Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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“ Carta para o meu mano “

[A minha mana nasceu em 1972, logo, como aqui confessa ter trinta anos, esta resposta data de 2002 quando se publicavam os “Mails para a minha irmã” no jornal. Hoje, a mana já tem trinta e sete e, claro, está cada vez mais bonita. Deixo aqui a sua reacção escrita aos “Mails”. A publicação está autorizada, claro.]
“ Carta para o meu mano “
“ Mails para a minha irmã”. Nem imaginas como estas palavras ecoaram nos meus ouvidos, como o meu coração se encheu de orgulho quando me anunciaste que ias dar`as tuas crónicas o título “ Mails para a minha irmã”. Não importa que os outros não saibam quem é a irmã ou mesmo se ela existe ou não. Eu sei que são para mim , que foi a pensar em mim que resolveste partilhar algumas das tuas mais caras recordações, os teus pensamentos mais íntimos, as tuas reflexões e preocupações. É como se existisse um cordão umbilical entre nós, um pacto selado que nada nem ninguém pode quebrar. É um amor, uma cumplicidade eternas. Não sei se é assim que tu sentes mas apesar dos meus trinta anos continuo a sentir-me como aquela menina de dois anos a quem tu seguras o queixo com uma mão e com a outra apertas firme mas suavemente a minha.. Não sei se te recordas dessa fotografia tirada há muitos anos algures em África .

Mas voltemos às crónicas. Cada vez que recebo uma nova fico com a garganta apertada e mal começo a ler os meus olhos enchem-se de lágrimas, mesmo sem saber ainda muito bem sobre o que escolheste escrever. É que a emoção é maior e mesmo que por vezes não partilhe de algumas das tuas memórias, bebo cada uma das tuas palavras, guardo-as no meu coração, penso em todas as pessoas que também as lêem e apetece-me gritar bem alto : “ Estas palavras são para mim !”

Beijo,
Mana


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A Nova Era de "Mails para a minha Irmã"

Nota: a foto tua que acompanha este texto é, propositadamente, a mais recente que tenho.

Querida mana,

incentivado por alguns amigos, de que destaco a Teresa, decidi republicar aqui todos os mails que te tinha escrito, enviado e publicado no “O Entroncamento”. Cumpri essa função e ainda se acrescentaram dois ou três originais. Ontem, a tarefa chegou ao fim e pensei seriamente se valeria a pena continuar. Se haveria temas. Se seria um projecto que me entusiasmasse. A verdade é que há poucas coisas que me entusiasmem mais do que escrever-te. A verdade é que haverá temas enquanto houver vida. A verdade é que a questão foi sempre falsa porque nunca quis fechar este blogue. De certa forma, não é ele que vive de mim, sou eu que vivo dele!

Não me comprometo com nenhuma periodicidade. Não me comprometo com nenhuma temática. Comprometo-me, só, a partilhar contigo, à medida que a vida for pedindo, as minhas memórias, as minhas reflexões, as críticas, os elogios… tudo o que vida me suscitar e eu considerar que valha o esforço de alinhavar umas quantas carreirinhas de palavras.

Tudo isto vive de um paradoxo: ser profundamente autobiográfico e, por isso, pessoal e, simultaneamente, ser público.

Haverá, inevitalmente, uma mise en place de realidade, ficção, caras, máscaras, provocações, ironias, genuinidade… enfim, uma mistura explosiva de ingredientes que tornam a vida interessante para além da fluência inevitável do tempo…

Se quiseres, posto em linguagem de manos, quero que a minha escrita envelheça contigo. Mereces isso e tudo o resto…

Farei uma inovação: vou colocar aqui ao lado um dispositivo onde os leitores deste cantinho (que estão a aumentar!!!) possam sugerir temas de escrita…

Hoje, quis só marcar o dia em que começamos a escrever a escrita do presente. Não são já republicações contextualizadas: são a vida ou… a baba dela.

Beijo amigo,
Mano.


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As páginas do fim…

[“As páginas do fim” foi o último texto da série “Mails para a minha Irmã” publicado no Jornal “O Entroncamento”. Aquele jornal viu-lhe cortados os portes pagos, por isso, fechou. Foram publicadas, quinzenalmete, 50 crónicas, com algumas intermitências, entre Novembro de 2002 e Julho de 2005. Todo o trabalho no “O Entroncamento” era voluntário e gratuito. Da equipa recordo o Padre Borga, o casal Barata, eternos amigos meus e de toda a cidade, os colaboradores e, sobretudo, a grande entusiasta e suporte de toda a equipa, a estudante do ensino secundário que fazia a montagem e edição: Ana Geraldes. Tanto quanto sei a Ana formou-se mesmo em Jornalismo e a última vez que a vi foi na televisão, numa reportagem de rua, com o microfone da SIC na mão. Prova de que no “O Entroncamento” se forjou algo mais do que a singeleza dos nossos textos.

Este blogue prente dar continuidade a essa escrita porque a escrita nunca acaba!

[Data da primeira publicação: 1 de Julho de 2005]

As páginas do fim…

Querida mana,
Há já algum tempo que te venho escrevendo páginas de memórias soltas e anárquicas de quem oficia a escrita como um culto. O culto da memória, o culto da ficção enredada em sentimentos de verdade, o culto de uma verdade minha e tua que não é, forçosamente, a de todos. E fui construindo teias e ideias onde os factos daquelas se revelaram bem menos importantes que as implicações destas. E por aqui andei brincando às escondidas com o passado e o presente, com a realidade e a ficção. Mediou-nos o sentir este jornal de verdade que é “O Entroncamento”. Hoje, contudo, a realidade veio intrometer-se nas minhas reflexões de brincar com as ideias e fê-lo pesada e definitiva. Recebi um telefonema onde me anunciaram ser esta a última edição, serem estas as páginas do fim. Entristeci-me. Há algum tempo para cá vinha dizendo que o “nosso jornal” estava crescendo, ficando mais denso. Era o reflexo de um processo assente na dádiva, na partilha, no aproveitar das potencialidades que cada um oferecia como quem mata a sede a quem lhe pede água. Aqui se viu a terra, aqui se conheceram as pessoas, aqui estiveram as ideias, por aqui passaram as reflexões e foi crescendo um espaço na cidade, no coração de quem nos lia, foi crescendo o lugar de “O Entroncamento”.

Sem pretensiosismos, sem ambições maiores que não fossem as de partilhar, divulgar e criar um espaço de interesse pelas ruas à volta da ferrovia…
As razões não são o mais importante. São coisas pequenas à imagem da humana pequenez. São coisas de homens enredados pelas suas próprias leis, cansados dos seus próprios gestos… são coisas de dinheiros e portes e prosaísmos que atropelam o que de melhor aqui havia: ideias, rigor, vontade, entrega… perece tudo isto, perece um espaço de reflexão e dedicação às mãos de umas leis, de umas deliberações, de uns entendimentos difíceis de entender… lembro-me das palavras de um escritor português do início do século vinte que rezavam, com pouca margem de erro, mais ou menos assim: Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa(…)
Não decorre das minhas palavras qualquer intenção ofensiva de quem triunfa senão a constatação da nobreza de uma morte como acto último de libertação. É que podem ser estas as páginas do fim, mas serão também páginas que hão-de permanecer na memória de quantos as escreveram, as orientaram e, claro, de quantos as leram com carinho, com entusiasmo ou, tão só, com reconhecimento… pode terminar aqui o nosso caminho mas termina um caminho trilhado com dignidade, com o mais puro jornalismo à face da terra: aquele que é feito da entrega, da dádiva, sem qualquer outro interesse que não o de manter viva a chama de chegar junto de alguém com alguma luz, com uma palavra a despertar interesse, a despertar um olhar curioso, a inquietar uma alma sossegada!
Do pouco que a vida me ensinou, do pouco que aprendi, do pouco que sei do Homem, ainda retiro para mim que estes jornalistas hão-de continuar a reflectir, a inquietar-se e a inquietar, hão-de continuar a semear palavras de ideias em campos de mentes que as queiram fecundar. Do pouco que sei, ainda sei que valeu a pena ter conhecido a maravilhosa equipa deste jornal que me apoiou e entusiasmou e impeliu a trazer à luz do dia, em letras de vida, os “mails para a minha irmã”. A todos eles deixo um sentido e profundo abraço de gratidão.
Quanto a nós, mana, encontramo-nos na primeira esquina da vida, no primeiro mail que acontecer… a musa continua desse lado e deste continua a mente ávida de dedos ávidos de teclado ávido de monitor ávido de um cursor que ali pisca, inquieto, à espera do próximo mail para minha irmã…

Beijo
Mano


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A crise…

[Este foi um mês negro para Portugal, de facto, em junho de 2005 morreram o poeta Eugénio de Andrade, o político e histórico dirigente do PCP, Álvaro Cunhal e ainda o neurologista Mário Corino da Costa de Andrade. É assinado o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre Portugal e Polónia. O casal britânico Percy e Florence Arrowsmith comemora 80 anos de casamento. Explosão de bomba em frente ao Ministério do Trabalho em Atenas. Os alpinistas Waldemar Niclevicz e Irivan Gustavo Burda chegam ao topo do Everest. Israel liberta 398 detidos palestinos. Neste mês Bagdad é varrida por uma série de atentados bombistas. Emerge na sociedade portuguesa e internacional o espectro da crise económica.

[Data da primeira publicação: 17 de Junho de 2005]

A crise…

Querida mana,

Lembro-me com clareza de certas tardes em família de tremoços pelas mesas, frescuras de cerveja, petiscos diversos, olhos a sorrir numa varanda salpicada de cravos que a avó Ana punha e cuidava com o sucesso de uma receita de carinho e atenção. Lembro-me do pai em calções cinzentos, as pernas alvas de pouco sol e o avô em figura semelhante trocando ambos palavras semelhantes de pensamentos semelhantes… o quadro é luminoso e projecta-me para momentos ímpares de uma infância bafejada pela família. E lembro-me de como um e outro, não fosse o mulherio ou a criançada julgar que aquele estado de coisas, aquele hedonismo de brisas a cortar o calor de um fim-de-semana diferente, tinha vindo para ficar além dos dois dias que intervalavam a sexta e a segunda-feira, afirmarem, de repente, em tom grave como quem avisa:
– Mas isto está mau senhor João!
– Pois está senhor Videira, mas o pior não vai ser para nós que estamos velhos, o pior há-de ser para os nossos filhos, e para os nossos netos.
Era o momento do fim-de-semana em que descia sobre as nossas cabeças a sentença pesada de um futuro negro assim ao jeito de um Nostradamus a anunciar, segundo os entendidos, o fim do mundo para 1987. O mesmo fim do mundo de Orwell em 1984 e que algumas correntes do pessimismo humano garantiram seria em 2000… pois os anos já passaram, já cá não estão e o mundo cá continua na sua serenidade milenar a ver desmoronarem-se os apocalipses que construímos.

Vim a este assunto porque, segundo os jornais e a rádio e a televisão portugueses, também este nosso jardim de beira-mar está à perto do seu fim de mundo privado… as previsões mostram-nos já debaixo de pontes pedindo esmola uns aos outros, famélicos e desempregados, sem reformas, falidos, sem capacidade de reacção perante o monstro que definha a figura de Adamastor: a Crise!
Grande é ela e feia. E ameaçadora. De proporções terríveis. E virá ou já cá está para devorar os pequenitos, indefesos e incapazes nautas deste quotidiano banhado pelo mar e pelo sol…

Ora, sem preciosismos nem pretensões olhemos a bestial investida do monstro assim de relance que nos não atrevemos a deitar-lhe um olhar frontal não vá ele cegar-nos…

Socialmente somos uma miséria. Acolhemos gente de todas as raças, integramo-los a todos, recebemo-los de braços abertos e tolerantes e inserimo-los no nosso quotidiano partilhando o trabalho, a amizade, a habitação e os dispositivos e equipamentos sociais. Somos uma lástima de povo que espalha pelos cantos todos da terra que, neste caso, são bem mais que quatro, uma língua a ser reconhecida, um povo a ser respeitado… outra lástima social que por aqui paira é termos a funcionar sistemas públicos de saúde, educação, justiça, segurança e apoio social… uma lástima este país!!!

Educativa, cultural e desportivamente ainda vamos pior… há pouco tempo um desses organismos mundiais que serve para medir coisas dificilmente mensuráveis colocava-nos em quinto nesta terra pequena e redonda no domínio das capacidades matemáticas. A próxima expedição a Marte será comandada por um português. Português é o melhor treinador de futebol do mundo. Bem como são internacionalmente reconhecidos os nossos méritos literários e nas ciências médicas que falam por estas os recentes prémios e reconhecimentos, por exemplo, da academia Nobel e da academia de Oxford… somos tão maus que fomos os únicos até hoje a conseguir um sistema automático de cobrança de portagens… e a falta de formação deste povo. É um povo tão mal formado, mas tão mal formado, que tem uma das maiores taxas de desempregados licenciados. É assim um desemprego de luxo! Qualificado!

Politicamente somos outra desgraça pegada. Vai-se a ver e é por sermos essa desgraça pegada que o presidente da EU é português como é português um dos mais altos-comissários da ONU.

Religiosamente este país está perdido. Bento XVI levou menos de quinze dias de papado até se expressar em português e albergamos, neste pequeno rectângulo banhado de areias e mar, templos e gentes de todos os credos, bem, quase todos!

Mas é na economia que isto vai mal… mesmo muito mal. Repara, mana, temos um dos melhores e mais actualizados parques automóveis da Europa. Todos os anos esgotamos a quota de importação de veículos. Construímos os maiores centros comerciais da Europa que, entretanto, estão sempre à pinha. As filas nas caixas dos supermercados crescem, não temos população suficiente para preencher toda a habitação que construímos e não podemos colocar mais pontos de pagamento de portagens porque já temos a maior quota europeia de construção de auto-estradas!

Eu sei, mana, eu sei, que isto não está bom. Ou, como dizia o pai, isto está mau, está muito mau, mas, às vezes, apanho-me numa esquina do raciocínio a pensar de mim para comigo se não há para aí alguém a quem interesse que isto pareça muito pior do que realmente está, assim como o pai fazia com o avô à frente duma cervejinha e duns tremocinhos…

Beijo
Mano


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Os anjinhos todos…

[Portugal desiste de referendo sobre a legalização do aborto. Morte do desenhista português Eduardo Teixeira Coelho. Coreia do Norte testa míssil (atinge o Mar do Japão). Casamento da atriz Renée Zellweger com o cantor Kenny Chesney. Acordo sobre Cooperação Econômica e Comercial entre Angola e Argentina. Tony Blair anuncia formação de seu novo governo.

[Data da primeira publicação: 27 de Maio de 2005]

Os anjinhos todos…

Querida mana,

O dia estava quente.
No céu havia aquele espraiar de nuvens que se vão alongando em tons de encarnado aqui mais ao pé a fugir para uma multidão de laranjas à medida que a distância se alonga.
Para mim, fora um dia normal de escola mais almoço mais escola mais brincadeira mais voltar a casa com os sonhos todos na alma, com os projectos todos na algibeira.
Nada previra que haveria Natal nesse dia. Nada previra neste meu mundo de criança a viver cada dia como se nele estivesse a vida toda que os anjos e os santos e a santíssima trindade e os olhares felizes, e os preocupados, e os suores na testa, e os “vai correr tudo bem”, estivessem todos à minha porta por volta das 19:30 quando regressei das minhas aventuras, das batalhas, das futeboladas e da escola, a outra, a dos cadernos!
Olharam-me todos como se tivessem algo de extraordinário a revelar. E tinham! E nesse momento o quadro deve ter sido o normal. Uns quantos adultos a baixarem-se à minha altura, curvando-se, de mão nos joelhos, com palavras doces e miraculosas a anunciar o milagre. Na minha memória nunca foi um quadro normal. Não sei porquê, vejo sempre os adultos dirigindo-se a mim envoltos numa aura branca e diáfana como se não fossem deste mundo, como se o que estivessem para dizer não fosse deste mundo também. E tento lembrar-me deles sem esta névoa cintilante mas não consigo. Tento rasgar no pensamento uma porta para a normalidade mas o milagre não sai de lá.
Vem até mim o senhor Sá, santo da bonomia e da compreensão. Vem até mim a D. Emília, santa da diversão e do riso. Vem até mim o pai, santo do amparo e da força. Vem até mim o avô, santo da partilha e da conquista. Vem até mim a avó, santa de todos os santos, de todas as coisas boas. E vêm até mim mais uns quantos santos periféricos que se despegam, já, da imagem recordada. E em coro cantam na voz que os santos têm quando anunciam milagres: ó Paulinho, anda cá, vem ver, tens uma maninha nova!
A expressão é discutível. Primeiro porque eu não tinha nenhuma mana velha, de facto não tinha nenhuma mana, depois porque quando se tem uma mana que se não tinha antes ela há-de ser nova forçosamente. Mas as palavras continham em si a intenção anunciadora de um novo estado de coisas. De um novo mundo. De uma nova configuração dos espaços, de uma nova gestão dos tempos, de uma nova presença na minha vida, de um surgir novo e miraculoso de emoções e sentimentos nunca antes experimentados. O que mais me impressionou, ao longo dos anos, no dia em tu nasceste, mana, é que eu nasci também. É que o depois de ti apagou o antes de ti. É que a minha vida recomeçou depois de ti e assim viria a ficar até ao dia em que fui pai…
Lá subi as escadas e, dentro de casa, a aura era agora dourada. Tudo brilhava. Havia sussurros femininos, mulheres que passavam apressadas e pressurosas no ofício de dar vida à vida. E vi-te. Vi-te juntinho à mãe. Gordinha, cor-de-rosa, linda de viver. Eras frágil e não sabias fazer nada senão respirar e mamar e, contudo, já tinhas tido a força de juntar à tua volta meia cidade.
Completou-se-me na alma o quadro dos santos. Maria e o menino Jesus afinal também tinham vindo à festa do Natal… é engraçado, e agora to confesso, como me não interessou para nada, na altura, se eras menino ou menina… eras o teu espaço no meu peito e isso bastava-me. Que chã ficou a filosofia nesse dia. Resumia-se a olhar o céu da janela do meu quarto e ver o mundo como o nunca tinha visto antes: pelos olhos da fraternidade e da partilha! São José foi desalojado do seu quarto e da sua cama não fosse ele magoar a menina durante a noite. E por isso se deitou comigo. Cama pequena para dois peitos inchados de vida e orgulho. E quando adormecemos, eu agarrado a ele e ele com os pés de fora, tínhamos um mundo novo na mão. Um amor novo no coração. E ele disse de mansinho:

– Tens uma mana nova, tens de a tratar com cuidadinho!
– Está bem papá!

E o mundo renasceu. E a vida recomeçou… no dia em que tu nasceste!

Beijo
Mano


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Sondagem: Demasiado tempo na escola?

[Esta é a primeira publicação deste texto: 14 de Outubro de 2009.]

As crianças passam demasiado tempo na escola
Olá mana,

li uma pequena notcícia que mora em http://www.ionline.pt/conteudo/26981-as-criancas-passam-demasiado-tempo-na-escola acerca de um estudo que defende a ideia interessante de que as crianças passam demasiado tempo na escola. Como a questão não é simples, coloquei uma sondagem aqui ao lado com uma pergunta directa e duas respostas fechadas só para ver, no universo dos leitores deste cantinho, para que lado pende a balança. Até domingo, pelas 23 horas podemos todos responder.

Ainda assim, eu penso que a questão mais importante não é se elas lá passam muito ou pouco tempo mas se estamos a fazer tudo o que é possível para que esse seja um tempo de qualidade. O estudo é interessante e surge a sua divulgação num momento crucial uma vez que se discute se a escola deve estar, ou não, aberta a tempo inteiro.

Como sabes, sou um saudosista e acredito que os nossos miúdos são demasiado vigiados, têm demasiadas resopnsabilidades, vivem demasiados problemas, são forçados a um perfil adulto desde muito cedo. Têm telemóveis precocemente, motos e carros precocemente e precocemente partilham das ventura e desventuras financeiras das famílias com que vivem. Hoje, deixa-se de ser criança muito cedo. Tinha-se a ideia de que isso acontecia no tempo de Salazar mas sendo verdade que havia uma inequívoca exploração do trabalho infantil, não é menos verdade que se brincava e corria e saltava e andava pelos campos e não se era interrompido pelo timbre metálico do telemóvel.
Crescemos muito de lá para cá. E, efectivamente, tratamos melhor as nossas crianças e protegemo-las mais. Eu só pergunto se as não estamos a tratar bem demais, a proteger demasiado? Desnecessariamente. E pergunto se a escola deve ser um repositório de crianças durante o horário de trabalho dos pais, ou se deve constituir um local onde vamos com gosto e alegria aprender as maravilhas do mundo… Ora, acontece que, dificilmente, alguém faz com gosto e alegria algo que é forçado a fazer das 8h às 17h, dia atrás de dia.

Ficam as achas. Espero que os leitores de “Mails para a minha Irmã” alimentem a fogueira! Espero que votem e comentem aqui neste post. E espero que estejam em desacordo!!! A ver se aprendemos com todos, bem entendido.

Beijo,
mano.


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Camisa branca, gravata preta

[Portugal desiste de referendo sobre a legalização do aborto. Morte do desenhista português Eduardo Teixeira Coelho. Coreia do Norte testa míssil (atinge o Mar do Japão). Casamento da atriz Renée Zellweger com o cantor Kenny Chesney. Acordo sobre Cooperação Econômica e Comercial entre Angola e Argentina. Tony Blair anuncia formação de seu novo governo.

[Data da primeira publicação: 6 de Maio de 2005]

Camisa branca, gravata preta

Querida mana,

Um destes dias, via correr na televisão a vida dos outros, em torno dos problemas dos outros, à volta das circunstâncias dos outros e ocorreu-me, a propósito do dito filme, que as famílias fazem movimentos elípticos em torno dos sóis que possuem. Seja porque há elementos mais aglutinadores de atenções, seja porque os há com mais capacidade de investimento ou, simplesmente, porque têm mais disponibilidade, o certo é que parecem ter, certos tios, certos pais, certos avós, certos primos, a capacidade de juntar os outros todos à sua volta. Tirando isto, tais movimentos vão-se regendo pelas situações inevitáveis: aquelas em que se brinda a vida com vida e aquelas em que nos curvamos perante a finalidade momentânea da morte, com respeito.

Emergiam do ecrã os tons brancos e alegres dos casamentos, dos baptizados, dos natais, das festas de anos e emergiam, pesados e graves, os tons cinzentos das marchas fúnebres que carregam o corpo de uns e as lágrimas dos outros. Mostrava a fita, como me lembro de ver na nossa família, camisas brancas e gravatas pretas a dominar o que se via e o que se sentia. Ainda me lembro, nestas ocasiões mais tristes, da mãe a ajeitar o nó da gravata ao pai como se fosse ela o seu primeiro, último, e mais fiel espelho. A gravata nascera para aquilo. Só fazia funerais e o pai, assim preta, só tinha aquela como que anunciando à vida que não há que dar muito espaço de manobra à morte. Os momentos ficavam-se por isto. Marcados pelo branco das camisas em pano de fundo ao negro das gravatas e o mais que se sentia devia estar daquelas cores, devia ser sentido na triste harmonia entre o que vai lá dentro e o que se passa cá fora.

Um dia destes, por infortúnio, fui a um funeral. Daqueles a que vamos por obrigação e respeito mas em que o cinzento nos não tolda muito. É uma perda. É uma tristeza. Mas não é uma mágoa profunda. Essa fica para os entes queridos assim nomeados nas coroas de flores. E vi, com outra tristeza, uma tristeza mais moral que funérea, a passerelle de cores alegres e primaveris que desfilou diante dos meus olhos. E eu, ali quieto, de camisa branca e gravata preta, senti-me demodé, desenquadrado e senti que o que se sentia não estava cinzento. Penso, mana, que quando se vai a um funeral não se pode ir como se vai ao cinema ou a um casamento. Não me preocupou tanto o aparato alegre das cores. Preocupou-me mais o que estava a nascer por debaixo delas. Será mana, que quem não respeita a morte consegue ainda respeitar a vida? Será que, como as estações do ano, andamos a inverter o sol do sorriso com as lágrimas do choro?

Eu fiquei demodé, como o nosso pai, de camisa branca e gravata preta. Nestas coisas que se sentem por dentro e se vêem por fora vou ficar sempre demodé.

Beijo
Mano


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Um homem mais perto de Deus

[Luís Marques Mendes é eleito presidente do PSD no XXVII Congresso Nacional do partido. O Vaticano nega os rumores sobre a morte do Papa João Paulo II. Autoridades espanholas prendem 13 suspeitos de participação dos atentados de 11/03/2004. Morte do Papa João Paulo II (Karol Wojtyla). O tenista suíço Roger Federer vence o espanhol Rafael Nadal e conquista o Masters Series de Miami.

[Data da primeira publicação: 15 de Abril de 2005]

Um homem mais perto de Deus

Querida mana,

Não te dizia eu, ainda há pouco, que as palavras nos fogem? Não te dizia eu que ando para escrever-te acerca do dia em que nasceste? Ainda não é desta que a vida me abre uma brecha para além das intenções. Foi para mim um dia extraordinário que muitas vezes recordo devagarinho como que a querer demorar-me nos pormenores. Desta vez, contudo, preciso falar-te desse homem que nos deixa e, se conseguir, falar-te um pouquinho do que nos deixa. Como sabes, todas as pessoas e, por conseguinte, todas as famílias, têm, por entre a narrativa do quotidiano, emprego, viagens, férias, trabalhos que se aceitam, trabalhos que se deixam, opções, riscos, dissabores, conquistas, têm, dizia eu, uma história religiosa. Uma história de opções espirituais. Há as famílias mais crentes, as menos crentes, as mais participativas, as menos participativas, as mais normativas e as mais rebeldes. Independentemente das opções individuais e familiares, independentemente, mesmo, do credo de cada um, João Paulo II marcou uma geração de pessoas que se habituou a olhar a Igreja Católica e até o Cristianismo pelos olhos do Santo Padre. Não há pessoas indiferentes a este Papa. Pode ser uma velhinha aqui da Zibreira, católica como lhe ensinaram e depois ensinou também, pode ser um chefe de estado muçulmano, pode ser um jovem indu professo, mas, se for humano, há-de reconhecer com a naturalidade com que se reconhece que a água é água, que o pão é pão, que o ar é ar, que as montanhas são as montanhas, e os pássaros, e as flores, e o amor, e o verde, e a vida, há-de reconhecer com a naturalidade de aceitar sem discutir que este homem foi tão homem que ficou mais perto de Deus. João Paulo II conseguiu o mais difícil. Não se refugiou no silêncio. Não se escondeu nos extremismos injustificados. Assumiu todos os assuntos do Homem como assuntos da sua Igreja, enfrentou todos os problemas e conseguiu fazê-lo sem ofender, sem magoar, sem impor. Foi um homem francamente arrojado, arrojadamente moderno. E percebo-lhe, agora que os anos passaram, a estratégia. Uma estratégia de humildade e serenidade. Uma estratégia que consistiu em ouvir os que sofriam, em escutar os que se lhe dirigiam, em dirigir-se aos que pediam a sua presença, uma estratégia de clara aproximação ao Homem. Uma negação, quase até ao incompreensível, da indiferença que corrói e corrompe as relações entre os homens. Este foi o Papa que reconheceu a verdade de Galileu, este foi o Papa que se deslocou ao berço de Cristo e pediu perdão pelas perseguições. Este foi o Papa que fechou os ouvidos às palavras dos conselheiros e se deslocou aos locais mais adversos para ouvir, para amparar e, claro, para levar a Palavra. João Paulo II, mana, esteve tão perto do seu semelhante que conseguiu ver-lhe a face sulcada pelo sofrimento, as mãos cansadas do trabalho, os olhos iluminados pela alegria. Esteve tão perto do seu semelhante que fez disso a sua própria ascese sem que reparasse nisso. Este Papa, este nosso Papa, fazia parte de nós, das nossas famílias. Agiu sempre como todos os homens deveriam: com serenidade, compreensão e capacidade de estar no lugar dos outros. Julgo, mana, que te escrevo hoje sobre o Papa por que há nele algo que me deixa profundamente esperançado em relação a nós, mortais comuns e humanos: é que residiu a sua ascese, residiu a sua reconhecida e unanimemente aclamada santidade numa inequívoca e profunda aposta na humanidade. Foi por assumir-se homem e próximo, sempre muito próximo do Homem, que este Papa se distinguiu dos outros homens. Sem querer cair em raciocínios de carácter teológico arriscado, eu diria que este Papa nos elevou a todos como humanos. Eu diria que, com a sua vida e as suas opções, João Paulo II fez de nós todos pessoas um pouco melhores. Esteve acima dos critérios, das discussões, das indignidades, esteve acima de tudo isto porque se baixou para olhar o seu semelhante nos olhos e dizer-lhe “Não tenhas medo!”

Beijo,
Mano.


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Não há não tenho tempo

[Luís Marques Mendes é eleito presidente do PSD no XXVII Congresso Nacional do partido. O Vaticano nega os rumores sobre a morte do Papa João Paulo II. Autoridades espanholas prendem 13 suspeitos de participação dos atentados de 11/03/2004. Morte do Papa João Paulo II (Karol Wojtyla). O tenista suíço Roger Federer vence o espanhol Rafael Nadal e conquista o Masters Series de Miami.

[Data da primeira publicação: 1 de Abril de 2005]

Não há não tenho tempo
Querida mana,

Muitas vezes te tenho escrito e muitas vezes as palavras me fogem ao controlo de autor e acabam expressando o que pensam sobre o Tempo. Autoritário, apago os parágrafos, silencio as palavras e as ideias delas em impulsos de autoridade autoral e lhes digo que não é aquele o caminho, que não são minhas aquelas ideias mas sim delas, palavras libertinas e insubmissas. Retomo a escrita e o carreiro das ideias nasce na minha poltrona de autor para depressa se rebelar, tomar vida própria e seguir um caudal que há-de levar qualquer coisa de mim mas que não sou eu em exclusivo. É por isso que muitas vezes te quero escrever sobre o pai, sobre a mãe, sobre coisas inúmeras da nossa infância e acabo, perdido, de volta do Tempo. Não sei já, mana, quantas foram as vezes que comecei escrevendo sobre o dia em que nasceste, sei só que foram as mesmas que terminei por não fazê-lo. São incómodas e incomodativas, as palavras, quando se rebelam e insurgem contra a vontade tão pouco soberana de quem julga comandá-las. Hoje fiz este exercício de raciocínio: conversei com as minhas palavras que começaram por dizer-me que não eram minhas. Não chegámos a acordo. Somente a breves cedências mútuas. E perguntei-lhes de que queriam falar-te. Que coisas queriam dizer-te. Que mas dissessem já e evitaríamos tempos perdidos em batalhas inúteis que as ditas sempre levam de vencida.

E sussurraram-me coisas do Tempo. O tempo de fazer. O tempo de ir. O tempo de voltar. O tempo de recordar. Ter tempo. Não ter tempo. Arranjar tempo para. Inventar tempo. Precisar de tempo num tempo único e breve que se não tem e se não gasta porque se não tem. Um tempo frágil para quem quer fazer o mundo e tê-lo na mão. E disseram-me, estas palavras insubmissas, que não há tempo senão o de estar. Que se não rouba nem cria nem desperdiça nem dá nem tira o que não está na nossa mão senão para estar.

Fiquei-me a dar razão às palavras e a pensar quantas vezes, vezes demais, já disse de mim para comigo “não tenho tempo”. Um dia destes visitaste-me e estivemos por aqui entretidos vendo cassetes de quando o meu filho mal se tinha nos pés, de quando estendia os braços ainda para amparar-se, de quando os meus compromissos se resumiam a pouco mais do que olhar por ele, de quando lhe nunca dizia “não tenho tempo”. A simplicidade dos dias de então emergiu grandiosa nas pequenas coisas que me contentavam e reparei que me contentava com olhá-lo como se estivesse sorvendo e cristalizando o Tempo, me contentava com atirar-lhe a bola ao ar para ficarmos os dois, lado a lado, vendo-a cair. E pensei: “houve um dia em que tive tempo para ver cair uma bola dos céus com a mesma ânsia e expectativa que o meu pequeno companheiro de entretém.”
Não há “não tenho tempo”, mana. Há só estarmos. Há só o que fazemos com Ele. E criei uma brecha nos compromissos. Criei uma falha nos assuntos inadiáveis. Criei um buraco negro na ausência e fiz tempo e fiz vida e fiz partilha e tive na mão o que pensava me havia escapado: o Tempo. Um destes dias, mana, cortei os cordões com o inadiável e adiei-o. Um destes dias, dei importância ao importante e corri por um pinhal adentro com uma bola na mão que chutei para os céus com quanta força tinha. Depois, sentei-me junto do meu filho e fiquei vendo-a cair…

Beijo,
Mano


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Amor em mangas de camisa

[José Sócrates assume o cargo de primeiro-ministro de Portugal. Pedro Miguel Santana Lopes assume a Presidência da Câmara Municipal de Lisboa. O primeiro-ministro José Sócrates (Portugal) apresenta programa de governo. Portugal ratifica a European Landscape Convention.

[Data da primeira publicação: 18 de Março de 2005]

Amor em mangas de camisa

Querida mana,

Acordem os dias com sol radioso a inventar aventuras de vida na alma dos mortais, nasçam eles com a neblina que nunca mais traz o rei de volta, nasçam frios a exigir roupas de tolher os movimentos, nasçam quentes a prometer ao corpo liberdades de exprimir-se, a verdade é que têm de nascer sempre e com eles nascemos nós, repetidamente, para mais uma corrida de viver. Gosto de pensar que o gesto simples de acordar, pouco alvo de reflexões muito aturadas, é como que um renascer constante da nossa alma, um reavivar das nossas esperanças, um pensar que temos mais esta oportunidade. Daí que tenhamos, ao longo dos séculos, instaurado pequenos, despercebidos, mas importantíssimos rituais. Ele é o fazer da barba, para quem a faz, bem entendido, ele é o lavar de mãos e caras, ele é o acertar dos cabelos onde pensamos ficam melhor, o puxar das calças para cima, primeiro uma perna, depois a outra, meias, sapatos, o enfiar das mangas da camisa, depois os botões, um a um, pulseiras, batons e mais uns quantos produtos que não sei nomear, relógio, mais recentemente as modernidades exigem, também, o verificar de baterias de telemóvel, um toque de perfume, um creme para as mãos, uma última olhadela no espelho apurando a aspecto geral, um pelo que se tira do casaco, um toque de graxa neste sapato e saímos de peito feito para as alegrias e para os aborrecimentos a enfrentar enquanto a nossa terra dá mais uma voltinha do seu perpétuo movimento rotativo. Lá diziam os antigos que a vida é uma roda, e vê tu como acertavam, mesmo sem grandes ciências nem telescópios gigantescos a atestar uma verdade sentida que não racionalizada. Estes rituais variam de acordo com cada ser que cada ser é um universo. Contudo, gosto de pensar nestes pequenos gestos com a admiração de quem presencia um milagre. O milagre da renovação. São gestos que se unem em torno de si mesmos e gritam pelas janelas e pelas portas das casas:

– Este está pronto!
– Este está lavado e arranjado!
– Esta está penteada e maquilhada!
– Este vai sair agora para o trabalho!
– Esta vai para uma reunião importante!
– Este vai fazer uma corrida de manutenção!
– Este vai levar as crianças ao jardim-de-infância!
– Esta está pronta para ganhar!
– Este preparou-se para perder!
– Este vai odiar!
– Este Vai amar!

E o curso dos dias confirma ou desmente a intenção do primeiro passo que damos ao sair da porta mas há algo de comum a toda a Humanidade, todos os dias: acordar para a vida, renascer para o mundo, prepararmo-nos para mais uma voltinha no carrossel da terra!

Tanto quanto me lembro, a nossa casa, chamando casa à casa e às coisas e às pessoas e aos actos e aos gestos e aos sentimentos que a habitavam, não era muito diferente das outras. Despertadores, olhos ensonados, a mãe a despertar toda a gente, o pai e o seu ritual de barba feita, sempre, “são só dois minutos”, leite a ferver púcaro a fora que ainda não tinham acordado os micro-ondas, pão, qualquer coisa nele, mas, acima de tudo, a marcar-me a memória a fogo-amor, a vontade de dar, a capacidade de receber, a pintar-me o passado em tons de harmonia e felicidade, fica-me uma imagem: o pai de pé, com um braço esticado, a face de lado olhando por cima do braço e a mãe junto a ele fazendo-lhe a dobra da manga da camisa. Estava ela como se o estivesse marcando para o diferenciar do resto dos mortais, estava como se estivesse escrevendo um poema que dizia este é o meu marido, é diferente de todos os outros, vê-se bem, tem uma dobra na manga da camisa, fui eu que lha fiz, fui que a amei, leva-o, mundo, e devolve-mo à noitinha. Ela dava como só uma mulher profunda e enternecidamente apaixonada, mesmo aos 30 anos de casamento, pode dar. E ele recebia como quem recebe um conselho, uma mais-valia, um prémio, e vivia aquele dia, como todos os outros, com o orgulho de ter sido o homem que se tinha preparado para enfrentar a vida com uma dobra nas mangas da camisa. Uma dobra de dedicação. Uma dobra de nobreza no dar e no receber. Uma dobra de amor amado nos gestos simples dos dias simples das pessoas que se tinham como as mais importantes, as mais amadas. Tantas vezes vimos aquele quadro, tantas vezes se repetiu e nunca se banalizou. Havia ali um momento em que a azáfama parava, em que o universo esperava uma insignificância de tempo para que a vida pudesse continuar. Era o momento em que os nossos pais acordavam para mais um dia fazendo amor em mangas de camisa!

Beijo grande