Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Fé Nua

Fé Nua

Vi-te emergir
Nua
Para a praia
Da deusa
A que rezavas.
E com essa tua nudez,
Ao mundo oferecida,
Não me incomodavas.
Tinhas o santo encanto
De quem sabe
E vive na fé,
De que o mundo é mais
Do aquilo que se vê.
Vinhas luzindo pureza
Sem mácula
Nem vergonha.
Um sorriso por auréola
E a firme e certa certeza
Da alma limpa
E o corpo preparado
Para a vida
E para a morte.
Quem dera
A sorte
Dessa cega fé,
A mesma que nos derruba
A mesma que nos tem de pé.
Vinhas banhada de sal,
Mergulhada em crer,
E eu quase me converti
Só por te ver.

jpv


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Semeador

Semeador

Semeio minha Pátria
Noutro chão.
E nasce em mim,
Pela minha própria mão,
O sentir doce
De outras gentes,
De outra nação.

jpv


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Poema Relâmpago

Poema Relâmpago

A terra sangra
O calor
E as águas volumosas
Da chuva.
O céu rebenta,
Poderoso,
E faz-te sentir pequeno,
Outra vez.
A humidade
Ocupa o ar doce
E envolvente.
A alma assustada,
O corpo quente.
O céu avança
Majestoso,
Invade a tua vontade
E, mesmo antes de perceberes,
Semeia-lhe o medo.
Segue-se o batismo copioso
Que lava tudo,
Arrasta tudo…
Foi um instante
E nada está como era.
O sol brilha já
E na tua alma
Reergue-se a quimera.
Secou tudo
Sem rasto.
És humano pasto
Para a vontade da Natureza.
Ela, a força,
Tu, a fraqueza!

jpv


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Mudança

Mudança

Muda a palavra.
Muda o ritmo.
Muda a cor da terra,
Muda o ar do céu.
Muda da posse o sentido
Do que me pertenceu.
Muda o movimento
Das gentes em profusão.
Muda a ordem.
Muda a confusão.
Muda a faixa de rodagem.
Mudam as roupas,
Muda a engrenagem.
Muda a religião.
Muda o tempo
Com que se muda tudo.
Muda o tom da pele
Mas não muda o seu veludo.
Muda um corpo dançando
E outro na rua tombado.
Muda-se tão facilmente que,
Em se olhando,
Se encontra um homem mudado.
Muda o poiso do sol,
Muda das aves a cor,
Muda o suor no lençol,
Sem que se mude, dos homens, a dor.
Mudam as frutas,
Mudam os odores.
Muda-se até um oceano,
E muda-se dos ventos a dança.
Tinhas razão, ó poeta,
Este mundo é composto de mudança!

jpv


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Irmão

Irmão

Esse sorriso bailado
No olhar tremido
E envergonhado
Me diz
Que há luz na tua alma.
Essa pele sulcada
Nas mãos castigadas
Me diz que é árduo
O teu labor.
Tua voz tímida
De veludo e calor
Me diz que é terno
O bater do teu coração.
Não és selvagem
Como o continente,
És irmão da gente.
Essa pele escurecida
É mesmo muito parecida
Com esta palidez que me veste.
Vim procurar o sorriso
Que me deste
E porque veio com essa alegria
Não ficou meu.
Eu to devolvi.

Tenho saudades de ti
Antes de mim.
Tenho saudades de quando o mundo eras tu.
Antes das coisas que os homens inventaram,
Das guerras que guerrearam,
Das palavras cuspidas.
Tenho saudades de quando o meu olhar
Voava sobre essa baía
E a minha a vida não fugia
Das consequências.
Hoje vim te ver
Outra vez,
Vim ver a tua vez
De seres Homem.
E chorei
Essa lágrima pura e bonita
Que salta nos lábios
E grita:
Irmão!

jpv


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Dizer de Mãe

Lá vai julho e agosto,
Lá vão estes dois meses.
Vai-se embora o meu amor
Com quem eu falava às vezes.

Luísa Videira


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Poema da Mudança de AC

Poema da Mudança de AC

Estás na idade
Em que se define
A tua figura fina.
Anuncia-se a mulher,
Despede-se a menina.
Ondulados, os cabelos,
Como numa estátua helénica,
O sorriso cândido,
O olhar melancólico
E a pose fotogénica.
Finda o tempo
Da menina que anda,
Começam os dias
Da mulher que caminha
E se insinua
Só com o passar.
Estás na fase de ser senhorinha…
Para nós, sabes como é,
Mude o que mudar,
Veremos sempre a bebé.

Mas vive, já,
Nos teus gestos
E na tua presença,
O porte que dita
A sentença
Da perseguição.
Olham-te com volúpia
Os mancebos e os homens,
Teu pai senta-se à porta de casa
Com a caçadeira na mão!

E tudo isto
Me conta uma história,
Ainda que guarde na memória
Quem foste,
Eu já não o sou.
Passou por mim o tempo
Que te esculpiu
E me desgastou.
O mesmo espelho
Que te reflete mulher
Mostra-me velho.
E a única glória
É ver na minha morte
A tua vitória.

Nenhum homem
Comanda o tempo.
Nenhum homem,
Faça o que fizer,
Fica isento
À mudança de uma menina
Para mulher.

jpv


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Poema Escrito com os Pés dentro de Água

Poema Escrito com os Pés dentro de Água

O mar
Persiste
Em regurgitar
A clara
E límpida ideia.
Essa falua
De sonhos e imaginários
Batendo contra a rocha
E mostrando, exposta,
A luz e seus contrários.
E a escuma rebrilhando
Multiplica os brancos
Na água dançando.
Presa estava a alma
Do poeta,
E agora vive liberta
E voa
Na água ondulante
Prenhe de vida
E sal.
Passa a moça
Em seu biquíni sensual
E o poeta não a vê,
Bronzeada,
Porque nesse exato
Momento
Tem a alma lavada.

E o mar persiste em seu vai-e-vem,
E o poeta vê como ninguém
A clara e límpida ideia:
A vida é uma imensa teia
E não há coisa nenhuma
Que se não lave
Com a ondulante
E branca escuma.

jpv


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Seara

Seara

No andar,
A força da terra.
No olhar,
O espanto do céu.
Na mente,
O sonho de luz.
Nas mãos,
Pouco de seu.
Na voz,
A melodia do amanhecer.
No peito,
A vontade de viver.

Em cada dia,
Um gesto certo
E outro impreciso.
A ciência antiga
Nas coisas simples
E nas complexas.

No ventre,
O calor da seara por ceifar.
Um grito contido
No pecado do prazer.
Escapa-se um gemido
Na hora de acontecer
Vida.
Prometida.
Em teu seio de acolher.

jpv


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Ausência

Ausência

Dois dedos de conversa
Entre conhecidos
De nós, estranhos
Um do outro.
Um olhar preso,
Um pensamento louco.
Dois corações perdidos
Sem uma só palavra
Pronunciada.
É fértil o verbo
Quando lavra
O campo da mente
E a semente
É a ideia
Onde tudo começa e acaba.
E uma mão
Abandonada, por momentos breves,
Na tua pele
E nas tuas vestes leves.
E nada mais
Foi preciso
Para atear o fogo ardente,
O pensamento flamejante
E o desejo incessante!
Quase te não vi
E já te despi lentamente
Com teu contributo e anuência!
É impressionante o poder
Que exerce em nós
A doce e inquieta ausência.

jpv