Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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De Negro Vestida – XXX

 

Despertar – IV

As pessoas, mormente as mulheres, não estão bem arranjadas e pronto. Estão bem ou mal arranjadas consoante a situação ou evento para que se arranjam. Tanto é isto verdade que aparecer um homem de fato e gravata para um trabalho pesado ou para a prática de desporto, por melhor e mais bonito que seja o fato, forçoso será concluir que ia o homem mal arranjado. O mesmo se aplica à escolha da indumentária feminina. Pois que sendo os vestidos de noite lindíssimos, quando o são, sempre ficam inapropriados se usados em eventos diurnos. Logo à partida, contrariam a sua própria designação, seu fim e propósito e indo com ele de dia, vai a mulher que o levar mal arranjada. Saber arranjar-se é, antes de mais, procurar a harmonia entre a nossa presença e o evento em que estaremos presentes. Depois, se a esta harmonia conseguirmos juntar pormenores de bom gosto, tanto melhor.

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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXIX

 

Despertar – III

Maria de Lurdes gosta de ser a última da casa a ir deitar-se. Não sabe porque é que as coisas são assim. Sabe só que se sente melhor. No fundo, comporta-se como uma guardiã de templo que vigia enquanto os outros descansam. É sempre a última a deitar-se e a primeira a levantar-se. Por isso, quando os filhos recolheram aos seus quartos, esperou um pouco até que a poeira sonora do dia assentasse. E quando sentiu a casa tranquila, agarrou as calças que estava arranjando com uma mão por baixo e outra por cima, pousou-as cuidadosamente no assento de uma cadeirinha em frente da sua e levantou-se. Colocou uma mão ao fundo das costas como quem as ajuda a endireitar-se, fez um esgar de dor que era mais cansaço, olhou o tecto, respirou fundo e abandonou a marquise feita atelier. Comeu pouco. Fez a sua higiene de antes de deitar e foi dormir. Antes de adormecer, arrumou o dia seguinte na cabeça e relembrou-se o propósito de mudar. Cumpri-lo-ia.

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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

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Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXVIII

 

Despertar – II

Voltou. Mas não foi já.
Não alteremos a ordem dos acontecimentos que é esse um abuso dos contadores de estórias. Um abuso e uma prepotência. Trazer os leitores perdidos procurando o fio à meada narrativa. Contemo-la onde ia. Quando a mulher se levantou para ir à casa-de-banho. Nessa altura estava o leitor curioso por saber se ela falaria com o homem de fato azul-escuro.

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Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXVII

 

Despertar – I

A verdade é que não nos conhecemos. Enfim, sabemos quem somos, como nos chamamos, que roupas gostamos de vestir e que comida preferimos comer mas, de tempos a tempos, surpreendemo-nos a nós próprios com um pensamento, uma frase, um gesto. Esta ignorância de nós, cristalizamo-la com expressões simples e vulgares do dia-a-dia que dizem pouco, parecem dizer pouco, mas que emanam esse inconfundível perfume de desconhecimento em relação àquilo de que somos capazes. E é por isso que estando, por vezes, a falar, os lábios e a língua e o céu da boca articulam sons que são palavras e podem elas dizer verdades que não esperávamos.
– Onde é que eu estava com a cabeça?
– Nem parece coisa minha!
– Como é que fui capaz?
– Nem acredito no que fiz!
E outras tantas e tantas mais ainda andam bailando nos lábios e no ar dizendo-nos que não nos conhecemos. Que não percebemos a origem de certos pensamentos em nós. De onde vêm sentimentos inesperados. Comportamentos inusitados. Palavras desabituadas.
A mulher de que vos contarei agora está vivendo um desses momentos.

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Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida: XXVI

 

Solidão – VII

Há entre nós, os humanos, independentemente da condição, da raça, do género, da cultura, da religião, da idade, da posição social, da estrutura financeira e do carácter, diversos impulsionadores de pensamento e acção. E há um, aquele que agora desperta em Maria de Lurdes, pouco valorizado, subestimado mesmo, mas que, em nossa opinião – que o leitor poderá aprovar ou rejeitar – é o mais importante de todos. Não escondendo a importância do dinheiro, não é dele que falamos. Reconhecendo o valor da educação, não é a ela que nos referimos. Nem à alimentação, nem ao sexo, nem à religião, nem à segurança, nem à solidariedade, nem à investigação, nem à saúde, nem à família, nem a nada que tenha um motivo. O móbil principal da acção humana é o saber a pouco. A insatisfação.

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Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXV

 

Solidão – VI

Carolina Maria terminou o banho, seu retempero do corpo e da alma. Para si a água quente e o perfume do gel são bálsamos que limpam e acariciam e este ritual é um espaço de reflexão. Fecha-se no círculo que a água desenha tombando do chuveiro. Não ouve nada. Não sente nada a não ser o calor da água massajando-lhe o corpo. E pensa. E revive as tristezas, as alegrias, os pormenores. Hoje está voltando à biblioteca, ao jantar, às mãos largas e aos cabelos encaracolados. Acaricia-se levemente como que para senti-los mas depressa percebe a ilusão e a insatisfação com ela. Pára. Fica-se pelo rememorar delicioso que nestas coisas, ainda para mais sendo-se mulher, a mente pode mais do que o corpo. Termina o banho. Limpa-se. Faz o périplo dos cremes e vai à cozinha.

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João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXIV

 

Solidão – V

Maria de Lurdes está na marquise convertida em atelier de costura tentando fazer, refazer e reunir os gestos necessários para engrossar um pouco mais a coluna das receitas no seu orçamento familiar. Está sentada numa cadeirinha branca, tem a máquina de costura preparada, caixas abertas com linhas e acessórios à volta, as costas curvadas para a frente, uma linha presa entre os dentes e pressente. Pressente os filhos que chegam num rumor escadas acima. Sabia que chegariam tarde. Alguma utilidade têm os telemóveis e as SMS. Mas não sabia que, por via da mesma utilidade, chegariam mais ou menos à mesma hora. Estava já preocupada. Sem razão, é certo. Mas, sendo-se mãe, mais razões não são precisas para que uma ansiedade funda marque o ritmo do coração.
Sente-os aproximarem-se.

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João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXIII

 

Solidão – IV

Venha comigo, caro leitor, venha presenciar ou reviver um ambiente irrepetível. O local onde vamos tem um odor ímpar e inconfundível, tem sons próprios e seculares, tem rituais, tem frequentadores e tem uma personagem da nossa estória.
Há templos que são templos. E porque são templos, as pessoas comportam-se neles como estando em templos. E há espaços que não sendo templos, são templos na mesma e, por isso, estando as pessoas nesses espaços que não são templos comportam-se neles como nos templos. É explicável mas indefinível a linha da lógica razão, a linha do pensamento que define porque fazemos silêncio numa biblioteca. Logo à partida, não se trata de silêncio, trata-se daquele marulhar abafado das folhas de papel virando, do sussurrar respeitoso de comentários, só os essenciais, que os utilizadores trocam entre si ou com os funcionários do templo dos livros. E esse respeito vertido em quase silêncio tanto o pode ser para que se não incomode quem lê e quem pensa, como o pode ser para que se respeite quem pensou e quem escreveu com sabedoria, dedicação, trabalho e genialidade suficientes para que viesse parar à biblioteca. Tem este espaço o estatuto de templo do saber e faz-se nele silêncio para que se não incomode quem soube e quem está querendo saber.

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João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXII

 

Solidão – III

O plano era básico. De resto, para ela não constituía surpresa. Estava habituada às surpresas dele que a não surpreendiam. Não se importava com a previsibilidade dos planos dele pela razão simples de que via neles a forma que ele encontrara para a cortejar. E sentia-se cortejada. Desta vez ele limitara-se a pedir “Vais buscar-me à oficina logo à noite?” Ela anuiu acenando que sim com a cabeça e foi esse gesto que lhe deu a ele a liberdade de acrescentar “Tenho uma surpresa para ti. Vais adorar.”
E a noite veio. E ela apareceu na oficina para buscá-lo.
– Vem cá!
– Que tens para mim hoje?

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João Paulo Videira

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De Negro Vestida – XXI

 

Solidão – II

Despedimo-nos.
Nós saímos da estória e nela deixámos Maria de Lurdes na caixa multibanco pagando a conta da luz.
Bem sabemos que há movimentos defendendo com palavras novas, novas ideias, como a paridade e a igualdade entre homens e mulheres. E queremos acreditar que se trata de igualdade no trato pois que na essência, no ser e no comportar, homens e mulheres sempre foram diferentes, diferentes são e continuarão a ser diferentes no eterno escorrer do tempo. Não pode pedir-se a um homem que seja mulher. Falta-lhe a capacidade, o sentir de todas as formas, a ânsia de perfeição, o maternal instinto. E não pode pedir-se a uma mulher que seja homem. Falta-lhe a determinação instintiva, a simplicidade nas opções, a ânsia de conquista e o instinto de cobrição. São diferentes à nascença, vivem de forma diferente, sentem de forma diferente e de diferente forma se entregam ao breu definitivo da morte.

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Setembro de 2013

João Paulo Videira

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