Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Dia de Anos


Olá Mamã!

Ao longo dos anos, acordaste-nos as manhãs de aniversário citando, de cor, o poema “Dia de Anos” de João de Deus. Claro que mudavas sempre o dia da semana e mesmo quando calhava ao sábado ou ao domingo não te atrapalhavas. Dizias “sábado sem feira” ou “domingo sem feira” e mantinhas a rima.

Nunca foste muito de grandes celebrações, mas nunca te esqueceste de nos fazer sentir especiais. Era como se fôssemos a única pessoa do mundo nesse dia. Nesse e nos outros, mas nesse havia um brilho especial.

Pois, agora que estou cá longe, não posso dar-te um beijinho sentido no aperto do teu abraço, mas posso fazer-te sentir especial dizendo que, de todas as mulheres que conheço e poderiam ter sido minhas mães e mesmo das que não poderiam, nenhuma tem o condão de me fazer sentir sempre menino, mesmo a rondar os cinquenta, como tu tens. Nenhuma mãe teria feito de mim, o jovem e o homem que tu criaste. Com a coragem dos seus defeitos e a determinação das suas virtudes.

Acho que, além do olho azul e do ego inflado, herdei de ti a determinação, a incapacidade de desistir, a força de nunca ficar a olhar para um problema sem lhe vislumbrar, de imediato, a  solução. Erramos. Claro que erramos. Mas, como a mesma celeridade com que erramos, corrigimos, e dizemos o que temos a dizer a quem temos de dizer.

Gosto muito de ti Mamã! Tanto que até dói. Gostei sempre. Gostarei sempre. E saberei sempre que estarás sempre junto a mim independentemente de onde se encontrem os nossos corpos. Nós amamo-nos para além dessa materialidade. Amamo-nos eternamente!

Parabéns, Mamã! Para sempre, Mamã!

João Paulo
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Dia de anos
Com que então caiu na asneira

De fazer na quinta-feira

Vinte e seis anos! Que tolo!

Ainda se os desfizesse…

Mas fazê-los não parece

De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse

Que fez  a mesma tolice

Aqui o ano passado…

Agora o que vem, aposto,

Como lhe tomou o gosto,

Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal; porque os anos

Que nos trazem? Desenganos

Que fazem a gente velho:

Faça outra coisa; que em suma

Não fazer coisa nenhuma,

Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!

Olhe que a gente começa

Às vezes por brincadeira,

Mas depois se se habitua,

Já não tem vontade sua,

E fá-los, queira ou não queira!
João de Deus


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Mar de Medos

Mar de Medos

Na sua ingenuidade,
A criança pergunta:
– Nós somos felizes, mamã?
E ela disse-lhe que sim,
Escondendo-lhe o que sentia.
Havia nessa felicidade
Um excesso,
Uma perfeição que temia.

– Tenho medo de sermos tão felizes!
Confessou na surdina da intimidade
Ao amado e marido,
No momento em que dormiam os petizes,
E o segredo não podia ser ouvido.
Mas foi.
Desfez-se a ilusão onde mais dói,
Nessa tenra e pura idade
Em que se não desconfia
Que, para além da vida,
Há realidade.

E, hoje, aqui defronte do mar,
Azul e intenso, rimbombando seus segredos,
Luto com meus e antigos medos
E quero perguntar como na longínqua manhã:
– Nós somos felizes, mamã?

jpv