Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Da entrevista a Isabel Alçada.

4 comentários

É possível ter uma visão poética sobre todas as coisas? O impulso é dizer que sim. Tudo tem poesia. Mas há obstáculos. Sei lá, assim de repente, onde está a poesia daquele pedacinho de plástico que colocam nas pontas dos atacadores para que se não desfiem? Onde está a poesia do motor de ignição de um carro? Onde está a poesia do composto químico do conteúdo das pilhas? Onde está a poesia de uma entrevista à nova Ministra da Educação?

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Trazias um sorriso inseguro e uma voz trémula, a espaços entrecortada pela força da determinação. Sabias o que querias mas não como querias e por isso o discurso saíu-te confuso. Mas as hostes, excepção feita aos cépticos de sempre, gostaram de ouvir-te. Fizesses o que fizesses, mostrasses as incertezas todas, e todas as dúvidas. Hesitasses, errasses, mesmo, e estaria tudo perdoado por via de um gesto só: colocaste-te ao lado dos injuriados, foste uma de nós. Sem soberba, com simplicidade e até alguma poesia. Atacaste as perguntas e os desafios pela perspectiva abandonada no passado. E veio-te daí a fraqueza e a força também. E olhaste o futuro com brilho nos olhos e um sorriso. Um sorriso. Há quanto tempo não víamos um sorriso.

Sabes, eu estou céptico. Não por ti. Pelos contornos que conheço ao problema. Pelos agentes. Pelas circunstâncias em que vieste a ser quem és. Pelas pedrinhas todas que vão colocar-te na engrenagem. Pelas forças que não controlas, algumas até desconheces. Tão acima de ti! Podem sufocar-te como já me fizeram. Sabes, há moinhos atrás dos moinhos de Quixote e há monstros escondidos na sombra do Adamastor. E há, haverá sempre, a cortina da dúvida pairando entre a tua vontade e a tua autonomia, entre a sinceridade com que te colocaste ao nosso lado e a possibilidade de não ter sido sinceridade nenhuma. Esta mediação não é da tua responsabilidade. É uma herança. Uma herança de desentendimento. Sabes, eu não quero dar-te conselhos. Não sou ninguém nem tenho nada comigo que me autorize a tal. Mas tenho o atrevimento. Simplifica. Não fujas para a frente, não vás atrás da enxurrada da complexificação do que não ganha nada com a complexidade porque tem uma matriz de simplicidade. Ser professor é dar. Dá! Ser professor é dedicar. Dedica! Ser professor é conquistar. Conquista! Ser professor é ceder. Cede! Ser professor é trabalhar. Trabalha! Ser professor é amar. Ama! Concentra-te no cerne, concentra-te no essencial e corta a facadas pujantes e decididas as excrescências, os excessos. Sabes, eu vivo um paradoxo desde que me conheci. Acho que é um paradoxo português. É que sou céptico mas gosto de acreditar. Hoje acreditei.

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Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

4 thoughts on “Da entrevista a Isabel Alçada.

  1. Desconhecida's avatar

    Pois é, Miguel, tens razão. Há mesmo momentos em que os conceitos se mesclam nas práticas das gentes… Gostei de “ver-te” por aqui. João Paulo.

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  2. Desconhecida's avatar

    Caro JPaulo,
    É cada vez mais fina a linha que separa o optimismo da alienação.

    Um abraço.
    Miguel Pinto

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  3. Desconhecida's avatar

    É o que eu digo: trata-se de um paradoxo português. Contudo, nós, educadores, estamos ávidos de acreditar. Percebe-se. Percebemos. Grato pela participação. João Paulo.

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  4. Desconhecida's avatar

    Caro João Paulo
    Esta ministra existe mesmo!!!Será que foi a Senhora que tive oportunidade de ver no primeiro canal??? De poético, pouco vi. Mas talvez vislumbrasse algum romantismo idílico na força da determinação com que anunciou ter esperança de chegar a entendimentos. Faço parte dos cépticos, é verdade, embora sofra também desta necessidade de acreditar. A ver vamos!

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