Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Lamento do Viajante Solitário

Lamento do Viajante Solitário

Já te sinto ao longe,
Ó sol redondo e grande e vermelho
Que nasce ao contrário
E se põe nas minhas costas.
Já te sinto sob os pés,
Ó terra de sangue
Que cheira a vida
E brota meninos descalços.
E amo as tuas cores
E as tuas gentes
E sinto tudo
O que sentes.
Já te pressinto a humidade
E o calor,
Já te vejo a bátega torrencial
De impiedosa chuva,
E já oiço as saudações
Dos vizinhos e dos amigos.
E já escuto o que o povo canta
O que o puto anónimo diz.
E sou feliz.
Por ti. Em ti. Contigo.
És minha essência
E minha verdade.
És meu chão,
Minha pátria de vencer,
Acolhimento e aconchego.

E choro.
Há outra terra.
Escura e fria.
Onde chove de noite
E neva de dia.
E há uma lareira ardente
Que se paga,
Uma porta que se tranca,
Uma janela que se fecha,
Um cão que baixa a cabeça
E chora por dentro.
E há um filho órfão de mim,
E uma família acenando
Um incerto e chorado adeus.
Há amigos que sorriem de dor
E querem atenuar os meus
Pecados.
Esses,
Cometidos estão.
E só se redimem de verão em verão.

Amo uma e outra
E não há nesse amor
Culpa nem perdão.
Mas há a distância.
Há a errância.
Há a solidão.
Há um estar sempre
Onde se não está,
Esse constante cá e lá
Que dói e fulmina
A intenção.
E cresce em mim a intraduzível saudade
Um peito que se enche
E esvazia,
Um não saber que querer
Querendo tudo,
Um poeta,
Um bardo no peito,
Um estar sempre sem jeito.
Uma viagem
E um viajante para ela,
Homem tisnado e forte
Que estende e iça a vela
E chora seu fado,
Lamento solitário…

jpv


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Conversas Vadias – Por causa do Sexo

Conversas Vadias – Por causa do Sexo

– Tu amas-me?
– Não.
– Uf… que alívio… eu também não te amo…
– Sim, eu sei…
– Então, porque é que continuamos a fazer isto?
– Solidão, creio…
– Tens razão… por momentos achei que ias dizer que era por causa do sexo…
– Porque haveria de dizer isso? O sexo é péssimo…

jpv


2 comentários

Conversas Vadias – Solidão

Conversas Vadias – Solidão

– Olá.
– Olá.
– Sabes qual é o expoente máximo da solidão?
– Não sei, mas suspeito que me vais dizer…
– É quando precisamos de uma pessoa em cujo ombro possamos chorar e não temos.
– Admito que sim. Acho que estás deprimido. Sabes que mais? Ofereço-te o meu.
– És uma querida. Sabes qual é a maior das tragédias?
– Mais uma vez, suspeito que me vais dizer…
– É quando precisamos de uma pessoa em cujo ombro possamos chorar e não temos, uma mulher linda, inteligente e sensível como tu nos oferece o seu ombro, mas, tragicamente, ela não é a pessoa em cujo ombro possamos chorar.
– Foda-se… hoje não estás para meiguices!
– Ou bem que queres um amigo, ou bem que queres um tipo que te trate com meiguices! Não sei se percebeste, mas o que te fiz, foi a manifestação maior de respeito, consideração e amizade.
– Sim, eu sei.
– É por saberes, que te disse!

jpv


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O Clã do Comboio – Lonely

Lonely.

Sabem aquelas pessoas com que simpatizamos naturalmente mesmo sem as conhecermos? Hoje NÃO conheci uma! Não conheci, mas vi.
E, ao contrário do que normalmente acontece com os textos do Clã do Comboio, hoje não tenho mesmo nenhum motivo para escrever este texto a não ser ter-me apetecido.
Regional das 20:48. Não houve um episódio. Não houve uma curiosidade. Não houve uma conversa. Houve só uma moça com calças de ganga, uma blusa colorida em verdes e rosas, cabelos castanhos pelos ombros e um ar doce e triste, sentada sozinha num banco de madeira à espera de acabar um cigarro para entrar no comboio. E essa meiguice, que não conheço, e essa tristeza, que não conheço, e esse ar solitário, que não conheço, esvaíram-se como por magia no momento em que sorriu.
Eu estava cansado. Precisava entregar o olhar ao sono e a cabeça à música para descansar. Não foi preciso. Ela sentou-se e sorriu para qualquer coisa que tinha na mão, talvez um telemóvel, e foi como se eu estivesse contemplando a imensidão do mar nos seus olhos.
Às vezes ouvimos teorias avulsas e populares sobre pessoas que infundem tranquilidade só com a sua presença. Ela fez isso e nem soube.
Obrigado, estranha do olhar doce.