Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Perda irreparável

8 comentários

Um dia um jornalista disse que José Saramago não tinha meio-termo nos sentimentos que despertava nas pessoas. Ou se gostava, ou não se gostava. Ou se era um leitor assíduo, ou recusava-se liminarmente a leitura. Eu leio Saramago desde que me conheço. Sempre li e sempre gostei. Antes do Nobel, durante o Nobel e depois do Nobel.

Não é o Nobel que interessa. O que interessa é o extraordinário património cultural, literário e humano que deixa como legado. Cada um fará a sua análise. Uns dirão umas coisas, outros dirão as coisas opostas. A mim, não me interessa nada disso. Fica-me só um sentimento de vazio, de perda irreparável de um homem que me deliciou a mente, me fez sentir mais gente, mais humano. De um homem que retratou a minha condição e a condição do meu povo de forma ímpar.
Estes dias disse a uma pessoa de família “Qual será o próximo livro do Saramago?” Parece que não será nenhum. Li, sem vaidade, só como constatação, todos os seus romances. Tenho um preferido, como toda a gente. É uma espécie de livrinho de revisitações. Chama-se “Levantado do Chão”. E como não haverá um próximo, é chegado o tempo das releituras!
Curiosamente, agora que faleceu, Saramago já está na minha mente, muito acima do chão dos homens. Está no lugar dos visionários, dos solidários, dos homens que estavam à frente dos outros. Perdeu-se um homem e um escritor ímpares. A obra, e ele através dela, perdurará para sempre.
Por ironia, numa fase em que estamos a ser agredidos pela subjugação do pensamento humano à finança e à tecnologia, numa fase em que a visibilidade se assume como um valor mais do que a honestidade e a integridade, parte de nós um símbolo da essência. Um símbolo daquilo por que temos de lutar.
Obrigado, José Saramago. A única coisa que me ocorre dizer-te é que o nosso povo seria um povo mais pobre se não tivesses existido. Resta-nos a sensibilidade e a inteligência para reerguer-te o propósito todos os dias. Assim tenhamos a coragem.
João Paulo Videira
Desconhecida's avatar

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

8 thoughts on “Perda irreparável

  1. Desconhecida's avatar

    Podes, sim. Registei o conselho. Obrigado. João Paulo.

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  2. Desconhecida's avatar

    Lembra, não esqueças e acredita; Ele é ele, só tu, és muito! 🙂

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  3. Desconhecida's avatar

    Ele é ele e tu és tu, desiguais ou talvez nem tanto…. Pensamentos meus valem o que valem para quem valem.
    Continua a tentar como até então,lá chegarás e eu cá estarei para, anonimamente ou talvez nem tanto, aplaudir e deliciar-me com a escrita que é tua e não menos minha e de tantos outros. 😉

    Beijo

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  4. Desconhecida's avatar

    Uma frase simples, mas que diz tanto…. quando ele disse, um dia, a um jornalista que lhe perguntou o que é que ele diria a um jovem que quisesse ser escritor… e ele disse esta frase sábia… “não tenhas pressa… mas não percas tempo…”

    Posso dizer o mesmo a ti João Paulo??

    Tecas

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  5. Desconhecida's avatar

    Grato pela simpatia das palavras. Ainda assim, não comparemos. Ele é ele e eu sou só eu!
    Mas continuo a tentar.
    Beijo anónimo mas simpático.
    João Paulo

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  6. Desconhecida's avatar

    Um dia, ele disse uma frase simples, mas que diz tantoa, a um jornalista que lhe perguntou o que é que ele diria a um jovem que quisesse ser escritor… e ele disse esta frase sábia… “não tenhas pressa… mas não percas tempo…”

    Tecas

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  7. Desconhecida's avatar

    Eu sabia que leria um texto teu sobre Saramago. Ensinaste-me este Homem de escrita fantástica. Fiquei mais rica. É, e será sempre, um orgulho ler/reler este Nobel e não menos a ti! Ele será eterno e tu continuarás a fazer-me lembrar a sua escrita com a tua!

    Beijo

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  8. Desconhecida's avatar

    Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores.(…)
    Basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias(…)

    Saramago, A Jangada de Pedra, 1986

    Tecas.

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