaradagem e boa disposição. E, mais do que tudo o resto, comporta-se, cada vez mais, como um clã. Um clã de atenuar o tempo das nossas vidas que decorre em transportes públicos e, muito em particular, no comboio.

Uma destas tardes, no interregional das 18:18 deu-se uma sucessão de sucedidos absolutamente invulgares e que nos ajudam a conhecer melhor as personagens e o espírito do Clã.

Quando entrei na carruagem em Santa Apolónia, só lá estava a Mulher Vampiro e, como acontece de tarde, ao contrário do que acontece de manhã, ia muito bem disposta. Não estava no seu banco. Estava de frente para ele. E porquê? Porque o seu banco estava ocupado por um simpático moço. Eu não sabia que ele era simpático, mas vim a saber mais tarde. Pensei que a viagem ia ser tranquila. Enganei-me. Ainda não me tinha sentado, entrou um dos três amigos que querem salvar o mundo, o RB, que, além de muito bem disposto, vinha perfeitamente irrequieto. Trazia com ele o JA. O JA é um simpático e pacato amigo dos três amigos que querem salvar o mundo que, de vez em quando, é vítima da companhia deles. O RB trazia a cabeça cheia de teorias para salvar o mundo de pessoas como ele e o VM! Enfim, lá foi dizendo o que é que o FMI devia fazer, quais as melhores medidas e, em menos de nada, informou o rapaz que ia sentado no lugar da Mulher Vampiro que ele era um usurpador de um lugar cativo. O moço riu-se e, imagine-se, ofereceu-se para ceder o lugar! Eu não disse que ele era simpático? Até sair, em Santarém, lembrámo-lo para aí uma cinquenta vezes que ia num lugar que não lhe pertencia. Acho que ficou convencido porque, quando saiu, praticamente obrigou a Mulher Vampiro a voltar para lá. Ela voltou e o mundo ficou um lugar melhor para se viver.

Toda a viagem teve uma outra novidade: a Rapariga do Riso Fácil. A ela dedicaremos um texto exclusivo, no entanto, era impossível não referi-la nesta viagem por algumas razões. Primeiro, porque tem, de facto, o riso fácil. Até se ri das piadas do RB! Depois porque gostou daqueles ferros a bater que a Mulher Vampiro leva nos ouvidos e a que chama música e, por fim, porque é uma figura que promete ser inspiração fértil para o Escritor. Senão vejamos, logo na sua primeira viagem enquanto elemento cooptado para o Clã, insultou o Escritor com comentários depreciativos a fingir que eram graçolas.

Ora, o ponto alto da tarde foi quando deu um ataque de mímica à Mulher Vampiro. Primeiro, confrontada com o facto inegável de que já tinha sido vista a babar-se enquanto dormia no interregional das 7:18, imitou uma pessoa a dormir e a babar-se. Depois, para mostrar que babar-se não era o mais ridículo que lhe podia acontecer, demonstrou como era uma pessoa, ela, a limpar os dentes com a língua. E fez o gesto! Ou isso, ou estava mesmo a precisar de limpar os dentes. E, por fim, cúmulo dos cúmulos, fez aquilo a que nós chamámos bambolear-se. Enfim, enterrou-se pelo banco a dentro num ritmo sambado de abanar-se para a direita e para a esquerda. Acho que a ideia era provar que os bancos são confortáveis. Nós achámos que a viagem tinha atingido o extremo do ridículo mas o rapaz que ia ao lado da Mulher Vampiro, vá-se lá saber porquê, fez o mesmo gesto e disse:

– Bambolear é bom!

A Rapariga do Riso Fácil, em vez de ficar envergonhada com tudo isto, gostou! E prometeu voltar no dia seguinte. E voltou! Enfim, há pessoas que sofrem por gosto.

O certo é que foi um fim de tarde diferente, muito marcado por alguma excitação antecipatória de fim-de-semana, com as teorias absurdas do RB e as suas piadas sem piada, as loucuras da Mulher Vampiro, o riso da Rapariga do Riso Fácil e a estupefacção de algumas pessoas decentes que não nos conheciam. No final, contudo, o dia de cada um pareceu ficar mais leve, mais harmonioso, como se os deuses nos tivessem sorrido.

Nota: Ouvi falar pela primeira vez num almoço do Clã do Comboio. Provavelmente nunca vem a acontecer, mas não será pior referi-lo para memória futura!