Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Cansaço

Cansaço

Estou cansado
Das pessoas.
São demasiado más
As coisas menos boas.
Estou cansado
Das palavras.
São demasiado amaras
As menos doces.
Estou cansado
Dos gestos.
São demasiado agressivos
Os mais brandos.
Estou cansado
Desta mesquinhice
Sempre alerta,
A espada da língua
Sempre desperta.
Não há originalidade possível,
Não há limpeza viável,
A virgindade morreu virgem
E putrefacta,
Devassada por homens educados
E mulheres dignas.

Não gosto de ti, nem de ti,
Nem de ti,
E de ti também não.
Para cada pronome
Há um nome,
Uma figura
E uma configuração.

Jorro o fel
Para me não sufocar nele.
O único mel
Tem agora uma fina camada de bolor.
Essa crosta da ferida,
Depois do sangue
E da dor.

Já desisti das tentativas todas.
Já não quero a hipocrisia das festas e das bodas,
Já rejeito todas as palavras suaves,
Amo as duras e graves,
E tomo por certa a hostilidade.
Já morreu o meu crer,
Morreu de cancro e excesso de idade!

Era uma vez um menino…
Fez-se homem,
Desiludiu-se
E morreu.
E, mais tarde, quando veio a falecer
Já nada tinha de seu.
Desse âmago verdadeiro e inexplorado,
Desse solo fértil de esperança,
Resta um mato escasso e queimado
E reina miséria
Onde houve abastança.

Chega já a noite doce e funesta
Cantam e silvam em rituais de festa
Os seres do além.
Uma alma mais se aproxima,
Vazia e fustigada.
Ouvi, anjos e demónios,
Finalmente morreu Ninguém!

jpv


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Na Margem do Saber

Na Margem do Saber

Morres na margem
Do saber.
E enquanto te esvais
Não sabes que estás a morrer.
Habitam em ti fantasmas,
Almas negras,
Medos do mar profundo.
Tudo em ti é superficial
E habita as orlas do mundo.
Afinal o teu mar era uma piscina,
A tua mulher, uma menina,
A tua vida, uma ilusão.
Agarras uma mão
Com a outra mão
E julgas-te agrilhoada.
A tua mente tem medo
De tudo…
E de nada.

Tens esse véu
A tolher-te a visão.
Tens só uma leve
E imprecisa sensação
De que é luz.
Mas não é.
É uma treva escura,
Uma cortina semi-cerrada,
Um obstáculo intransponível.
A tua visão é invisível
E tem nome.
Chama-se Ignorância.
E o limiar da dor
Não me vem daí.
Vem de não saberes,
Vem de ignorares os poderes
De pensar,
Vem de agires por selvagem instinto
Na margem desse
Inacessível recinto
A que chamo consciência.
Viver não é uma ciência.
É a pura e única verdade,
Viver é respeitares com a tua
A minha Liberdade!

jpv


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À Deriva do Atlântico

À Deriva do Atlântico

Estou aqui sentado
Nesta pequena canoa
Vou-me então transformar
Em Fernando Pessoa.

Só tenho dois companheiros
O lápis e o papel
E sou alimentado
Por um pote de mel.

Olho para o mar
O mar extenso e sombrio.
Quando penso na solidão
Até sinto um arrepio.

Sinto saudade de uma Rosa
Ou então de uma tília
No mar vejo o reflexo
De toda a minha família.

Os meus amigos despejados
Por um grande cano
Eu estou neste barco
À deriva do Oceano.

Ao escrever estas palavras
Cheias de fantasia
E ao digitar este poema
Fico cheio de alegria.

Passei muitos dias
No oceano a navegar
Mas a terra está à vista!
E bem irei ficar.

Manuel Pessoa
12 anos
(Texto sem correções nem limadelas nem aperfeiçoamentos. Transcrito ipsis verbis do original)


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Teorema de Pitágoras Revisitado

Teorema de Pitágoras Revisitado

A caminho de Siracusa,
Dizia Pitágoras aos seus netos,
Esquecei lá a hipotenusa
E cuidai de vossos afetos!

jpv


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Até a Ler, Somos Um País de Poetas


Contador do Blogger


Contador do Facebook


Num dia normal, a página de MPMI, aqui, no blogue, tem cerca de 200 visitas e cada artigo colocado na página promocional, no Facebook, rondará as cento e muitas, duzentas visualizações.

Bastou escrever-se um poema, postar-se o dito, e as visitas aqui no blogue foram 278 sendo que a página promocional no Facebook teve, só nesse item, mais de 500 leituras!

Caso para dizer que somos um país de poetas, até a ler!

Muito Obrigado pela vossa dedicação,

jpv


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As Cores da Capulana – Amanhecer Índico

Amanhecer Índico

É um mar cinzento
Como o céu.
Uma linha definida
E distante.
Uma capulana ao vento
Ondulante,
Enquanto ela passa.
E uma outra com sacos à cabeça,
Sua sorte e sua desgraça.
E são umas pessoas lá longe,
Mar adentro,
Saudando a Deusa,
Banhando-se de sal e água
Como se aspergissem a vida
Aquém da tal linha definida.
São três aves rasando a água
Marinha.
É uma senhora de mala e bem vestida
Que caminha sozinha
Enquanto Deus a espera na igreja.
E é um homem de turbante,
Passo rápido e certo,
Desaparece num instante.
E é uma mulher vestida de desporto
Que passa correndo com sua cadela.
Uma leva música nos ouvidos,
E a outra, no pescoço, a trela.
E é um cão galgando as ondas
De felicidade,
Vai para a água entusiasmado
E volta carregado de verdade,
O amor incondicional,
Por seu dono amado.
E é um madeiro enterrado
Na areia,
Raiz antiga e secular
Onde os namorados
Se vêm sentar.
E há este mar
Sossegado e quente,
Pano de fundo da vida da gente.
E há estas palavras
Com que me debato e luto,
Junto à areia cúmplice
Da baía de Maputo.

jpv


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Rascunho

Rascunho

porque me odeias?
perguntou o cordeiro ao lobo.
porque me lembro de quando éramos ambos cordeiros.
e que aconteceu depois?
não te lembras?
não. sou um cordeiro.
desconfiei da tua pele.
da minha pele de cordeiro?
sim. que na altura parecia de lobo.
nunca fui senão um cordeiro.
e eu nunca fui senão um lobo e…
e?
e, contudo, julguei-me cordeiro, julguei-te lobo…
e defendeste-te.
sim. fechei-me.
e, ainda assim, odeias-me…
sou todo rancor e mágoa.
arrependimento…
sim…
de seres lobo?
não. de ter sido cordeiro!
então porque convivemos? porque nos toleramos?
tenho uma teoria…
uma teoria de ódio?
uma teoria de medo.
de medo?
sim. tu temes a vida sem um lobo por perto a afastar os medos.
e tu?
eu temo vida sem um cordeiro por perto em quem despejar as culpas, os remorsos.
somos prisioneiros um do outro.
mais do que isso. alimento um do outro.
alimento putrefacto…
a comida não tem adjetivos.
tu devoraste-me a vida, lobo mau.
tu devoraste-me a vida, cordeiro do diabo.

mas houve um tempo em que me acariciavas a pele.
fazia-o sem mágoa. com a cristalina luz da confiança.
nesse tempo eu achava-te um lobo bom.
e eu achava-te um cordeiro de deus.
mas…
deus não existe. e tu não és senão uma deceção.
e se eu te pedir desculpa.
podes fazê-lo, mas era preciso que eu acreditasse.
em mim?
em ti. em deus. na vida. no amor.
há sempre amor. eu acho que te amo.
não amas nada. tu estás como aqueles da canção do patxi andion. habituado.
queres dizer que pode confundir-se amor com habituação?
claro. na maioria dos casos em que se fala de grandes amores, não se trata mais do que habituação sem sentido. o amor é uma ilusão. um filme sem final feliz. uma laranja amarga. um iogurte fora de prazo.
não me amas, então.
amei-te até desconfiar da tua pele. a desconfiança corroeu-me todo. o peito. a alma.
às vezes culpo-te.
eu culpo-te sempre.
não me dás tréguas.
não. nunca darei. atreveste-te a ser feliz.
queria ser feliz contigo. e achei que querias ser feliz comigo.
sim. mas só contigo. tu teimaste em viver para além de mim.
isso não é saudável.
saudável, minha besta, seria dares-me o que eu te dei. a minha vida. a tua vida.
lamento, lobo mau, vou partir.
não consegues, cordeiro do diabo, estamos presos.
então morrerei.
morrerás. e eu contigo.
morrerei afogado nas tuas lágrimas, lobo.
e eu sufocado no teu sangue, cordeiro.

jpv


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Distância

Distância

Lá longe,
De onde te não vejo,
Lá longe,
Onde nada é igual,
Lá longe,
Cresce o desejo
De beijar-te o chão,
Ó Portugal.
Lá longe,
Em terra de promessas,
Acabas a viagem
Que começas
Em teu extenso e claro areal.

Há essa distância
Que nos separa,
Essa estranha sensação,
E rara,
Que é ter-te sob os pés,
Erguido e inteiro,
E não deixar
De me sentir estrangeiro.

Ser português
É ser de todo o mundo,
Pisar a terra estranha,
Cruzar o céu azul,
Atravessar o mar profundo
À procura de não sei quê.
É encontrá-lo,
Voltar para junto de seu povo,
Dar dois sopros,
Embalar o olhar na esperança
E procurá-lo de novo.
Ser português
É perder-se
Numa ideia,
É reencontrar a coisa perdida
Semi-coberta pela areia
Duma praia salgada.
É reinventar tudo
Com as mãos cheias
De nada.

Ser português
É partir
E é regressar.
É sentir
No peito a saudade
Da Pátria distante e,
Voltando,
Nunca mais cá estar.

jpv


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Ansiedade

Ansiedade

Ansiedade de pisar-te,
Ó terra.
Ansiedade da tua luz.
Ansiedade de alijar
Este fardo,
Afrouxar esta cruz.
Ansiedade das tuas ondas
Limando a costa.
O odor marinho,
O sol doirado,
A mesa posta.
Ansiedade de encurtar o tempo,
De fintar a distância.
Trabalha-me no peito
Esta ânsia…
De ti.

Ansiedade das pessoas
Nos cafés,
Dos jornais desportivos,
Das noites melancólicas
E dos dias festivos.
Ansiedade dos afetos
E da família,
Ansiedade de mim.
Esta errância há de acabar,
Ó terra,
Quando cobrires o corpo
Deste teu filho que erra.

jpv


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Os Poetas Também Amam

Os Poetas Também Amam

A letra.
O verso.
A meta.
A palavra em riste
Na boca do poeta.

A noite
O breu.
A contraluz.
A mão a sentir
Um corpo que seduz.

O olhar.
O encontro.
O momento.
Um corpo dentro de um corpo
Sem espaço nem tempo.

jpv