Category Archives: História
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Histórias do Autocarro 28 – Coincidência

Coincidência
Nada disto se passou no autocarro. Só incluo o presente apontamento nesta secção porque o que aconteceu, não tendo sido no 28, decorre dele.
A vida na sua infinita diversidade revela-se, por vezes, um ciclo muito restrito de inter-relações humanas. E o mundo, sendo imenso, revela-se pequenino como a palma da mão.
Há quase dois meses escrevi uma história sobre uma anónima que viajava no 28. A semana passada voltei a vê-la na paragem do autocarro e, com a minha reconhecida afoiteza, disse-lhe:
– Bom dia, desculpe incomodá-la, escrevi um texto sobre si que pode encontrar em https://mailsparaaminhairma.wordpress.com na secção “Histórias do Autocarro 28”.
E fui à minha vida.
Nesta urbe imensa, trabalho com centenas de pessoas e o âmbito de alcance do meu trabalho estende-se por milhares de utentes.
Hoje, estava num evento que envolvia mais de duzentas pessoas. Entrei numa sala de conferências a certificar-me de pormenores de organização e, ao centro da sala, estava a minha anónima. A risada foi conjunta. O espanto foi mútuo.
– Como está?
– Bem, obrigada!
– Que faz por cá?
– Eu trabalho aqui.
– Eu vim cá hoje por causa do evento.
Outras simpáticas palavras de circunstância se trocaram, mas o que me ficou na retina, para além da sua inegável e confirmada elegância, foi a forma como o Universo brinca connosco. E nós a julgar que controlamos tudo!
jpv
O Clã do Comboio – Fugaz
O Clã do Comboio – A Troca
O Clã do Comboio – Agradecimento
O Clã do Comboio – Reclamação
Histórias do Autocarro 28 – Aconchego

Aconchego
Tal como a anterior, esta história também não é uma história. É um apontamento urbano. Nem indagaremos as razões, nem procuraremos explicações. Limitamo-nos a contar a história e cada leitor fará os seus próprios juízos.
Quando o autocarro 28 parou no Cais do Sodré, não ia muito cheio, mas nessa paragem abarrotou. As portas fecharam com custo. Não havia espaço entre as pessoas, excepto aquele mínimo para que não vamos abraçados uns aos outros. Ao meu lado ia um rapaz aí com os seus 35 anos com o braço no ar a segurar-se na pegadeira o que fazia com que o seu casaco, que não ia abotoado, ficasse com as abas a pender. Lá da frente aqui para trás, onde vamos, veio uma senhora com cerca de 50 anos, cabelo ruivo, arranjado e penteado, calças de sarja branca justas e botas de cano alto, abrindo caminho até chegar junto a nós. Passou por mim e anichou-se dentro das abas do casaco do rapaz, encostou muito o seu corpo ao dele e assim seguiram coladinhos um ao outro. E só não pode dizer-se que iam abraçados porque cada um deles tinha um braço no ar para se segurar e outro estendido com uma pasta na mão. O queixo dela ia por cima do ombro dele. Eu pensei, como outros devem ter pensado, que seriam namorados ou um casal de idades desiguais e que ela viera ao seu encontro. Só estranhámos que não se tivessem falado e que não se tivessem olhado. Ele tentou olhar para ela, mas ela ia com a cara de lado. E, à medida que o 28 evoluía no terreno, ela parecia entregar-se mais a ele, aconchegar-se no calor do seu corpo.
Numa paragem, conforme entrara, ela saiu. O rapaz olhou para nós muito corado e fosse porque tínhamos alguma interrogação no olhar, fosse por sentir necessidade de explicar-se, disse:
– Não a conheço de lado nenhum!
Alguém mais habituado a estas andanças advertiu:
– Veja lá se tem a carteira…
Ele abriu muito os olhos, fez um ar preocupadíssimo, como quem se lembra tarde demais que se esqueceu do fogão ligado, levou a mão ao bolso interior do casaco, fez um ar de alívio e disse:
– A carteira está cá.
Nesse momento, o tipo que o lembrara da carteira encerrou o assunto com piada:
– Deixe lá, foi só o aconchego!
jpv







