Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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As Cores da Capulana – Amanhecer Índico

Amanhecer Índico

É um mar cinzento
Como o céu.
Uma linha definida
E distante.
Uma capulana ao vento
Ondulante,
Enquanto ela passa.
E uma outra com sacos à cabeça,
Sua sorte e sua desgraça.
E são umas pessoas lá longe,
Mar adentro,
Saudando a Deusa,
Banhando-se de sal e água
Como se aspergissem a vida
Aquém da tal linha definida.
São três aves rasando a água
Marinha.
É uma senhora de mala e bem vestida
Que caminha sozinha
Enquanto Deus a espera na igreja.
E é um homem de turbante,
Passo rápido e certo,
Desaparece num instante.
E é uma mulher vestida de desporto
Que passa correndo com sua cadela.
Uma leva música nos ouvidos,
E a outra, no pescoço, a trela.
E é um cão galgando as ondas
De felicidade,
Vai para a água entusiasmado
E volta carregado de verdade,
O amor incondicional,
Por seu dono amado.
E é um madeiro enterrado
Na areia,
Raiz antiga e secular
Onde os namorados
Se vêm sentar.
E há este mar
Sossegado e quente,
Pano de fundo da vida da gente.
E há estas palavras
Com que me debato e luto,
Junto à areia cúmplice
Da baía de Maputo.

jpv


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O Sol ao Contrário

Marginal de Maputo. 
8 de maio pelas 6:25 da manhã.

As Cores da Capulana

O Sol ao Contrário

Pela manhã
Fresca e inaugural, 
A prosa estava ainda dormindo
E não me saía.
Olhando o astro formidável,
Deitei a alma no teu colo
E fiz uma poesia.
Escrevi essa sensação
De renascer
Que me assalta
A cada dia.
E escrevi as ondas do mar
Onde a luz amarela e forte
Vem bailar.
E escrevi esse paradoxo
Perturbante e sem fim
Que é o sol nascer,
Nestas paragens,
Ao contrário de mim.
Já havia perdido
O Norte,
Já havia perdido
O Sul.
Ficou-me só
A sorte
De, no Índico,
O mar também ser
Azul.
E, olhando a bola de fogo,
Sobre o líquido manto 
Pintado com a cor do céu,
Sei que sou eu
E estou aqui.
Invade-me
A eternidade e a calma,
Quando me embalo
No mar
E tenho o teu colo
Para a minha alma.


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Crónicas de África – Um Dia Depois do Fim do Mundo

Crónicas de África – Um Dia Depois do Fim do Mundo

Vilankulo, 22 de dezembro de 2012

Contra o que eu estava à espera, ontem não foi o fim do mundo, ou, se foi, eu tive direito ao Paraíso!

Estou recostado na cama, com a rede mosquiteira à minha volta, são nove e meia da manhã, tomámos o pequeno-almoço às sete e agora estamos só a deixar correr o tempo e a sentir a suave brisa que sopra do Índico e entra na nossa cabana para nos embalar o sono. Daqui, de onde estou, vejo as árvores e a vegetação do nosso jardim e, mais à frente, uma sucessão infindável de azuis marinhos a perder de vista e as velas dos dhows a cortarem a paisagem.

Vilankulo é uma terra pequena onde os lodges para turistas vivem porta com porta com as habitações locais. Tem a rua principal e mais duas ou três estradas asfaltadas. Tudo o resto é areia. Alta. Podem percorrer-se de carro desde que seja um 4×4. Uma dessas estradas de terra é à beira-mar com árvores grandes e antigas a projetarem sombras na areia da praia. Outras, só se percorrem a pé. Têm 1,5m de largo e vende-se aí de tudo. É tal a agitação que as pessoas podem perder-se umas das outras. Ficámos alojados no Baobab Beach Lodge. Sem ser luxuoso, acho que nem tem essa pretensão, é um local agradabilíssimo. Os quartos ficam em cabanas de madeira e palafita projetadas sobre a praia. Tem imensas árvores e sombras refrescantes e a passagem da brisa fá-las cantar para nós um cântico sussurrado e acolhedor. Apesar de estar equipado com uma cozinha comum, o Baobab tem um restaurante com uma oferta simpática e muito acessível.

Cada olhar, cada movimento, cada momento, pede uma fotografia. O nascer do sol por cima do mar é tão belo que a Paula levanta-se todos os dias às quatro e meia para vê-lo e fotografá-lo. Quando a maré vaza, o mar vai lá para longe e os cascos dos barcos ancorados sentam-se na areia a descansar. Poucas horas depois, volta a encher e vem marulhar junto às cabanas e os barcos reaprendem vontades navegantes. A água é tão límpida que podemos tê-la pelo peito e ver os pés com nitidez. Conhecemos uns sul-africanos simpáticos enquanto procurávamos algum carvão para grelhar. Nem eles, nem nós tínhamos. Acabámos por conseguir algum emprestado a um outro sul-africano e pagámos a um terceiro tipo para repor o que gastámos. Conversámos bastante e a noite tornou-se muito interessante por isso. A Paula ensinou-os a comer ananás grelhado que eles desconheciam e adoraram.

No dia seguinte, fomos todos juntos à ilha de Magaruke. É uma pequena ilha no arquipélago de Bazaruto com a particularidade de ter, mesmo à frente da ilha, uma barreira de coral com mais de um quilómetro e meio. E nem é preciso nadar. Basta colocar os óculos e o tubo respirador e a corrente faz o resto. Empurra-nos suavemente ao longo da barreira de coral. Acho que vimos todos os peixes que estão nas enciclopédias e nos filmes da Disney. Até vimos o Nemo! Tudo começou ainda na deslocação para a ilha onde vimos o peixe voador. O bicho emerge e voa literalmente por cima da água durante vários metros. Na barreira de coral, a variedade é quase infindável. Peixes amarelos com listas pretas finas, com listas pretas largas, peixes pretos com listas amarelas, peixes cinzentos, quase transparentes, com um pontilhado azul-neon por cima das narinas, peixes pretos com uma lista lilás a marcar toda a extremidade do dorso, uns peixes muito pequeninos, verde-prateado, em cardumes numerosos e a movimentarem-se de forma sincronizada, peixe-agulha, um peixe redondo em degradé desde o laranja forte até ao azul petróleo e, claro, corais. Castanhos, liláses, azuis, enfim, toda uma variedade fantástica como se nadássemos dentro de um imenso aquário. Para condizer, almoçámos um extraordinário peixe grelhado que o condutor e o cozinheiro preparam para nós com lume aceso numa arca de areia dentro do barco. No regresso, o condutor desligou o motor do barco e, como o vento estava favorável, abriu a vela do dhow e fizemos a viagem ao sabor do vento.

O Índico é diferente na ondulação, no matizado dos azuis, na temperatura cálida da água e no poder que o sol tem. Eu andei todo o dia com protetor solar E uma t-shirt vestida. NUNCA a tirei e, mesmo assim, apanhei um escaldão nas costas.

A viagem incluía o transporte, o almoço e o equipamento para ver o “aquário”. Não sabíamos na altura, mas incluía também as maravilhas do Índico sub-aquático.


Por razões diversas, o verão passado não descansámos. Acho que estamos a fazê-lo agora, neste Paraíso de pós fim do mundo!

jpv