Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio – Pequenina como a Sardinha

Pequenina como a Sardinha

Há uma expressão popular que diz “A mulher quer-se pequenina como a sardinha”. Cá para mim, é reflexo do desejo português de compactação das mulheres, ou então, e mais provavelmente, emerge a expressão do facto das mulheres portuguesas serem, geralmente, pequeninas. Venha de onde onde vier, o curioso é cruzar essa expressão popular com uma outra que diz “Mulher pequenina, ou velhaca ou dançarina”.

Vem isto a propósito de andar há já algumas semanas a observar uma passageira que se senta sensivelmente no mesmo sítio e que é uma típica mulher portuguesa, pequenina, portanto. Tem a pele pintada de um moreno bronzeado, o cabelo liso pelas costas, os olhos muitos escuros e muito vivos. Dorme profundamente até Lisboa, veste de acordo com as exigências do trabalho porque alterna entre fatos muito formais e outros bem práticos. E sempre, rigorosamente sempre, com uns óculos de sol Ray Ban clássicos a lembrar o Tom Cruise no Top Gun. Em todo o caso, traz todos os dias a sua mochila e a sua lancheira onde, por certo, transporta o almoço.

E é precisamente no pormenor da lancheira que me quero deter. Quando entra no comboio, coloca, invariavelmente, a lancheira na prateleira superior. Uma vez em Santa Apolónia, não chega lá acima para a tirar. Nunca isso constituiu um problema. Põe um pé, com cuidadinho, na ponta de um banco, segura-se à prateleira superior onde está a lancheira, iça-se e saca-a de lá em menos de nada. Desce, recompõe-se e vai à sua vida.

O interessante nisto é que este gesto revela a determinação que também o seu olhar espelha. Mostra a atitude resoluta e determinada que se percebe pelas suas expressões faciais. É pequenina, sim, como a sardinha e a típica mulher portuguesa, mas isso não parece constituir para si um problema. Bem pelo contrário!

jpv


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Histórias do Autocarro 28 – Quiiiiinze

Quiiiiinze

Paragem do Autocarro 28. Estamos à espera e somos muitos. Uma fila de proporções intermináveis. Ao meu lado uma senhora baixinha, loirita, cabelo liso e pelo ombro, calças de ganga e blusa de algodão rosa.

E eis que eles chegam. Dois idosos. Daqueles alemães com o cabelo já branco, com pernas que começam no chão e terminam sabe-se lá onde, sandálias com meias, calções e a inevitável mochila às costas.

Não diziam uma palavra de português e falavam um inglês muito fraquinho. Qualquer aluno meu do ensino básico é mais fluente. A loirita, por sua vez, não dizia uma palavra de inglês e de alemão, então, é que nem deve saber que existe.

Conversa.
Começam eles, dirigindo-se para a senhora. Dobram-se como se fosse preciso encurtar distâncias para ela os conseguir ouvir:

– Please, to… Algés…

Claro que, para perceber que tinham dito “Algés”, foi precisa muita imaginação. Ainda assim, a senhora respondeu em português para alemães. E o que é isso? É português como todos nós falamos mas dito muito alto, muito lentamente e com a boca muito aberta. Ou seja, neste momento, temos dois gigantes alemães curvados sobre uma anã portuguesa que abre muito a boca, fala muito alto e diz:

– Quiiiiinzeeee… tem de aaapanhaaar o quiiiiinzeeee…
– What? Algés?
– Ai, valha-me Deus, o quiiiiinze… para Algés tem de aaapanhaaar o quiiiiinze…

E virou-se para a estrada à espera do autocarro. Os alemães voltaram a endireitar-se e a colocar a cabeça nas alturas e, claro, começaram a falar alemão. Consegui perceber que diziam que não tinham percebido nada e o melhor era verem o mapa.

Eu acho que é de uma incompetência atroz não conseguir decifrar uma palavra dita com tanta precisão, tanto cuidado e tanta hospitalidade. Afinal de contas quem é que não percebe quinze quando é tão bem traduzido para quiiiiinze?!

jpv