Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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"Com Amor," – Documento 66

Eh pá, tu lembras-te de MUITA coisa!!!

Ok. Quando disse preocupada e envergonhada, não era por mim, nem por ti, nem pelo que fizemos. Sei lá, acho que pensei nos meus filhos.
Imagina que isto queria dizer alguma coisa, e sinceramente acho que não quer, foi uma bebedeira e um desabafo emocional, sei lá… mas se quisesse, já viste o que os meus filhos iam pensar da mãe?…

Quanto ao resto, concordo ctgo, textura da pele incluída. Acho que foi divertido. E, a sério, precisamos conversar.

Bjs.
Laura.


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"Com Amor," – Documento 65

Oi Laura,

É giro que tenhas colocado “Rescaldo” no assunto. Rescaldo é o que fica depois de um fogo quente. Acho que foi isso o que aconteceu. Um fogo quente que não tinha por onde arder e de repente encontrou.

Fizeste bem em escrever. Se não o fizesses eu fá-lo-ia, por certo. Eu não sou muito de explicar e dissecar as coisas. Limito-me a vivê-las. Como tu pareces ter essa necessidade, cá vai a minha interpretação. Não estou zangada. Seria parva se estivesse. Espero que acredites que eu não planeei nada disto. Foste tu que me convidaste para os choquinhos fritos e quanto ao resto, fiquei tão surpreendida como tu. Mas não preocupada e muito menos envergonhada. Acho que somos adultas e responsáveis e isto terá o significado que quisermos dar-lhe. Todo ou nenhum. Num caso e noutro, a decisão é nossa, só nossa. E a nós cabe assumi-la ou resguardá-la se for caso disso.

Eu lembro-me dos choquinhos fritos e das garrafinhas de rosé, também me lembro das caipirinhas e lembro-me de uma noite divertida que acabou em minha casa a falarmos alto dos homens que são uns trastes, a beberricar vinho do Porto e a fumar uns cigarros. Lembro-me de me teres perguntado sobre aquela história das mulheres terem a pele mais suave e lembro-me de termos feito amor com quanto carinho conseguimos.

Acho que começámos a tentar ensinar uma à outra como é que os homens deviam beijar e onde e como deviam pôr as mãos, etc…

Também me lembro de teres saído com um sorriso nos lábios. Não parecias nada preocupada nem envergonhada.

Aliás, até estavas muito bem-humorada. Antes de saíres, quando te despedias, disseste algo como, Deixa lá, ao menos não corremos o risco de engravidar!

Laura, isto, ou não foi nada, ou foi alguma coisa. Nós é que decidimos. Precisamos conversar sobre isso. Mais nada.

Beijo

Madalena.


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"Com Amor," – Documento 64

Oi…

Pensei muito se havia de escrever-te ou dar um tempo. Somos amigas há tanto tempo que resolvi não deixar “azedar”.

Fui eu que sonhei, ou o senhor Mário da “Toca”colocou alucinogénios nos choquinhos fritos?

A sério, não sei como chegámos a tanto, mas lembro-me de me sentir muito feliz e depois e depois preocupada e depois envergonhada.

Está tudo bem ctgo?

Estás zangada?

Diz coisas.

Laura.

PS: pensei ligar-te, mas pareceu-me que a escrita mantinha uma certa “distância”…


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"Com Amor," – Documento 63

Laurita,

Choquinhos na “Toca”? Aprovado! Passas por aqui? Passo por aí?

Os homens são uns trastes. Devias ter feito como eu. Nunca me casei porque nunca confiei na espécie. Estás tu a ver aquela minha amostra de namorado… com mais de quarenta anos e ainda não tem a certeza de querer assumir um compromisso. Então vai assumi-lo quando? Em vésperas do seu próprio funeral? Vive lá no cabo do mundo, visita-me de três em três meses, declara-se apaixonado, fazemos amor – nisso ele é bom – e vai-se de novo. E eu aqui, à espera.

Um dia destes viro-me para as gajas! Dizem que a pele é mais suave. Li numa revista na sala de espera do dentista!!!
Na “Toca”!

Bjs.
Madalena.


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"Com Amor," – Documento 62

Miga,

Vamos jantar juntas esta semana?

Temos umas conversinhas para pôr em dia!

Eu estou como o nosso Sporting, quando não há vitórias para comemorar, comemoram-se as derrotas dos lampiões.

Pois, já não deves lembrar-te, mas faz dois anos que me divorciei do Alberto.

Ele está bem, pelo que me vão dizendo os miúdos. Tem uma namorada. Amiga, diz ele. Faz-lhe bem. Sabes, nunca lhe quis mal.

O outro lá continua entregue ao trabalho e ao casamento moribundo. Está moribundo desde que o conheço e nunca mais morre! Esquece. Isso não é importante. Está-me a apetecer vadiar e tu és a companhia ideal… hihihi…

Falas pouco, ouves muito… Gosto desta liberdade de estar entregue só a mim, à minha vontade e ao meu critério. Isto é viciante. Os homens servem para muito pouco. Só para aquela coisinha… De resto, a malta safa-se bem sem eles.

Que me dizes a uns choquinhos fritos na “Toca”? Que se lixe a linha!

Bj.
Laura.


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"Com Amor," – Documento 61

Caro Senhor,

Permita-me registar a forma digna e honesta como abordou um assunto tão delicado. Não obstante eu considerar que a maneira como chegou à informação não se inscreve em tal dignidade nem, sobretudo, em tal honestidade, devo referir, por justiça, que, uma vez de posse da informação, comportou-se com uma estatura moral que invejo.

Não presuma conhecer tudo, muito menos as motivações, mas no essencial tem razão. As famílias estão primeiro.

O seu pedido será atendido. Prontamente. E estas mensagens cuja destruição aconselho serão mantidas no mais estrito sigilo.

Cumprimentos,

Rui Daniel.


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"Com Amor," – Documento 60

Caro Senhor,

Chamo-me Alberto Honorato e conheço-o vagamente do ambiente profissional onde já nos cruzámos algumas, poucas, vezes.

Tomo a liberdade de contactá-lo por haver entre nós um conflito de interesses. Não é um assunto de índole profissional mas sim pessoal e até familiar. Irei directo ao assunto pois não me parecem proveitosos quaisquer rodeios nesta matéria. Eu sou marido, como sabe, de Laura Duarte com quem o senhor mantém uma relação afectuosa há mais de dois anos. Por favor, nem se dê ao trabalho de contestar isto. O problema precisa ser resolvido e ignorá-lo não ajudará. A Laura tem, como eu tenho, um computador portátil. O meu precisou ser arranjado pelo que um dia destes pedi à Laura para consultar o meu e-mail no computador dela ao que ela acedeu, naturalmente. Acontece que a Laura deve ter fechado a janela do Gmail sem encerrar a sessão e quando eu abri a janela, a caixa de correio da minha mulher ficou na minha frente. Normalmente, eu fecharia a sessão dela e abriria a minha. Não sou, nunca fui, uma pessoa invasiva. Contudo, não pude deixar de reparar, nem de estranhar, que todas as mensagens na caixa de correio da minha mulher tivessem um único remetente: Rui Daniel Sousa. Depois de quase três horas de leitura furtiva, pela qual não posso deixar de sentir-me culpado, fiquei a saber que mantém há pouco mais de dois anos uma relação intensa e íntima com a minha mulher.

Senhor Rui,

O meu papel não é censurá-lo. Todos teremos as nossas responsabilidades no curso dos acontecimentos e eu próprio não me arrojo a hipocrisia do direito a proclamar-me um homem sem falhas. Mas é precisamente essa perspectiva, a individual e individualista, que, penso, urge evitar. Não pensemos em mim, em si, na minha mulher ou na sua. Pensemos no que representamos juntos: família. E pensemos que vale sempre a pena lutar pelas nossas famílias.

Peço-lhe que não revele este e-mail a ninguém. Além de desnecessário, obrigar-me-ia a revelar que li as mensagens a partir do e-mail dela e isso, como calcula, não ajudaria. Peço-lhe que se afaste reconhecendo-me o direito a lutar pela união da minha família. Só isso!

Espero seja possível. O resto, são aspectos acessórios e circunstanciais que não interessa debater.

Cumprimentos,
Alberto Honorato.


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"Com Amor," – Documento 59

Digo-lhe que sim!

Pode almoçar comigo na próxima quinta-feira? Íamos ali à “Churrasqueira do Januário”, o frango é bom e tem uma sala lá em cima que é confortável e menos concorrida.

Podíamos conversar.

Laura.


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"Com Amor," – Documento 58

Olá Laura,

Este mail não é uma resposta… Pretende somente ser um bálsamo para a alma e um tranquilizante para o coração. Não farei juízos de valor. Não sou ninguém para os fazer. Apenas tentarei dar-lhe a minha visão da situação. Se puder ajudar, tanto melhor. Não seria capaz de ficar indiferente. Afinal de contas, vivemos situações muito semelhantes na sua essência ainda que com contornos forçosamente diferentes.

Acho curiosa a forma como se refere ao seu marido, com respeito e até amor, mas sem chama nem emoção. É curioso porque sou capaz de imaginar a minha mulher a acusar-me das mesmas falhas, das mesmas rotinas.

Eu encontrei na Verónica a mulher que dava sentido a uma outra existência do Rui Daniel. Acontece que para a despertar para mim, tive de a despertar para os homens, primeiro. Depois fui vítima da minha cobardia e do meu comodismo e o destino fez o resto. Por cobardia e comodismo, pensando sempre nos outros e nunca em mim, não me divorciei, não fui à procura de viver o sonho e a Verónica acabou por encontrar uma pessoa que a preenche. Trágico, no mínimo. O que posso dizer-lhe é que não há culpados nem inocentes. Não acredito que o seu marido não lhe queira bem ou à sua família, não acredito que a Laura não lhes queira bem, ou a minha mulher a nós, ou eu… o que acontece é que as pessoas crescem e mudam e, por vezes, mudam e crescem em direcções opostas e passam a querer coisas diferentes da vida. Nesse momento, ou se tem um grande sentido de família, ou não se vai conseguir preservá-la. Em todo o caso, terão de fazer-se cedências, seja qual for a opção.

Não se sinta mal consigo própria. Não há razão para isso. É normal as pessoas mudarem. Pense em tudo o que já deu e em tudo o que já lhe deram e pense em si. No que realmente quer.

Enfim, esta conversa, que começou por acaso, está a ficar interessante. Tão interessante que merecia uma conversa frente a frente com uma bebida pelo meio. Que me diz?

Rui.


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"Com Amor," – Documento 57

Rui,

Não esconderei. A minha opinião foi uma deixa, uma pequena provocação. Para mim era importante saber se quereria saber. Se quisesse, contar-lho-ia. Já havia decidido. A única pessoa que sabe o que estou prestes a contar-lhe é a minha irmã. Tenho sentido esta vontade esquisita e pouco habitual em mim de conversar estes assuntos com alguém completamente alheio aos meus problemas. Sei que não deveria fazê-lo. Há algo nisto que quebra as barreiras da lealdade, mas rebentaria se não desabafasse. Peço-lhe que me desculpe pelo meu atrevimento, mas, de facto, a sua explicação para o fenecer de um matrimónio veio acordar em mim um assunto que eu andava a existir que não existia. Mas existe.

Como sabe, eu sou casada com o Alberto Honorato. Ele é sócio-gerente de um dos nossos fornecedores de serviços, mais propriamente, do software de gestão. Temos dois filhos crescidos. Um, na faculdade, em engenharia informática, e o outro a terminar o secundário. Quer ir para o mesmo curso do irmão. Eles pensam que está tudo bem entre os pais, mas não está e esse tem sido um erro nosso, deixá-los acreditar numa mentira. O meu marido já só me procura para sexo e, mesmo assim, sem muita convicção. Quase não conversamos e quando o fazemos, ou estamos a tratar de aspectos logísticos de gestão da família, ou estamos a discutir. Eu nem preciso acabar de o ouvir falar para discordar dele. Muitas vezes, ainda ele não começou a falar e eu já sinto uma revolta no peito e sei que vou rebatê-lo. Isto é perfeitamente recíproco. Ele faz o mesmo comigo. Já conversámos mil vezes sobre o assunto. Já mil vezes prometemos que iríamos mudar, mas voltamos sempre ao mesmo. Eu digo-lhe que o amo, ele diz-me que me ama. E acho que falamos verdade. E é aqui que entra a sua explicação. A ser verdade que nos amamos, pode acontecer que não saibamos amar-nos… O certo é que não há carinho nem ternura. Somente alguma tolerância. Sabe, quando penso em nós, vêm-me com frequência à cabeça alguns versos de uma canção espanhola que se chama “Palabras”:

Que al igual que tu y que yoNi se importan ni se estorbanSe soportan amistosas.Mas no son una cancion…

Há mais de 20 anos casada, num casamento moribundo, de morte adiada por comodismo e depois um engano, um simples engano, traz-me ao conhecimento um texto pungente de dor, mas pleno de um amor intenso e forte. Meu Deus, quem me dera ser assim tão intensa e verdadeiramente amada, que alguém abdicasse de mim para me permitir ser feliz. Isto parece injusto, mas não é. São só saudades de mim. Saudades de ser a Laura que a Laura reconhece. Nestes últimos anos, Rui, tenho só sido mais uma Laura qualquer que nem eu reconheço.

Desculpe-me tudo isto. Se quiser, pode, pura e simplesmente, ignorar este desabafo. Se optar por dizer algo, seja benevolente com esta alma perdida.

Abraço.

Laura.