Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Tesouro

Tesouro
Teus cabelos são de ouro
E dão a luz que precisa
Todo o tesouro
Mas porque és tu tão indecisa ?
SS (15 anos)


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Poema do Menino que Dormia

Poema do Menino que Dormia

Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.

Nasci morto.
Cresci cego
E comandado.
E, hoje, não nego,
Morro acomodado
À fuga
Que empreendi.

A vida
Que havia a viver
Fugi.

Perdi-me os movimentos,
Algemei as mãos
E agrilhoei pensamentos.

E quando vim
A libertar-me os intentos,
O mundo não me acreditou…
E não me quis.

Era demasiado
O preço
Do que não fiz.

Estava extinta
A força,
Soçobrada a vontade
Do poeta
De tenra idade
Que acordou
Demasiado tarde.

Julgo ter cá dentro
Um fogo que arde,
Mas são só cinzas…

Um cadáver andante
De grande e vistoso porte
Deambulando pelas ruas,
Putrefacto,
Exibindo a vida da morte.

Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.

Olho à volta
E vejo-me aqui,
No meu centro,
Na periferia de tudo o resto.

Ouço um sino
Longínquo e funesto
E vou a sepultar-me sozinho.

Foi tudo tão triste
E patético
Quanto errar
Uma curva do caminho.

O brilhante e profético
Sonho de ser
Desvaneceu-se.

Era uma vez
Um menino que dormia…
Hoje acordou
E veio ver
O homem que morria.

jpv


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Hoje Escrevo

Pesa-me o universo na leveza infinita do meu sorrir.
M


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Hoje Escrevo

Querem as palavras
Fazer de mim tela
Pintando meus dias
Em tons mil.
Sou arco-íris.
Em mim cabem todas
As cores do mundo.
Querem as palavras…
… e eu deixo-me colorir.

M


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Sem Jeito

Sem Jeito

Passo à porta
Do teu silêncio
E sinto o bater
Incerto
Do teu peito.
Bate de estranho
E inusitado jeito,
Como se não quisesse bater.
És tu que pressentes
Minha passagem,
Ou nosso amor a morrer?
É um viajante
Que desistiu da viagem,
Ou um rumor
A reviver?

E as palavras que calas,
São como letras soltas
Nos lábios
De uma criança a juntá-las.
Vivem incertas
E temerosas
Atrás da porta
Onde habita teu coração
A bater dentro do peito
Devagarinho
E sem jeito
Para eu não ouvir.

Aproximas-te a fugir
E é esse teu imperioso destino.
Amar um homem grande
Com coração de menino.
Ser mulher crescida
De corpo esculpido e feito
Onde bate um coração
Sem jeito.

jpv


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Hoje Escrevo

De que é feito este silêncio?
De mornas brisas?
De ondas inquietas?
De luar sedutor?
Talvez seja sinfonia desta vida adiada…

M


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E, então, Madalena.

E, então, Madalena.

Na distância,
A luz.
No silêncio,
A dor amansada.
Nos teus olhos,
A alvorada da vida.
Nas tuas mãos
A estrada certa
E definida
De amanhã.
No teu sorriso,
um jardim de flores,
Borboletas de todas as cores
Cortando o ar frágil
E incerto.
Na tua recordação,
O longe
Se faz perto.

A vida toda
Podias ser tu.
As alegrias,
As incertezas,
A comoção
De ver-te
Perseguir
Uma bola que rola pelo chão.

Hoje,
Não podes ler estas palavras,
São longas
E complexas
E não rimam
Com a simplicidade ingénua
Da tua idade.

Ainda és frágil
E pequena
Mas, em breve,
Todo o mundo será teu.
E, então, Madalena,
Virás explorar
O peito de um homem que morreu.

Nas palavras
Que se farão curtas
E óbvias.

jpv


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Lamento do Viajante Solitário

Lamento do Viajante Solitário

Já te sinto ao longe,
Ó sol redondo e grande e vermelho
Que nasce ao contrário
E se põe nas minhas costas.
Já te sinto sob os pés,
Ó terra de sangue
Que cheira a vida
E brota meninos descalços.
E amo as tuas cores
E as tuas gentes
E sinto tudo
O que sentes.
Já te pressinto a humidade
E o calor,
Já te vejo a bátega torrencial
De impiedosa chuva,
E já oiço as saudações
Dos vizinhos e dos amigos.
E já escuto o que o povo canta
O que o puto anónimo diz.
E sou feliz.
Por ti. Em ti. Contigo.
És minha essência
E minha verdade.
És meu chão,
Minha pátria de vencer,
Acolhimento e aconchego.

E choro.
Há outra terra.
Escura e fria.
Onde chove de noite
E neva de dia.
E há uma lareira ardente
Que se paga,
Uma porta que se tranca,
Uma janela que se fecha,
Um cão que baixa a cabeça
E chora por dentro.
E há um filho órfão de mim,
E uma família acenando
Um incerto e chorado adeus.
Há amigos que sorriem de dor
E querem atenuar os meus
Pecados.
Esses,
Cometidos estão.
E só se redimem de verão em verão.

Amo uma e outra
E não há nesse amor
Culpa nem perdão.
Mas há a distância.
Há a errância.
Há a solidão.
Há um estar sempre
Onde se não está,
Esse constante cá e lá
Que dói e fulmina
A intenção.
E cresce em mim a intraduzível saudade
Um peito que se enche
E esvazia,
Um não saber que querer
Querendo tudo,
Um poeta,
Um bardo no peito,
Um estar sempre sem jeito.
Uma viagem
E um viajante para ela,
Homem tisnado e forte
Que estende e iça a vela
E chora seu fado,
Lamento solitário…

jpv


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No Trilho dos Escritores Moçambicanos – Rui Nogar

No Trilho dos Escritores Moçambicanos


Eu não descobri o Rui Nogar. Foi ele que me encontrou. Um livro dele, mais precisamente. O único livro que Rui Nogar publicou: “Silêncio Escancarado”. É um livro de poesia.

Estou a reagir a quente. Adorei cada poema. Cada um melhor que o outro. Uma dor constante, uma revolta interior, um balançar entre Portugal e Moçambique, um profundo conflito com o Cristianismo, um fervor e uma paixão constantes. Intrinsecamente político, contundente, de palavra veloz e dura. É moçambicano, sim, mas é também um poeta do mundo, universal.

Enfim, o melhor é que leiam e avaliem por vós. Afinal, o melhor que podemos fazer quando encontramos um escritor de que gostamos, é partilhá-lo.
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Do amor pelas pedras

se fores capaz
de amar uma pedra

se conseguires amar um pedra
dessas a que chamam calhaus
vulgaríssimas na sua textura
inconsequentes nas intenções
e que rolam no leito dos rios
desgastando-se até ao absurdo

uma pedra que julgamos inútil
sem outra beleza que não seja
a que só tu lhe podes emprestar

 se fores capaz de amar essa pedra
ama-a
acarinha o seu silêncio
responde ao seu mutismo
iletrado irreflexo
ama essa pedra
mesmo que te chamem louco
e que se riam na cara que hasteaste
no mastro da tua irreverência

e se for preciso
se os não loucos
forem longe longe demais
nas suas vaias
seus arremedos insultuosos
atira-lhes então a pedra
atira-lhes então a pedra
com toda a força do teu amor
com todo o poder transfigurador
das tuas mais íntimas convicções
ah com a violência que te possui
nos momentos em que és capaz
de amar uma simples pedra
que a tua sensibilidade vitalizou

atira-lhes essa pedra
atinge-os em cheio
e esmaga
esmaga as conveniências
que a burguesia libidinou
para que os outros
um dia saibam
que o absurdo apenas mora
onde jamais será pssível
florescer um amor qualquer

e tu
tu amarás essa vulgar pedra
quer eles queiram quer não
como se ama
apaixonadamente
a independência da nossa pátria
a liberdade de qualquer povo
——————————————————
 
Nota Biográfica
 
Rui Nogar é o pseudónimo de Francisco Barreto, filho de emigrantes brancos oriundos de Goa, nascido em Lourenço Marques, a 2 de Fevereiro de 1932, e falecido em Lisboa, a 11 de Março de 1993.Após a morte do pai, abandonou os estudos secundários, a fim de prover ao sustento da família. Considerava-se um autodidacta, cuja formação devia tanto ao exemplo dos pais como ao de professores, exilados políticos portugueses, que o alertaram para as questões sociais e a necessidade de as problematizar no contexto colonial.
Viveu de perto desigualdades e injustiças, quer no subúrbio laurentino, que «conhecia como os seus dedos», quer no seu percurso profissional: trabalhou junto dos carregadores do cais e como praticante de escriturário nos Caminhos de Ferro de Moçambique, funções que só não foram mais humildes porque, como disse, «era impossível ser servente. Na altura só os havia de raça negra». Posteriormente, foi copywriter, contabilista e redactor em diversos títulos da imprensa, como a Tribuna ou O Brado Africano.
Com Craveirinha, participou nas actividades da Associação Africana, aí se notabilizando como declamador. Foi, aliás, na sequência de uma das sessões culturais dinamizadas naquela associação, em 1953, que a polícia política o deteve pela primeira vez. Os seus poemas mais antigos datam de 1954-55 e surgem em O Brado Africano e no Itinerário. Nessa época, reconhecia «ser mais provocador de vocações do que ser ele próprio vocacionado», mas acabou por assumir a escrita como um instrumento de expressão do seu «mundo interior», o que, nas suas palavras, significava tudo «aquilo que nós achávamos justo», tudo o que «pensávamos realmente não poder continuar a acontecer à nossa volta».

Mais informação sobre Rui Nogar, aqui:
http://www.revistarubra.org/?page_id=1263

 


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As Cores da Capulana – Nkombela, Por Favor!

Nkombela, Por Favor!

Uma bandeira branca,
Uma mão no ar,
Uma marcha que arranca
Uma só voz a cantar.
E uma gente que pede,
Nkombela, por favor,
Milhares de almas gritam
Um povo farto de dor.
E vês passar, na televisão,
E parece longe e distante,
Súbito te agarram pelo coração
E entras na turba gritante.

Não é de guerra
A gente que trabalha.
Não é de morte
A gente que sacrifica.
Não é de ódio
A gente que sorri.
Não merecia dor,
Por um dia que fosse,
A gente que te acolhe
Com um olhar terno e doce.

Não sei as palavras complicadas,
Não tenho as soluções complexas,
Nem as influências acertadas.
Tenho só a humildade da palavra
Que também leva vontade e fulgor:
Libertai a Paz em Moçambique,
Nkombela, por favor!

jpv