Rotinas – XII
Sexta-feira é dia de limpezas. E o que de mais importante se limpa não é a casa. Aproveita Maria de Lurdes a nuvem de tarefas, das pequeninas às mais significativas, para ir lavando também a alma. É como se cirandassem pela casa duas mulheres. Uma, de corpo envolvido no arredar dos móveis, no limpar do pó, no sacudir dos panos, no varrer e no aspirar dos chãos, no substituir das roupas de cama, no passar de óleo de cedro pelas mobílias, no remover das teias que as aranhas só começaram a formar, no passar pressuroso da esfregona mergulhada em detergente com odor a lavanda pelo chão, no re-arrumar de livros, cêdês, comandos diversos, objectos que perderam o norte ao seu lugar, no posicionar preciso dos bibelôs, no passar do pano cuidadoso por cima das molduras, no substituir de águas no balde, no limpar de restos e marcas pelas mesas e bancadas, no deixar a brilhar como novo o fogão manchado de vapores e gorduras apesar das folhas de alumínio a circundar os bicos, no lavar das janelas a terminar com um pano seco que finalmente elimina as impressões digitais que lá foram ficando. Esta Maria de Lurdes anda de cabelo envolto num lenço, enfiada numa bata colorida com dois bolsos à frente donde pendem dois panos, um para o pó, outro para os vidros. A outra, de pensamento alheado, anda lavando a alma e gosta da sexta-feira porque ela é a catarse do dia anterior que havia sido a catarse da semana inteira. Enquanto limpa e arruma revê as conversas, acerta as ideias e pode distrair-se desse sonho impossível de ser livre e desbocada como Gininha e Hortense e de viver as vidas das pessoas nas revistas.
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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.
Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.
Obrigado pela vossa dedicação.
Setembro de 2013
João Paulo Videira
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25/02/2010 às 18:24
ehhhh lá amiga!!!! adorei a expressão “bem apessoado moçoilo”. A única coisa que posso dizer é que haverá surpresas. De resto lê com atenção a última frase do capítulo!!! beijocas Teresinha. Tudo de bom.
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25/02/2010 às 18:20
Provavelmente a melhor atitude será acabar com estes rituais de limpeza e lavagens. E por isso guardar com unhas e dentes a sujidade que se juntou ao longo dos anos e viveu com “Nós” as nossas estórias é hoje em dia um acto de heroismo e de incredulidade. E sabem porquê? Porque o que está na moda são as abluções rotineiras e “showoffianas”. Mas esperem lá…, as limpezas das sextas-feiras cheiram-me a que nada mudou e a Maria de Lurdes, quer limpe por dentro ou por fora vai ficar na mesma, a não ser que de dentro das lavagens salte um bem apessoado moçoilo que aspire todos os recantos ainda não lavados….
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24/02/2010 às 21:47
Ah é? E porque dizes isso?… conheces-me assim tão bem? hummmm… deves ser mulher… só as mulheres fazem esse tipo de leitura! jp
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24/02/2010 às 21:37
Este capítulo, se o encontrasse por aí, não teria dúvidas de que serias o autor. Tem muito de ti, acho!
:@)
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