Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – Tempestade

Crónicas de África – Tempestade

O dia amanheceu radioso, pelas seis da manhã, o sol sentia-se bem na pele e havia aquele esplendor luminoso da luz irradiada e aspergida pela Terra dos homens. Uma coisa que se aprende em África, rapidamente, é que a Natureza tem muita força. Desde as bactérias de uma alface por lavar que fazem percorrer o calvário da casa-de-banho vezes sem conta, passando pela pele de um peixe que não se deveria ter comido e que deixa o corpo pintado de encarnado e branco como um equipamento do Benfica, às enxurradas de vinte minutos de chuva que parecem querer lavar toda a superfície da Terra e, claro, ao fulgor de uma tempestade. A manhã aqueceu bem. Pela hora de almoço, estavam mais de trinta graus e foi por essa altura, também, que o ar deu em ficar meio húmido. Sentia-se o vapor de água na atmosfera. Pelo meio da tarde, levantou-se uma brisa leve e, ao longe, o céu, até então azul celeste, começou a pintar-se de um azul inox intenso. A conclusão foi certeira porque óbvia: vem lá borrasca! E se veio. O vento levantou-se, o capacete nublado cobriu a cidade que, dada a sua situação geográfica, quando é coberta por nuvens de tempestade, estas ficam muito baixas, muito próximas do solo. Os clarões de luz têm uma intensidade irrepetível e o som dos trovões é atroador, os vidros das janelas cantam e, com o tremor da trovoada, saltam bocadinhos de estuque que prendem os vidros das tais janelas e os alarmes dos carros dão em disparar feitos loucos como se alguém estivesse baloiçando as viaturas. A água chega de mansinho e em segundos as pingas da anunciação da chuvada se convertem em generosas e ruidosas bátegas. É um espetáculo fabuloso, belo, imponente e, ao mesmo tempo, a pôr em sentido a alma das gentes, mesmo daqueles que se dizem imunes a esses inconfessados temores.

Eu, sempre que chega um momento destes, colo-me ao vidro de uma janela como uma criança que vê televisão pela primeira vez  e deixo-me maravilhar pelo recorte da luz na escuridão.

Hoje trago-vos três momentos que captei esta noite da janela da minha sala. Uma foto entre clarões, ou seja, com a luz natural da noite que é quase nenhuma, um breu cerrado. Uma foto do auge de um clarão. A foto não tem nenhum tratamento. Aquela luz é toda do clarão do relâmpago. Sem corantes nem conservantes! Sim, há dias de sol menos luminosos! E, por fim, meia dúzia de segundos de filme do céu passando de negro a riscado pelos raios.


É assim, a Mãe Natureza, em Maputo!

 Foto entre relâmpagos com a luz natural da noite:

 Foto do clarão de um relâmpago:

 Os raios cortando o breu nos céus de Maputo:


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Poema Relâmpago

Poema Relâmpago

A terra sangra
O calor
E as águas volumosas
Da chuva.
O céu rebenta,
Poderoso,
E faz-te sentir pequeno,
Outra vez.
A humidade
Ocupa o ar doce
E envolvente.
A alma assustada,
O corpo quente.
O céu avança
Majestoso,
Invade a tua vontade
E, mesmo antes de perceberes,
Semeia-lhe o medo.
Segue-se o batismo copioso
Que lava tudo,
Arrasta tudo…
Foi um instante
E nada está como era.
O sol brilha já
E na tua alma
Reergue-se a quimera.
Secou tudo
Sem rasto.
És humano pasto
Para a vontade da Natureza.
Ela, a força,
Tu, a fraqueza!

jpv


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Natureza Viva

Este blogue também faz serviço público, nomeadamente, procedemos à publicação de textos de amigos e conhecidos que no-lo solicitem. Outras vezes, deparamo-nos com os textos e pedimos autorização para os publicar aqui. Foi o que aconteceu com este. Ora digam lá que não valeu a pena?
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Natureza Viva
Pela estrada, caminhei energicamente porque o ar estava fresco e, até, ligeiramente frio… Mal deixei de ver as casas e mergulhei na verdura das árvores que ladeavam o caminho, percebi que estava já imersa na mundivivência do bosque e que a floresta me acompanhava. As raras viaturas que passavam pontualmente deixaram de existir. Estava bem agasalhada, mas ainda assim, calcei as luvas, puxei o pelinho do casaco junto às faces para proteger as maçãs do rosto e os lábios do frio, e desci até ao vale, metro após metro…
Por toda a parte, do meu lado da estrada, mais perto, do outro lado ainda, mas bem audíveis, chegavam ao meu tímpano sensível milhentos sons esfuziantes do canto matinal das aves que não distinguia, abrigadas nas belas ramagens outonais de tons verdes diversos, amarelos, laranjas e castanhos. Eram estridências, guizos e assobios delicados ou viris, mas sempre diferentes, dando eco aqui e ali a um apelo, um som encantatório, uma mensagem cruzada e secreta…
Junto aos meus pés, uma bola pequena de uma cor pungente de cereja, ela própria revestida por minúsculas bolinhas de aspecto quase aveludado. Caí em tentação, olhei a árvore donde provinha o fruto promissor: a árvore do medronho.
Sem pensar, ajoelhei-me, peguei delicadamente no fruto, percebi que estava limpo e pelo tacto, muito maduro… Num impulso de sofreguidão, desejei prová-lo. Com a língua, abri-o facilmente e descobri que estava, como parecia, maduríssimo. Suguei com fervor a polpa macia, de um amarelo alaranjado vivo. Sabia maravilhosamente bem, evitei comer a pele por prudência e ansiei por mais. Olhei para cima. Havia na árvore bolinhas de um vermelho apetitoso, lá no alto… E eu cheia de pressa, sem a possibildade de improvisar trepar pelo muro coberto de hera até à árvore esguia…
Prossegui a caminhada e nem me senti tonta, o efeito do álcool não deve aparecer no fim da estação…Ou será por só ter tido a ocasião de pecar tão pouco?
TR