Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Senhor Coluna

O meu pai deve ter sido o homem mais ponderado que conheci. Prudente, contido nos juízos de valor e nos raciocínios, era de uma humanidade e de um sentido de justiça ímpares.

E é curioso que, sendo benfiquista, nunca lhe ouvi rasgados elogios, por exemplo, ao grande rei Eusébio nem a qualquer outro jogador. Exceto Mário Coluna.

O meu pai falava do Senhor Coluna como o ganha-pão de Eusébio, o grande mestre do meio campo, o organizador, o distribuidor, o herói silencioso e pouco reconhecido.

E é verdade. Por via da posição que ocupava, mais distante dos golos do que o colega e compatriota, Mário Coluna não saltava para a ribalta das luzes, das fotos e das entrevistas com a mesma facilidade, mas era a ele que os colegas respeitavam, era ele que organizava a ação da equipa dentro e fora de campo.

Estes homens que se batem em nome de uma equipa, de um bem maior, merecem ser lembrados não só pelo seu contributo individual, mas, fundamentalmente, por terem percebido e executado o jogo na sua mais harmoniosa e maravilhosa vertente: a coletiva.

Até sempre, Senhor Coluna. Cumprimente o meu pai por mim e bebam uma geladinha juntos!

jpv


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Lua-de-Mel com Eusébio

Lua-de-Mel com Eusébio

Como benfiquista e, sobretudo, como português, sinto tristeza pela morte do grande Eusébio. Jogador ímpar do meu Benfica e da nossa Seleção. Uma figura mítica cujos golos já vimos centenas de vezes em imagens de arquivo, mas revemos sempre com entusiasmo tal a energia e a magia desses momentos.

O homem e o jogador de futebol tem o valor que tem, um dos melhores de sempre, e haverá muito quem fale disso melhor do que eu porque o conheceu de perto, contactou e conviveu com ele. E é por isso que me escuso a essa função. Contarei, como quem rememora, porque acredito que os homens perduram na memória uns dos outros, um episódio em que percebi a dimensão internacional de Eusébio.

Foi em setembro de 1988. Há vinte e cinco anos. Casei-me, enfiei-me num comboio com a minha noiva e fomos correr essa Europa com um bilhete de Inter-Rail no bolso. Ir do Entroncamento a Istambul e vir, de comboio, era o desafio. E, com as dificuldades inerentes àquele tempo, conquistámos cumplicidade, vencemos contrariedades e realizámos o sonho de, pelo caminho, visitar Atenas.

Na altura não havia Internet. A televisão não dava as notícias do mundo segundos depois de elas terem sucedido, não havia cartões multibanco, não havia telemóveis. A moeda de troca não eram retângulos de plástico, era mesmo dinheiro, as notícias viajavam, sobretudo, pela rádio e pelos jornais. Portugal tinha dois canais de televisão. A RTP1 e a RTP2.

Estava algures no meio da Jugoslávia, é verdade, na altura, esse país ainda existia, num comboio internacional que havia sido transformado num regional que parava em todas as estações e apeadeiros. O comboio estava à pinha com famílias inteiras e, sobretudo, jovens militares fardados. Não sabíamos, em Portugal, mas na Jugoslávia havia começado a guerra e o ambiente era muito tenso. As famílias despediam-se dos jovens nas estações e havia abraços e choros. Ora, no meio deste ambiente, éramos um estranho e jovem casal de portugueses, apertado entre pessoas sentadas, em pé e deitadas pelas carruagens, falando em línguas que não percebíamos. A certa altura, alguém perguntou, misturando francês com inglês e russo, ou algo parecido com russo, de onde éramos. A resposta foi óbvia:
– Portugal.
– Ah, Portugal… Eusébio!

E pronto. Tantas e tão vastas referências tinha a nossa nação, tantos séculos de História a produzir feitos e figuras conhecidas, mas foi com Eusébio que identificaram Portugal em língua estranha, comboio apinhado, algures, num país prestes a deixar de existir!