Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Hoje vi um escritor

Hoje vi um escritor. Às vezes vejo publicadores. Normalmente, os publicadores auto-intitulam-se de escritores e quando o fazem, nós percebemos que o não são. Era uma sessão solene com homenagens e figuras públicas e institucionais a emoldurarem o cenário onde se desenrolou a mesa redonda que nem reparei se era redonda mesmo ou só no nome. E os fatos e as gravatas e os perfumes e as palmas e os apertos de mão e as mãos no ar a pedir a palavra e as perguntas e as respostas a persegui-las. E o escritor, de sorriso cândido e palavra genuína disse Eu estou num processo de aprendizagem, na busca de um provável escritor em mim. E calou-se. E eu vi o escritor nele. E depois retomou a palavra e disse outros espantos, que tinha decalcado muitos textos dos outros, do José Craveirinha, dizia ele, lia os textos e decalcava a ver se ficava como ele e confessava o plágio e eu lembrava-me a mim mesmo que os romanos incentivavam isso, fomentavam o plágio dos bons autores como arte de aprender. E era a hora das receitas e eu com medo. Se ele me vem dizer em que posição se escreve um romance, quantas páginas se deve escrever por dia, com que braço, com que caderno, a que velocidade, eu levanto-me daqui e vou perder o tempo para outro lado, quem sabe, comer uma omeleta no Piri-piri. Mas ele calou-me a intenção. O escritor. Jovem. Humilde. Sabedor. E disse como quem se escusa de ensinar, ensinando, Às vezes aprendemos as técnicas inconscientemente. Como é verdade, jovem escritor. Como é verdade que tantas vezes é a escrita que nos ensina a escrever, que nos mostra a vida e o caminho das palavras. Como é verdade que às vezes acordamos para as palavras e elas já lá estão. Eu vejo o escritor como um parasita que se alimenta de leituras. Tens razão. E de gente. E movimentos. E de palavras ditas. E de vida e de tudo o que seja observável. Sabes, escritor, às vezes vou no carro a conduzir e a companheira vai falando, falando, desenhando a vida, planeando os gestos e depois pergunta-me a opinião e eu Hã?! e ela se zangando porque eu não estava a ouvir. Em que vais a pensar? Quer saber. Vou a escrever. E escrevo sem caneta nem papel, na cabeça, enquanto remexo no que vi, observei, em última análise, no que li. E tinhas de falar das técnicas e dos rituais. Pediram-te. E tu que não queres nada disso, tudo o que queres é escrever, disseste a outra verdade, Cada escritor inventa os seus rituais. Pois é. Uns andam de braço dado com a boémia, outros se levantam de madrugada, outros são obesos e sedentários, outros ainda correm e suam no ginásio, outros é quando chove, outros é nas férias, havia um que era de pé e outro que era nas costas desnudadas das amantes saciadas. E de ti sabemos o essencial proferido com as palavras simples e exatas. Sem receitas. Sem truques nem artifícios. Escrevo sob o signo da surpresa, da subversão e da loucura. E eu bebia-te as palavras, a simplicidade da presença afável e humilde em lições jovens de vida e de estar. Hoje vi um escritor, a metamorfose constante do homem que regurgita a vida para os outros e lha oferece limpa de si, cristalina e depurada. Crua.
jpv
Hoje, numa sessão do xxv Curso de Literatura em Língua Portuguesa promovido pelo Instituto Camões e pela Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, ouvi e bebi as palavras de um jovem e promissor escritor moçambicano: Lucílio Manjate. A não perder o escritor que aí vem.

Lucílio Manjate


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A Culpa é da Língua Portuguesa

Olá!

Lembram-se de uma discussão no parlamento português, aqui há umas semanas atrás, sobre se um tipo podia voltar a ser Presidente da Câmara ou Presidente de Câmara?

Pois, a verdade é que tenho cá em casa um patê que sofre do mesmo mal. É uma patologia denominada de “A Culpa é da Língua Portuguesa”. Eu explico. Comprei em Maputo um patê produzido em Portugal que, diga-se de passagem, é muito saboroso, faz uma excelente sandes e chama-se “Patê Perdiz”. Ora, quando entramos num supermercado e vemos na prateleira um patê chamado perdiz, achamos que ele é de quê? Perdiz, certo? Pois, acontece que este patê está num frasco que tem escrito “Patê Perdiz”, não tem escrito “Patê de Perdiz”. Ou seja, o burro fui eu que não percebo nada de Língua Portuguesa, embora a ensine. A verdade é que se não está lá o de, então pode chamar-se perdiz mas ser de… de… de… fígado de porco! Mai nada! A verdade é mais complexa. Aquilo tem toucinho de porco e carne de perdiz num fabuloso total de 19%. Depois tem fígado de porco em quantidade incerta e por fim tem uma carrada de ingredientes e conservantes todos misturados. Esta doença atua assim: os produtores fizeram o patê e queriam chamar-lhe “Patê Mixórdia de Carnes”, mas sempre que iam para escrever o título, a única palavra que conseguiam escrever era perdiz! É uma desgraça. Assim uma espécie de dislexia dos valores! Parece que ainda não tem cura.

Enfim, deixemo-nos de coisinhas pequenas e morfemos alarvemente o dito patê. Uma coisa é certa, teremos sempre a certeza de que uma qualquer parte de 19% do frasquinho foi em tempos uma alegre e bem disposta perdiz!

Coitadinhas da ceboila e da cenoira, estavam desidratadinhas de todo!

— jpv —


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Crónicas de Maledicência – Ainda o Tento na Língua

Crónicas de Maledicência – Ainda o Tento na Língua


Faz pouco tempo escrevi uma Crónica de Maledicência sobre erros ortográficos na TV, em direto, como sinal de falta de rigor e cuidado no trato da Língua Portuguesa.

Pouco tempo passado, deparo-me com um outro tipo de erro, menos frequente, mais grave. Desta vez na versão online de um jornal, o “Correio da Manhã”. Trata-se de um erro de impropriedade vocabular. Consiste  em usar uma palavra julgando que ela tem um significado quando, na verdade, tem outro. O erro é até comum, mas inadmissível quando se trata de órgão de comunicação social. Consiste na confusão entre sob e  sobre. Sob significa “debaixo de”. Sobre significa “por cima de”. Naturalmente que os significados se mantêm mesmo quando o contexto não é espacial.
O jornal refere que um determinado jogador de futebol está “sobre a alçada” de uma instituição, ou seja, debaixo da sua influência e competência de decisão, logo, a palavra que o jornal deveria ter utilizado seria “sob”. O título ficaria “Luisão sob alçada disciplinar da Federação”. E assim é que ficaria correto. Lamentável, portanto. A atitude do jogador e a escrita do jornalista!

Tenho dito!
jpv


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Crónicas de Maledicência – Tento na Língua


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Crónicas de Maledicência – Tento na Língua

Ontem estava a ver notícias sobre os Jogos Olímpicos na TVI 24 e catrapuz, espetam-me com um comentário de rodapé com um erro ortográfico. Tive tempo de ligar o telemóvel, tirar a foto calmamente e guardá-la até que retirassem de lá o comentário.

Adultos e crianças estiveram a ver aquilo, ou seja, expostos a um erro ortográfico grosseiro, durante um período de tempo considerável.

Mesmo tendo em conta que a Língua Portuguesa não é fácil, mesmo tendo em conta que o Acordo Ortográfico não veio ajudar a clarificar nem a facilitar, mesmo tendo em conta que eu sou um picuinhas com as questões da Língua Portuguesa, parece-me que um órgão de comunicação social deveria ter outro cuidado, outro rigor e uma atenção especial para as questões da nossa Língua. De resto, o erro que se vê na imagem nem sequer é uma gralha. Trata-se de um clássico!

Enfim, este fenómeno não é um exclusivo da TVI 24, infelizmente! Aparece por todas as estações de televisão e a verdade é que bastava um pouco mais de atenção e… tento na língua!

Tenho dito!

jpv