Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Curtas do Metro – O Legado de Eva

O Legado de Eva

O Metro anda diferente. Pelo menos, em algumas estações. Acho que, através de um acordo com a PT, foi instalada uma linha de luz intensa de cor azul metálica ao longo da plataforma. A ideia é, por um lado, fazer publicidade à PT cuja cor publicitária relacionada com as zonas de acesso WiFi é o referido azul e, por outro, criar um alerta luminoso entre o espaço entre a plataforma e a carruagem. O efeito é engraçado porque a luz acende-se quando o Metro chega e apaga-se assim que parte. Faz lembrar o ambiente tecno e metálico criado no filme “Tron Legacy”, ou seja, “O Legado de Tron”.
Estava nestas reflexões, sobretudo a pensar em tirar uma foto, que tirei mesmo, e passar a colocá-la nas Curtas do Metro em vez da que tenho usado, quando o Legado de Eva se sobrepôs na minha atenção e no meu campo de visão ao do Tron!

Chegou uma moça, aí com os seus 18 anos, mais coisa, menos coisa, blusa de cavas, sandálias destas novas que quase só têm a sola e uns calções de ganga muito curtos, desfiados, com pedacinhos de tecido pendentes. Tinha um tom de pele bronzeado, era magra, olhos verdes, cabelos escuros, lisos e compridos.

Tudo isto é normal. O que não era normal é que levava uma folha como, ao que parece, Eva trazia no Jardim do Éden. Com uma diferença. Esta folha não estava à frente, estava atrás, por cima dos calções, teimosamente enfiada entre as nádegas. Algumas pessoas repararam e entreolharam-se, mas ninguém teve coragem de lhe dizer, Olhe, desculpe, tem uma folha enfiada no rabo!

Ninguém, não é bem assim. Houve um jovem que se aproximou dela cheio de coragem e com um ar sério e apreensivo lhe disse:

– Desculpe, tem uma folha aí atrás.
E quando disse aí atrás, apontou com o dedo para o rabo dela. E foi então que se revelou o Legado de Eva. Há coisas que herdamos e não acontecem por acaso. Ela olhou-o, sorriu e respondeu:
– Ah, não faz mal. É de propósito!

jpv


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Curtas do Metro – Headphones Girl

Headphones Girl

Um dia, sem querer, dei-lhe uma pancada com o braço na cabeça. Ia-lhe desmontando os headphones. Ela reclamou qualquer coisa em inglês e eu pedi-lhe desculpa AQUI e dei-lhe um cartão com o endereço do blogue.
Passou a cumprimentar-me. Entretanto, vá se lá saber por via de que voltas, a vida trocou-nos o passo e nunca mais nos vimos.
Hoje, ia a subir as escadas rolantes da estação do Metro do Cais do Sodré, ela passou por mim vinda de trás, abriu um sorriso imenso e disse cristalina e bem audível:
– Olá!
– Olá para ti também!
E foi à sua vida, a rapariga com os headphones.

jpv


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O Clã do Comboio – A Rapariga que Veste um Sorriso

Tal como todos os outros, é uma pessoa de hábitos. Normalmente veste calças de ganga de cós baixo e um cinto preto ou castanho, largo, encima essas mesmas calças. É larga de ancas e volumosa mas está longe da obesidade. Traz sempre uns óculos escuros daqueles que ocupam a face toda e quando entra no interregional das 7:18h tira-os e deixa transparecer o olhar meigo e tranquilo dos seus olhos cor de amêndoa. Normalmente veste casacos cintados. O cabelo castanho cai-lhe por cima dos ombros e completa o quadro de uma moça jovem vestida de forma prática mas elegante para cada dia de trabalho. A vestir daquela forma deve haver umas dezenas no comboio pelo que não foi essa a razão por que me detive nela.
A razão é simples.
É daquelas pessoas que acorda sempre feliz e sorridente e difunde essa luz e essa alegria à sua volta. Pela manhã, o clã tem a tendência para ir sossegado e quieto, excepto a rapariga que veste um sorriso. Cumprimenta quem se senta ao seu lado, fala com as pessoas, brinca com as crianças e, mais do que tudo, sorri.
Ela é das pessoas que se senta ao fundo da carruagem. Eu, ao meio. Já equacionei um dia destes ir ao fundo para vê-la sorrir mais de perto, mas, sabem como é, ando a ficar como o clã, um tipo de rituais e faz-me falta a companhia dos meus desconhecidos. Há, contudo, esta marca matinal da rapariga que veste um sorriso. Vê-la é como se fosse uma mensagem de esperança para o dia a viver. E isso é precioso. Espero, sinceramente, que continue a viajar na “minha” carruagem. É que assim até os dias de chuva brilham um bocadinho.