Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Crónicas de África: Car Wash Made By Boane

Car Wash Made By Boane

Maputo, 2 de março de 2014

O interessante de se combinar um almoço com o Marco e a Sandrine é que sabemos onde vamos almoçar, mas nunca sabemos onde vamos parar. Normalmente, deparamo-nos com pequenas e singelas surpresas que, para nós, têm a vantagem de ficarmos a conhecer melhor as gentes de Moçambique, os caminhos e as povoações por onde, habitualmente, não passam muitas viaturas.

Como quase tudo por aqui, a ideia foi espontânea e a coincidência também. Tínhamos acabado de combinar os dois, eu e a minha senhora, dar um passeio pela Matola, depois de almoço. Só para ir conhecer melhor. Nesse instante, toca o telefone e, vá se lá perceber as voltas da vida, era o Marco a perguntar se não queríamos ir almoçar com eles à Matola! Pizza no Mimmos, em pleno jardim, resulta sempre agradável. Depois, uma tarte de frutas na Pastelaria Princesa e estávamos prontos para regressar a casa. Mas o Marco é naturalmente irrequieto e a pergunta veio, Vamos dar uma volta? Levamos só um carro… Passear é sempre bom. Tínhamos estado a teimar, durante o almoço, eu dizia que a Matola tinha porto, ele dizia que não, até lhe mostrei no telemóvel. Começámos por aí. Visitámos as salinas, o tal do porto, e eu a levar com banho de realidade, e começámos depois um percurso maioritariamente por estradas de terra que nos haveria de levar até Boane. Gentes tranquilas com gestos de sempre, umas tranças que se fazem, umas roupas que se estendem, umas casas humildes e umas pessoas simples e sorridentes a marcar a tarde. Uns miúdos em correria atrás de uma bola, uns pássaros azuis, uns ritmos sossegados lá longe da cidade onde não chegam ruídos agressivos nem a evolução plastificada dos tempos, mas onde há paz.

Percorremos ao contrário, em contra-corrente, o rio Matola, os açudes, as curvas do curso de água, a vegetação verdejante, os pescadores de domingo e as marcas do tempo em comportas que já lá não estão. Em Belo Horizonte, vimos as condutas que levam a água para a grande cidade. Até fizeram uma ponte para a água passar por cima da água… do rio. Águas cruzadas. E um miúdo de dez anos, corpo franzino e olhar vivo, subia à ponte e saltava para o rio, os outro riam-se e pegavam com ele, Eu conheço aí um crocodilo, ele me disse que vai te pegar. E o miúdo nadava para a margem, corria para a ponte, abria os braços e voava. Nessa tarde, não vi ninguém mais livre do que ele. Algures no mato, abriu-se um campo de bola, jogava o Porto contra o Barcelona, e havia outros a correr atrás da bola, sem camisola, uns de chinelos, outros de chuteiras mais largas que o pé e outros só com o pé. O remate foi frouxo. Saiu ao lado. Em Boane, o Marco tomou uma estrada para a esquerda e quando me chamou a atenção para a paisagem, eu arrepiei. Claro que conhecia. Claro que identificava. Claro. Só faltava o Leonardo Di Caprio.
– Viste o Blood Diamond?
– Sim, várias vezes, é um filme soberbo.
– Olha ali!
E apontou para uma elevação montanhosa com uma torre de vigia esquisita porque tem quatro ferros ao alto, um em cada canto e, a seus pés, uma enorme e antiga ponte de ferro…
– Ali é onde ele foge…
– Sim, grande parte do filme foi rodado em Moçambique.
É fácil reconhecer e identificar os espaços porque são muito marcantes. 

Mais à frente uma pequena ponte a atravessar um curso de água. Reparámos que não havia carros em cima da ponte, mas que estavam vários debaixo dela, dentro do rio. Coisas de África. A água corre límpida e forte, mas não tem mais do que um palmo de altura, as pessoas aproveitam a circunstância do piso ser transitável, circulam junto aos alicerces da ponte, param os carros e lavam-nos com água corrente. Vêm meninos a correr oferecer os seus serviços de lavadores, estabelece-se o preço da empreitada, mas a água tem vida, tem frescura, limpa o corpo e a alma e nem um de nós ficou dentro do carro. O Marco, a Sandrine, nós, os miúdos, toda a gente descalça a refrescar a mente e a ajudar os trabalhadores e a água a correr, viva, e a salpicar as roupas. A Natureza dá, o Homem aproveita. O Homem e os meninos! As pessoas ficam por ali a ver a água correr, a lavar os carros, a tomar banhos de rio fresco e límpido, a fazer domingo com poucas regras, pormenores de vida vivida em liberdade só já possíveis onde a terra é vermelha. Lembrei-me de Portugal. Que aconteceria em Portugal se os carros decidissem passar por baixo da ponte e não por cima? E se decidissem tomar banho debaixo da ponte? Xiii… ia haver decretos a serem invocados, e a segurança, e placas a proibir, as leis para cumprir. Em Boane há uma ponte e a lei que corre debaixo dessa ponte é a da vida e a da vontade das pessoas. Regressámos. Os miúdos vieram lá atrás, na caixa, cabelos ao vento, aventura no peito. Comprámos pão de lenha contado e servido com a mão do homem. E frango de churrasco. Era já noite quando acabou o nosso almoço. Esse almoço que começou na coincidência de uma vontade, visitou terras e gentes de paz, revisitou o Leonardo Di Caprio, fez car wash no rio que corre e acabou no odor do pão que o lume da lenha cozeu. Car Wash Made By Boane. Ou então, Sunday Afternoon Made By Africa!

jpv
———————————-
Fotos do Dia:
 Porto da Matola

 Condutas de Água, Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Boane

  Boane

  Boane

  Boane

 Boane


4 comentários

Crónicas de Maledicência – A Contas com a Lei

Crónicas de Maledicência – A Contas com a Lei

Antes que sejam apanhados de surpresa, é preciso que os meus familiares, amigos, leitores, colegas de trabalho, enfim, todos aqueles que possam ter alguma espécie de relacionamento comigo, saibam que estou a contas com a Lei. E, como é sabido, com a Lei não se brinca.

E o mais grave é que eu não transgredi a Lei uma vez só. Fui transgredindo ao longo dos anos e vai daí devo ter um acumulado de coimas acima das minhas possibilidades. Além disso, por despudor, que assumo, transgredi a Lei publicamente exibindo e ostentando orgulho naquilo que fazia. 

Como sabem, estou em Moçambique e venho revelar-vos que não sei se alguma vez mais voltarei a Portugal, porquanto a gravidade das sucessivas infrações deve ter como pena, além das coimas e do tempo de cadeia, alguma espécie de exílio para que fique impedido de reincidir como vem sendo meu nefasto hábito.

Peço desculpa àqueles que acreditaram em mim e se associaram comigo e me deram a honra de ser meus amigos. Peço desculpa se os envergonho. E peço desculpa a Portugal por tão séria e continuada prevaricação.

A verdade é que eu tenho três, não um, nem dois, mas três cães! Não satisfeito, resolvi regozijar-me com a posse de uma pónei, quatro cabrinhas anãs e três tanques carregados de peixes, assim, horror dos horrores, a perder a conta. Os cães estão distribuídos da seguinte forma. Dois ficam na cama do meu filho que dorme no tapete. Eu sei, é a desgraça total! Mas o rapaz não gosta de dormir na cama. Diz que lhe doem as costas. Um dorme aos pés da minha cama, numa alcofa de esponja forrada a veludo. Eu sei, não deveria tratá-lo com semelhante crueldade e ele, coitadinho, com medo de mim, dorme toda a noite enroscado. E sim, assumo, já fui visto a passear o cão! Shame on me! Mas há mais. A pónei vive na banheira da casa de banho e quando queremos tomar banho, o que felizmente acontece pouco porque somos pessoas asseadinhas e lavamos-se raramente, ela espera no sofá da sala. Se eu puser uma cassete com desenhos animados, ela aguenta bem o tempo de uma chuveirada. Tenho duas cabrinhas na cozinha a fazer uma espécie de compostagem. Eu deito os restos num balde e elas morfam. As outras duas estão no quarto de hóspedes porque já não havia mais lugar na casa. E, como devem calcular, tenho imensos problemas com os vizinhos. Eles não se importam nada com os animais, mas não me toleram. Ou é porque grito muito alto os golos do Benfica, ou é porque ponho os Cêdês do Tony Carreira no máximo do volume, quer dizer, também não é bem no máximo, é ali mesmo antes do som começar a destrocer! Ou é porque estou até altas horas a ver combates de boxe e sempre vou gritando dá-lhe, dá-lhe, toma, toma! Eu desfazer-me deles, queria ver se não, mas também não me apetece ir morar pró canil como sugeriu o vizinho do 5º esquerdo. Esse sim, um verdadeiro animal, uma autêntica cavalgadura, que eu bem o oiço zurrar todos os domingos de manhã ali entre as 10h e as 10:15. Aqui para nós aquilo no 5º esquerdo deve ser só alimárias de pasto. É que a essa hora está a senhora dele a relinchar se Deus a deixa. Mas, enfim, eles fazem o barulho e eu é que levo com a ordem de despejo. Acho que deve ser isso porque chegou uma carta da Cambra a mandar despejar as bostas dos animais no contentor mais próximo. 

E prontus, agora tenho de ir porque as cabrinhas estão a chamar por mim. Deve ser para as ir deitar, coitadinhas…

jpv

Material Incriminatório


Ó pró ar criminoso dele, até estou a pensar colocar um catrimpázio na porta a dizer:

“Cuidado com o Cão! Não o Pise!
Não sei se sabem quem é a Drª Mónica? É a vetrinária desta fera. Cada vez que o vê entrar pela porta adentro, foge a sete pés, a Drª e o cetafe todo!
Eu sei que não parece, mas ele nesta foto está com pensamentos malévolos, assim coisas do tipo, estou a aqui, estou-ma ir a ti!