Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – A Avenida da Guerra Popular


(Alex)                                           (Iago)

Crónicas de África – A  Avenida da Guerra Popular

Maputo, 27 de abril de 2013

Foi um namoro difícil. E, mesmo assim, ainda não acabou.
Eu gosto de andar na Avenida da Guerra Popular. Há milhares de pessoas em todas as direções, compra-se e vende-se tudo e mais alguma coisa. Se precisamos de alguma coisa que não estamos a encontrar, aproximamo-nos de uma banca de venda que pode até nem ter nada a ver com o que procuramos, dizemos o que queremos e, em minutos, o artigo aparece. O artigo, ou alguma coisa parecida! E aí é que está o busílis da questão. Em Maputo acontece com frequência não ser o vendedor a adaptar-se às necessidades do cliente, mas o cliente adaptar as suas necessidades à oferta do vendedor.

Há três semanas atrás conheci o Dinis. Pedi-lhe um equipamento do Sporting, tamanho L, para o meu filho, e dois equipamentos do Benfica, deste ano, temanho 3XL, um para mim e outro para o Alex. Ele disse que só tinha o do Sporting. Dei-lhe uma semana para conseguir o que eu queria. A semana  passada tinha o do Sporting e os do Benfica, mas em tamanho L. Lá lhe expliquei que não serviam, eu precisava mesmo do 3XL. Voltei a dar-lhe uma semana e hoje ele tinha o que sempre teve, o do Sporting e do Benfica tinha um 3XL do ano passado e dois L deste ano. Enfim… comprei-lhe o do Sporting e o do Benfica 3XL… É p’ró Alex, o gajo tem de se contentar… ainda por cima é bem giro. Preço em Portugal: 125€. Preço na Avenida da Guerra Popular: 250 meticais que é como quem diz 6,25€. Com etiqueta e tudo! Para a semana ainda lá volto… vi lá uma camisola para o Iago muito gira…

A Avenida da Guerra Popular é uma das mais concorridas e movimentadas de Maputo. É também uma das mais esburacadas. As coisas estão relacionadas, como se compreende. Vende-se fruta, verduras, amendoim, caju,  sapatos, sapatilhas, roupa comum, roupa de noite, roupa de cerimónia, antenas de televisão, cabos elétricos, cabos de vídeo e som, pilhas, baterias, telemóveis, champô, perucas, extensões para o cabelo, unhas, detergentes,  cães, mochilas, capulanas, rádios, pens, etc, etc, etc… não se negoceia a 50% do preço pedido, mas a cerca de 30% do preço pedido. Andar por ali, entre as gentes, perguntado, oferecendo, regateando, comprando, rejeitando, é sentir o verdadeiro pulsar da genuína Maputo. Nunca me senti em perigo, pelo contrário, sempre muito bem acolhido, com toda a gente a querer resolver as minhas necessidades. Um dia destes estava lá e diz o Dinis para um moço atarracado mas de estatura sólida:
– Sai daqui rato grande!
Eu estranhei:
– Oi, que é isso? Porque é que estás a chamar rato grande ao rapaz?
– Ora boss, ele é pequeno para gente, mas é grande para rato!
E pronto. Calei-me. Ou melhor, perguntei:
– Então os meus equipamentos?
– Eh boss, só tenho pequeno… mas olha, anda comigo…
E fui. E percorremos toda a avenida de amigo em amigo até eu estar razoavelmente satisfeito…
– Olha lá, irmão Dinis, donde é que vem este material todo?
– Eh boss, isto vem tudo do Vietnam.
– Então, são cópias!
– Nada boss, isto são cópias originais!

E pronto, contra esta argumentação, há pouco a dizer… é a Avenida da Guerra Popular no seu melhor!


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Filho

Filho

A minha mão
Na tua mão segura,
Não sei se te prende a mim
Ou se me prende a ti
Nessa sensação que perdura
Entre perder-te
E ter-te assim.

O meu peito
Ao teu peito entregue,
Não sei se bate o meu
Porque o teu quer
Ou se bate o teu
Porque o meu lhe empreste
A vida.

O meu olhar
No teu olhar preso,
Tem uma ânsia
E um fogo aceso
De libertar-te e reter-te.

Já foste.
Tinhas ido, já.
Estiveste cá,
Mas foste sempre de lá.
De onde a tua vida se faz,
De onde os demónios
Procuram a paz
E os anjos os atiçam com desejo.

Já foste.
E deixaste a tua presença
Forte.
E não há gume que corte
Este estares aqui,
Sempre.
Ausente do meu tato.
Presente no local certo e exato
De mim.

Sem ti
Não há universo
Nem motivo para que haja.

Morri já
E não sei.
Dei ao mundo a vida que dei
E resgatei a minha pobre
E atormentada alma
No momento em que te vi.
O primeiro,
E este último,
Ainda agora e aqui.

Gosto de ti
Cada vez mais
À medida que a vida se desenrola.
Seja a traçar sagaz teoria,
Seja a beber mais uma coca-cola.

E dói e sangra a tua liberdade
Em mim.
Esse sangue que precisa jorrar
Para que se realize
O homem
E eu possa, por fim,
Descansar na tua existência.
Ser pai não tem ciência,
Basta sofrer,
E ver-te crescer e partir,
E fingir
Que sou feliz com isso
E a espaços
Abraçar-te como se não houvesse amanhã.
Ser filho é bem mais difícil.
É a arte de navegar ancorado,
De partir amarrado
E nessa única
E singular partida
Reinventar toda a vida
E viver tudo de novo.

Gosto de ti
Cada vez mais
À medida que a vida se desenrola.
Seja a traçar sagaz teoria,
Seja a beber mais uma coca-cola.

jpv


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O Nosso 11 de Setembro

Caros Leitores,
peço muita desculpa a todos quantos sofreram a tragédia do 11 de setembro em Nova Iorque e àqueles que ainda sofrem com a tragédia, mas, para nós, este é um dia de imensa, inqualificável e redobrada alegria.

Com altos e baixos, com certezas e dúvidas, com alegrias e tristezas, com regozijo e dor, hoje fazemos 24 anos de casados… e acresce a isso o facto de o nosso filho fazer 22 anos de vida. Efetivamente, o rapaz resolveu nascer no mesmo mês, no mesmo dia e, imaginem a pontaria, à mesma hora em que tínhamos casado dois anos antes.

Assim, o nosso 11 de setembro é de alegria, é de vida e júbilo e, se é importante para nós o marco do casamento, sem dúvida que a presença do nosso filho ofusca tudo o resto.

Costuma dizer-se que os pais só têm olhos para os filhos. Acho que é mais do que isso. É só ter bons olhos. É sentir a nossa vida suspensa a cada decisão deles. É protegê-los, guardá-los e guiá-los para depois os ver partir como se nunca nos tivessem sido nada. Esse desprendimento, esse reconhecimento de liberdade e autonomia a quem amamos mais do que a nós próprios é o verdadeiro amor!

Não nos interessa muito o que o nosso filho é ou possa vir a ser. Não nos interessa muito o que ele possa vir a realizar. Para nós, a única coisa que realmente interessa é que ele é nosso filho e, faça o que fizer, será sempre entendido, valorizado, relativizado, percebido como uma centelha de perfeição no Universo. Quem não sentir este aperto no estômago, quem não depender dessa vida terceira, quem não souber abrir mão daquilo que mais ama, não é verdadeiramente pai, nem mãe.

Quem me conhece, sabe que sou um homem de múltiplas facetas e realizações e posso dizer, aos 44 anos, que já fiz de quase tudo. Pois, amigos, olhando para trás, a única coisa de que me orgulho 100% e sem qualquer reserva, não sou eu. É essa fantástica criatura que me tem cativo, como cativa tem sua mãe: o nosso filho. Melhor do que todos os outros como todos os outros, para seus pais, serão melhores do que ele, e se assim não fosse, não estaria correto.

Parabéns filho!
Vive sempre e para além de nós. Isso, aceitamos com naturalidade e regozijo.

jp/ap