Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


4 comentários

Átomo de Tempo

Átomo de Tempo

Átomo de Tempo,
Elipse.
Um só momento,
Fulcral.
O coração todo,
Estendido.
O Anzol e o engodo,
Perdido.
O corpo e o suor
Num só.
Memória de amor,
Em pó.
Palavra e opção,
Silêncio.
Presença de mim,
Ilusão.

Não se pode ter o mundo na mão,
Vazia.
Nem a todas as noites
Segue um dia.

Os teus olhos
Não estão cegos para mim.
Eu contento-me, assim,
Com a visão imperfeita
Desta estrada estreita
E retorcida
A que uns chamam horizonte,
A que eu chamo vida.
É a tua alma que me seduz,
Não é a luz.
São as pontes,
As intermináveis pontes,
As inquebrantáveis pontes,
Que galgam rios, mares,
Planícies e montes
E me levam a beber de ti, o amor,
Em todas as fontes.
Não secaram.
Não secam.
Não secarão.
Brotam, fresco e límpido,
Todo o amor do mundo
Num só momento,
Num átomo de tempo.

jpv


5 comentários

Poema do Homem Só

Poema do Homem Só

Já não sei fazer amor
Contigo.
E sinto nisto
Que digo
A imensa ameaça
E o verdadeiro
Perigo
De uma morte
Prematura
E antecipada.
O que fora tudo,
hoje,
É nada.

Onde germinava
O calor do
Estio,
Impera, agora,
O frio.

O nosso amor
É um quarto
Vazio.

jpv


2 comentários

Maputo

(Foto jpvideira – Clique para Aumentar)

As Cores da Capulana
Maputo
É uma praia
Onde as ondas
Se vêm estender.
São milhares de luzes
Bordejando o mar
Ao adormecer.
São vendedeiras de caju e amendoim,
Avenidas longas em constante frenesim.
São meninos de roupas largas
E pé descalço,
Envolvendo num sorriso genuíno
O seu destino falso.
São mulheres exibindo
O colorido justo das capulanas.
É um tchova oferecendo
Ananases, mangas e bananas.
Busca o imenso céu
Um prédio esguio e alto.
Cá em baixo,
Dorme um corpo ébrio
No calor do asfalto.
Fecha-se o firmamento
E escurece.
E num breve momento
Acontece
Violenta trovoada.
Chove chuva copiosa,
Lavando a estrada,
Arrasta consigo
Fugaz vida ceifada.
Com a mesma violência
E o mesmo repente
Ressurge o sol ausente
E renasce, de novo,
O dia.
Esta cidade real
Parece fantasia.
Explodem odores
Exóticos e inusitados,
Pintam-se de mil cores
Os concorridos mercados.
Há nesta cidade
Uma coisa urgente e séria,
Reergue-se a Humanidade
E isso não é miséria.
Vagueia por aqui
Certo saudosismo português,
Teve o seu tempo,
Teve a sua vez.
Pinta-se de branco
E de negro também,
Fala changana,
É palavra de Camões,
Traço de Malangatana.
E desvanece-se.
Chegou outra hora…
É tempo
De o mandar embora.
E sonhar
Com o homem justo,
Com a terra prometida.
É preciso pagar o custo
Da liberdade perdida…
E reconquistada.
Maputo
É hoje
Uma alvorada.
É um polícia
Vestido de branco
E outro de cinzento.
E é um povo
Perdido no tempo.
À procura do caminho.
É um sorriso largo,
Um olhar inaugural,
É um ritmo de marrabenta
Numa cintura sensual.
É o sol sobre o mar
Logo pela manhãzinha,
Um pescador lançando
A esperança numa linha.

E passa um chapa ruidoso
Que quase me atropela,
Atrás dele,
Desenha esses na estrada
Uma frenética chopela.
Passam carros com fulgor,
Estacionam num restaurante,
E, nesse mesmo instante,
Surge, solicito, o arrumador.

Vivem aqui
Sólidos e evitáveis
Desequilíbrios.
Uns pedem,
Outros dão.
E há nesta dança
Uma bruma de esperança.

Maputo é olhar em frente,
É uma terra
Semeada de gente.
É uma nação,
Um pátrio solo,
Um chão!
É a diferença
E a semelhança.
Maputo é mãe
De uma criança
Que ri e chora.
Maputo é todo
O tempo do mundo
E o tempo
É agora.


Deixe um comentário

Menino de Rua


As Cores da Capulana

Menino de Rua

Menino de rua,
De pé no chão,
Mão estendida
E alma nua…
Que vontade
É a tua?
Que história
Por contar?
Que destino
Por cumprir?
Que amores
Por amar?
Que fugas
Por fugir?

Menino de rua,
De alma nua…
Um homem por perto,
Um sorriso aberto,
E no olhar,
Sempre a mesma
Dança
Do desespero
E da esperança.

Mão estendida
À procura de vida.
Uma vida
Maior do que tu,
Menino de rua,
De corpo semi nu
E olhar terno,
Menino de rua,
Filho do tempo moderno,
Que vontade
É a tua?
Que reflexo
Tem na gente
A tua alma nua?

Filho do povo,
Órfão do ritmo novo,
Vagueias com o pé
No chão
E o vazio na mão.

Estendida.

Que homem
Nascerá no teu corpo
Semi nu?
Que responsabilidade
Terás tu?
Como agarrarás
A vida,
Se a tua mão
Estava estendida
E o teu olhar
Concentrado
Nesse homem por perto
Que não viu
A floresta no teu olhar
E plantou um deserto?

Menino de rua,
De alma nua,
Que vontade
Será a tua?

jpv
———————-


1 Comentário

Vendedeira de Medos

As Cores da Capulana

Vendedeira de Medos

Vendes o sabor
Da tua terra
Num saquinho de plástico.
E, nas tuas palavras,
O saco encerra
O sabor mais fantástico.

– Caju, papá?
– Não, Obrigado.
– Vá lá, tá bom preço.
E, no resgate da alma,
Sou eu que te peço:
– Como está hoje?
– Está cem.
E o dinheiro
Vai e vem
Nesse bailado
E nesse ritual
Que é ser trocado 
Por caju sem igual.
Vendes o exotismo,
O sabor,
E o cheiro de Moçambique.
Vendes até que o tempo deixe
Crescer a sombra
Da árvore grande
Junto ao mercado do peixe.

Capulana à cintura,
E um saquinho
Suspenso dos dedos,
Encaras a vida que é dura
E vendes um punhado de medos.

– Caju, papá?
– Dá lá.
jpv
——————————–


3 comentários

O Tecido da Vida


As Cores da Capulana

O Tecido da Vida

É um pano colorido,
Enrolado ao corpo,
Às formas cingido.
Tem a luz da manga
E a forma da papaia,
Pode ser teu lenço,
Mulher,
Pode ser tua saia.

Saíste na rua,
No Sábado,

E foste comprar
Tua capulana,
Na Guerra Popular.
E logo ali,
Na porta da loja,
Te fez a bainha,
Com dedo certeiro
E uma máquina antiga,
O hábil costureiro.

Cobres a tua vida,
E quando vens de parir,
Colas ao teu corpo
Um menino a dormir.
Enrolado com o mesmo colorido
Do tecido em que tinhas nascido.

Tua capulana é teu mundo,
Teu limite
E tua fronteira.
Enrolam-te nela
De pequenina,
E enrolada ficas
A vida inteira.

jpv
——————————–
Aceda à secção “As Cores da Capulana”


Deixe um comentário

As Cores da Capulana

Caros Amigos e Leitores,

Estão a ser produzidos e serão publicados aqui, em Mails para a minha Irmã, poemas sob o título genérico de “As Cores da Capulana”.

São, naturalmente, textos de inspiração africana e, em particular, moçambicana.

Ora, como MPMI está a ficar mesmo muito cheio, criámos um sub-blogue onde se arrumarão os poemas da secção “As Cores da Capulana”. Eles serão publicados em MPMI, mas o índice remeterá para a nova página.

Os primeiros textos surgirão ainda este fim de semana.

Boas Leituras!


jpv


3 comentários

Dia do Livro

Dia do Livro

O livro é simultaneamente um sistema operativo e uma base de dados.
São aventuras inesquecíveis,
Mistérios desvendados.
O livro é simultaneamente o descanso e a inquietação.
Horas de interminável paz,
Momentos de profunda agitação.
O livro é simultaneamente o amor e a paixão.
Um amor fundo e leal
Um bater descontrolado do coração.
O livro é simultaneamente o côncavo e o convexo.
Um olhar de sedução
A culminar no despudor do sexo.
Uma palavra,
Uma frase,
Um parágrafo,
Uma página
A seguir a outra página,
Um universo
Em linhas de prosa
Em bailados de verso.

jpv


2 comentários

Brisa

Brisa

Passas como a brisa
Que me acaricia a face,
E eu tento prendê-la
Antes que passe.
Mas tenho as mãos abertas,
De teu corpo desertas,
E perdidas.
Minhas mãos não têm chagas,
Têm feridas.
Tens uma força
E uma firmeza,
Tens uma sombra
E uma fraqueza…
Revi o mundo
Pelos teus olhos,
Com planuras,
Serras
E escolhos.
Vi porque me mostraste
E porque quis.
E foi olhá-lo por ti
A mais singela
Obra que fiz.
Vi a brisa
Que me fez feliz…

jpv


3 comentários

Enigma

Enigma

Não sei o que em ti
Mais me seduz,
Se a ausência
Ou a explosão de luz.
Essa linha curva
Que me tem preso,
Essa sombra sensual
Desenhada no teu corpo aceso.
Essa forma harmoniosa e macia,
Essa noite perdida
Até ser dia.
Esses movimentos de enleio,
Esse princípio sem fim,
Esse centro e esse meio… de mim.
E há formosura,
A do corpo e a da alma,
Escrita com gestos
De total e absoluta loucura.
A beleza que só eu vejo,
Envolta num húmido e longo beijo.
E eu,
Sem perceber-te,
Sem saber onde me foste encontrar,
Homem perdido e sozinho,
Nos caminhos de amar.

jpv