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Poema do Menino que Dormia

Poema do Menino que Dormia
Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.
Nasci morto.
Cresci cego
E comandado.
E, hoje, não nego,
Morro acomodado
À fuga
Que empreendi.
A vida
Que havia a viver
Fugi.
Perdi-me os movimentos,
Algemei as mãos
E agrilhoei pensamentos.
E quando vim
A libertar-me os intentos,
O mundo não me acreditou…
E não me quis.
Era demasiado
O preço
Do que não fiz.
Estava extinta
A força,
Soçobrada a vontade
Do poeta
De tenra idade
Que acordou
Demasiado tarde.
Julgo ter cá dentro
Um fogo que arde,
Mas são só cinzas…
Um cadáver andante
De grande e vistoso porte
Deambulando pelas ruas,
Putrefacto,
Exibindo a vida da morte.
Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.
Olho à volta
E vejo-me aqui,
No meu centro,
Na periferia de tudo o resto.
Ouço um sino
Longínquo e funesto
E vou a sepultar-me sozinho.
Foi tudo tão triste
E patético
Quanto errar
Uma curva do caminho.
O brilhante e profético
Sonho de ser
Desvaneceu-se.
Era uma vez
Um menino que dormia…
Hoje acordou
E veio ver
O homem que morria.
jpv
Hoje Escrevo
Hoje Escrevo
Sem Jeito

Sem Jeito
Passo à porta
Do teu silêncio
E sinto o bater
Incerto
Do teu peito.
Bate de estranho
E inusitado jeito,
Como se não quisesse bater.
És tu que pressentes
Minha passagem,
Ou nosso amor a morrer?
É um viajante
Que desistiu da viagem,
Ou um rumor
A reviver?
E as palavras que calas,
São como letras soltas
Nos lábios
De uma criança a juntá-las.
Vivem incertas
E temerosas
Atrás da porta
Onde habita teu coração
A bater dentro do peito
Devagarinho
E sem jeito
Para eu não ouvir.
Aproximas-te a fugir
E é esse teu imperioso destino.
Amar um homem grande
Com coração de menino.
Ser mulher crescida
De corpo esculpido e feito
Onde bate um coração
Sem jeito.
jpv
Hoje Escrevo
E, então, Madalena.

E, então, Madalena.
Na distância,
A luz.
No silêncio,
A dor amansada.
Nos teus olhos,
A alvorada da vida.
Nas tuas mãos
A estrada certa
E definida
De amanhã.
No teu sorriso,
um jardim de flores,
Borboletas de todas as cores
Cortando o ar frágil
E incerto.
Na tua recordação,
O longe
Se faz perto.
A vida toda
Podias ser tu.
As alegrias,
As incertezas,
A comoção
De ver-te
Perseguir
Uma bola que rola pelo chão.
Hoje,
Não podes ler estas palavras,
São longas
E complexas
E não rimam
Com a simplicidade ingénua
Da tua idade.
Ainda és frágil
E pequena
Mas, em breve,
Todo o mundo será teu.
E, então, Madalena,
Virás explorar
O peito de um homem que morreu.
Nas palavras
Que se farão curtas
E óbvias.
jpv
Lamento do Viajante Solitário
Lamento do Viajante Solitário
Já te sinto ao longe,
Ó sol redondo e grande e vermelho
Que nasce ao contrário
E se põe nas minhas costas.
Já te sinto sob os pés,
Ó terra de sangue
Que cheira a vida
E brota meninos descalços.
E amo as tuas cores
E as tuas gentes
E sinto tudo
O que sentes.
Já te pressinto a humidade
E o calor,
Já te vejo a bátega torrencial
De impiedosa chuva,
E já oiço as saudações
Dos vizinhos e dos amigos.
E já escuto o que o povo canta
O que o puto anónimo diz.
E sou feliz.
Por ti. Em ti. Contigo.
És minha essência
E minha verdade.
És meu chão,
Minha pátria de vencer,
Acolhimento e aconchego.
E choro.
Há outra terra.
Escura e fria.
Onde chove de noite
E neva de dia.
E há uma lareira ardente
Que se paga,
Uma porta que se tranca,
Uma janela que se fecha,
Um cão que baixa a cabeça
E chora por dentro.
E há um filho órfão de mim,
E uma família acenando
Um incerto e chorado adeus.
Há amigos que sorriem de dor
E querem atenuar os meus
Pecados.
Esses,
Cometidos estão.
E só se redimem de verão em verão.
Amo uma e outra
E não há nesse amor
Culpa nem perdão.
Mas há a distância.
Há a errância.
Há a solidão.
Há um estar sempre
Onde se não está,
Esse constante cá e lá
Que dói e fulmina
A intenção.
E cresce em mim a intraduzível saudade
Um peito que se enche
E esvazia,
Um não saber que querer
Querendo tudo,
Um poeta,
Um bardo no peito,
Um estar sempre sem jeito.
Uma viagem
E um viajante para ela,
Homem tisnado e forte
Que estende e iça a vela
E chora seu fado,
Lamento solitário…
jpv
No Trilho dos Escritores Moçambicanos – Rui Nogar
No Trilho dos Escritores Moçambicanos
Viveu de perto desigualdades e injustiças, quer no subúrbio laurentino, que «conhecia como os seus dedos», quer no seu percurso profissional: trabalhou junto dos carregadores do cais e como praticante de escriturário nos Caminhos de Ferro de Moçambique, funções que só não foram mais humildes porque, como disse, «era impossível ser servente. Na altura só os havia de raça negra». Posteriormente, foi copywriter, contabilista e redactor em diversos títulos da imprensa, como a Tribuna ou O Brado Africano.
Com Craveirinha, participou nas actividades da Associação Africana, aí se notabilizando como declamador. Foi, aliás, na sequência de uma das sessões culturais dinamizadas naquela associação, em 1953, que a polícia política o deteve pela primeira vez. Os seus poemas mais antigos datam de 1954-55 e surgem em O Brado Africano e no Itinerário. Nessa época, reconhecia «ser mais provocador de vocações do que ser ele próprio vocacionado», mas acabou por assumir a escrita como um instrumento de expressão do seu «mundo interior», o que, nas suas palavras, significava tudo «aquilo que nós achávamos justo», tudo o que «pensávamos realmente não poder continuar a acontecer à nossa volta».
http://www.revistarubra.org/?page_id=1263
As Cores da Capulana – Nkombela, Por Favor!
Nkombela, Por Favor!
Uma bandeira branca,
Uma mão no ar,
Uma marcha que arranca
Uma só voz a cantar.
E uma gente que pede,
Nkombela, por favor,
Milhares de almas gritam
Um povo farto de dor.
E vês passar, na televisão,
E parece longe e distante,
Súbito te agarram pelo coração
E entras na turba gritante.
Não é de guerra
A gente que trabalha.
Não é de morte
A gente que sacrifica.
Não é de ódio
A gente que sorri.
Não merecia dor,
Por um dia que fosse,
A gente que te acolhe
Com um olhar terno e doce.
Não sei as palavras complicadas,
Não tenho as soluções complexas,
Nem as influências acertadas.
Tenho só a humildade da palavra
Que também leva vontade e fulgor:
Libertai a Paz em Moçambique,
Nkombela, por favor!






