Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Curtas do Metro – Perdida

Perdida

Esta “Curta” esteve para chamar-se “Capuchinho Vermelho”. Acontece que a pessoa sobre quem vou escrever, sendo absolutamente igual e invocativa do Capuchinho Vermelho, não tem nada de Capuchinho Vermelho. Eu sei, parece confuso. Mas não é. O Capuchinho Vermelho era uma jovem com um vestidinho, um capuchinho vermelho, um andar saltitante, uma cestinha na mão e um ar inocente e perdido.

A pessoa que encontrei, de Capuchinho Vermelho, só tinha o ar inocente e perdido que, a avaliar pela invocação que logo se formou na minha cabeça, devem ser os aspectos mais importantes daquela personagem. Vejamos. Tinha os olhos azuis e cintilantes, uma tez muito alva, vestia um vestidinho cor-de-rosa com folhos pelo joelho e os mesmo folhos por cima do peito onde o vestido terminava pois era, como dizem as senhoras, um “cai-cai”. Não tinha uma capa com capuz, mas um casaquinho branco de malha. Usava umas pérolas singelas nas orelhas. O seu andar saltitante não era porque fosse aos saltinhos, mas porque tinha umas sandálias muito altas que lhe davam um caminhar desequilibrado. E transportava, de facto, algo na mão, mas não era uma cestinha para levar à avozinha. Era uma mala preta com rodinhas dessas que se arrojam pelo chão. Ou seja, o meu Capuchinho Vermelho tinha tudo para o ser e tudo lhe faltava para que o fosse. Contudo, tinha o essencial. Um olhar admirado e perdido e um ar cândido e inocente.

Claro que, assim que a vi na estação de Baixa/Chiado, quis escrever sobre ela, mas, durante toda a viagem até Santa Apolónia, ela não me deu nenhuma razão para que o fizesse e, como os leitores sabem, as “Curtas do Metro” são histórias, não são meras descrições. E foi então que toda a minha sorte, o meu positivismo e a minha protecção divina funcionaram. Aconteceu algo de absolutamente extraordinário. O Metro parou em Santa Apolónia e como se trata de uma estação terminal toda a gente sai. Sai porque não há mais e sai porque é obrigatório sair do comboio nas estações terminais. Mas ela ficou sentada como que a tentar perceber porque é que todos saíam, depois ficou olhando o desenho das linhas como que à procura de uma resposta. E não saía. Eu percebi que ia haver coisa e atrasei um bocadinho o passo. Ela lá se resolveu a sair. Foi a última. E cá fora continuou a olhar para cima e para as paredes com ar inocente e perdido. Quase não andava. Eu esperei e perguntei:
– Precisa de ajuda?
– Sim, por favor. Estamos onde?
– Em Santa Apolónia.
– Mas isto não é a linha azul?
– É.
E a frase que disse a seguir justificou este texto. Foi fantasticamente reveladora. Ela era mesmo o Capuchinho Vermelho! Sabem o que disse? Disse-me para onde queria ir:
– Ah! Eu queria ir para o Jardim Zoológico.
Eu ainda lhe respondi:
– Pois. É na linha azul, mas na outra ponta da linha!
Saquei do mapa do Metro e mostrei-lhe que ela tinha de andar sete paragens na direcção oposta.

Ela agradeceu e desapareceu dentro da carruagem com a cestinha, o andar incerto, o ar cândido e inocente e o olhar perdido a caminho do Lobo Mau! Ou não!

jpv


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Publicidade

Será importante avisar os meus leitores de que este texto é EXCLUSIVAMENTE sobre publicidade. É importante porque, quando disse que pretendia escrever o texto, avisaram-me: “Vê lá no que é que te metes.”
Pois, caros leitores, este texto será escrito com naturalidade, chamando as coisas pelos nomes delas e não por eufemismos ou paráfrases. Não é um texto sobre racismo, nem análises culturais, nem contém culpabilizações e, muito menos, acusações.
Acontece que eu adoro publicidade e gosto de acompanhar, não só a excelente publicidade, mas também a competição pelos mercados feita através da publicidade.
Há umas semanas, uma cadeia de hipermercados cuja idoneidade não questiono, o Continente, lançou uma campanha de publicidade com o slogan “O Continente somos todos nós”. A campanha visava informar acerca da fusão das marcas Modelo e Continente e procurava a proximidade com o cliente. Assim, junto à frase colocava sempre uma face de uma pessoa em grande plano. Até aqui tudo bem. Ou quase tudo. Reparei na altura, sem falsos moralismos e por mera curiosidade, que todas as faces eram de pessoas brancas. Nem pretos, nem amarelos, nem castanhos, nem encarnados… Ou seja, numa leitura arrojada, “Todos nós” éramos brancos. Não dei importância. Era só uma publicidade e até me podia ter escapado algum cartaz à atenção.
Mas não deve ter escapado. Nem a mim, nem à concorrência. Pouco tempo depois, uma cadeia de hipermercados cuja idoneidade não questiono, o Pingo Doce, lançou uma campanha com o slogan “Aqui não paga nada a mais pela qualidade”. A suportar a campanha estão uns cartazes com faces de pessoas em grande plano e alguns produtos, frutas, como fundo da foto. Ora adivinhem lá o que aconteceu? O Pingo Doce aproveitou a “distracção” da concorrência e fez espelhar a multiculturalidade étnica nos seus cartazes com brancos, pretos, amarelos e outros a pontificar nas fotos…
Estas mensagens não são óbvias, mas o certo é que os departamentos de marketing não dormem. No meio disto tudo, o importante é que compremos só o que queremos, de acordo com os nossos critérios. Sejam eles quais forem, qualidade, preço, gosto, etc. têm é de ser nossos!


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"Com Amor," – Documento 7

Aceito.

Só vim aqui ver se tinha mail e aproveito para dizer isso. Não posso escrever mais nada. Estou sem tempo.

Começa tu!

Nada de máscaras.Quero ver-te despida…A alma despida! 🙂

Rui


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"Com Amor," – Documento 6

Olá Rui,

Que me dizes a recomeçarmos?

Quando digo isto, quero dizer que podíamos reapresentar-nos um ao outro e começarmos o nosso conhecimento mútuo (quase) do zero. Eu apresento-me, tu apresentas-te. Dizemos aquilo que entendermos que é importante sobre cada um de nós e (re)começamos daí. Assim, podemos conhecer-nos evitando equívocos. E, sabes como é, com as tecnologias é fácil. A escrita facilita o que temos para dizer. Não achas?

Enfim, está lançado o desafio.

Verónica


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"Com Amor," – Documento 5

Olá,

eu nunca disse que precisavas de um homem. O que eu disse foi que tinhas um problema de carência afectiva. Disse também que uma companhia podia ajudar-te a resolver esse problema e disse também que precisavas de amar. O que, afinal, vens agora reconhecer.

Sabes, eu não tenho tempo a perder. Tenho 46 anos, o tempo foge-me por entre os dedos e não quero mais desperdiçá-lo. O que tenho para dizer, digo. O que tenho para fazer, faço. Não se trata só de atrevimento, embora haja algum, trata-se, sobretudo, de viver. Disseste que o Amor era a tua religião. Pois bem, a minha é a Vida!

Outro Beijo
Rui.

PS: Vê lá se fazes as pazes com Deus. Deus, tal como o Amor, não nos abandona. Por vezes, nós é que nos fechamos a Ele, tal como ao Amor!


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"Com Amor," – Documento 4

Rui,

Estou de volta. Pensei muito antes de escrever-te de novo, sobretudo porque se passou muito tempo. Mais de dois meses. O meu último mail foi uma reacção firme e intempestiva à forma como tinhas terminado o teu com um “Beijo”. Pensei logo que era o teu imparável atrevimento. Depois comecei a pensar que podia tratar-se só da coloquialidade de um beijo naturalmente oferecido, ou mesmo de uma simples forma de terminar um mail. Se foi isso, peço desculpa.

Acho que nós gostámos um do outro, penso até que criámos alguma admiração mútua, mas a partir do momento em que disseste que eu precisava de um homem, tudo se precipitou numa vertigem de agressividade em torno das nossas diferenças. Atrevo-me a escrever-te para que retomemos o processo de conhecimento mútuo, amizade, talvez, pela exploração do que nos une e atrevo-me a dar o primeiro passo.

Rui, de tudo que disseste, houve uma coisa em que estavas certo e preciso reconhecer-to. A minha honestidade e a minha integridade a isso me obrigam. Eu sou, de facto, uma mulher com urgência de amar! O amor é a minha religião, Rui, não tenho outra, não creio noutra. Em tempos, sim… mas isso são histórias antigas. Acontece que Deus abandonou-me, ou então esqueceu-se de mim… e eu tive de reinventar a fé. A minha fé é o amor, Rui. Mas isso não quer dizer que eu precise de um homem.

Espero que respondas.
Verónica.


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O Clã do Comboio – Diversidades

Diversidades

Hoje foi um dia marcado pela diversidade no Clã do Comboio.
Antes de mais, regressou a Estranha e o seu misterioso e lindíssimo porte.
Depois, logo às 7:18, assim que entrámos, um puto pequeno e reguila começou uma conversa daquelas em que vai sempre perguntando “O que é isto?” e “Porquê?” e não deixou ninguém dormir em paz.
Em Santarém, entraram dois dos três amigos que querem salvar o mundo e, pensei eu, iriam acabar com o pouco sossego que já lá ia. Enganei-me. Eles fizeram a parte deles. Falaram alto, meteram-se comigo, atiraram indirectas à Mulher Vampiro. Enfim, um reboliço pegado donde destaco duas tiradas. Primeiro entre o RB e o VM e depois uma provocação que o VM fez ao Escritor.
Vejamos:
RB: Vivemos nas trevas da ignorância.
VM: Eu conheço é as terras do Demo.
E passados uns minutos:
VM: Já leste “A inabalável leveza do ser”?
Escritor: “Insustentável”.
VM: Era só para te ouvir corrigir-me!
Ora, quando a coisa estava a sossegar porque o reportório de conhecimento inútil estava temporariamente esgotado, toca um telefone de um moço que ia ali ao mesmo lado que tinha um toque no mínimo… curioso. Era um riso, à gargalhada, de um cachopo. Então se aquilo tocava muito. Muito e alto!
Às 18:18, a Mulher Vampiro estava com uma roupas inusitadamente claras, brancos e cinzentos leves e, como a essa hora já acordou, vinha faladora e foi por isso que resolveu apresentar-me uma reclamação por usurpação. O facto é que o seu tradicional banco vinha ocupado por um jovem de portátil no colo e phones nos ouvidos. Culpa da CP que ainda lá não colocou a chapinha aqui solicitada.
Enfim, sem ter nada de especial, foi um dia de diversidades no Clã!


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Curtas do Metro – "Sandui-Chita"

“Sandui-Chita”

Não é bem uma curta do Metro. É mais à porta do Metro.
E também não é uma história. É só um apontamento.

Na estação do Cais do Sodré há um pequeno bar, daqueles feitos em materiais pré-fabricados, fica ali na confluência da saída do comboio, do barco e das escadas rolantes do Metro. Conclusão: tem muito boa frequência. Servem cafés, meias-de-leite, galões, bolos, sandes, croissans, chás, enfim, pequenos-almoços e refeições ligeiras. Chama-se “Sandui-Chita“.

Em Lisboa deve haver centenas de pequenos bares destes o que não justifica esta curta do Metro. O que a justifica então? Dois aspectos. A eficiência das senhoras que servem e a extrema simpatia do senhor que está na caixa. Ele é daquelas pessoas que marca a diferença porque faz das pequenas coisas, coisas especiais. Uma pessoa chega ali pouco depois das 8:30 da manhã, pede um café duplo e uma merenda, ele tem dúzias de merendas num tabuleiro, todas quentinhas porque acabadas de fazer, mas é bem capaz de dizer “Sai um café duplo e uma merenda quentinha bem especial para este senhor que está cheio de fome!” E aquela merenda deixa de ser mais uma em vinte e passa a ser a especial merenda quentinha. Tenho reparado que, das pessoas de circunstância, ele vai observando os hábitos de consumo das que lá vão passando mais vezes e quando faz os pedidos invoca a particularidade de cada um. Ora, no meio da turba de milhares de pessoas que chegam, que partem, que passam, nós deixamos de ser mais um e passamos a ser aquele, o tal, o da merenda especial.

Esta atenção e este cuidado merecem uma referência neste cantinho. Porquê? Óbvio. Porque vivemos tempos de impessoalidade e agressividade e no “Sandui-Chita” somos todos especiais e com especial simpatia tratados! Com merendas quentinhas!

jpv


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Curtas do Metro – Separados

Separados

18:01h. Estação do Cais do Sodré na direcção Santa Apolónia.
O Metro está parado fazendo um compasso de espera antes de se pôr em marcha. Está cheio. Não cabe nem mais uma pessoa. Ou melhor, vai caber mais uma. Duas é que não. Chegou um jovem casal de namorados, a rondar os 17, 18 anos. Ele entra, o alarme de fechamento de portas soa, ela não entra, ele estende-lhe a mão, ela estende-lhe a mão, depois encolhe-a, ela não entra, seria difícil, mas não impossível, ele não sai.

E é isto que eu não percebo. Isto e o que se passou a seguir.

Ela acenou-lhe e fez uma cara triste. Ele acenou-lhe e riu-se. Mas, afinal, o tipo estava a rir-se de quê?

jpv


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O Regresso da Estranha

O Regresso da Estranha

Sabes, o teu regresso
Não foi inesperado.
Um homem sabe
Que volta sempre
O sorriso anunciado.
E que trouxesses
Alguma surpresa,
Disso, não tinha a certeza.
Só sabia que vinhas.
E acordaste o que estava
Adormecido.
Um sentimento longínquo,
Mas não perdido.
Uma incerteza, talvez.
Era a natural ânsia
De ver-te sorrir outra vez.
E houve vida em mim.
Cantaram meus anjos,
Dançaram meus demónios
E todos se juntaram
Na comunhão de ti.
Tu, que não me conheces,
Mas a quem eu vi,
Regressaste.
E o teu regresso
Foi meu mudo sucesso.

jpv