Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Serviço Público



Por vezes, fazemos aqui a divulgação de bons produtos cinematográficos, musicais ou literários. Desta vez, trata-se de uma combinação. Um filme e uma música. O filme é “A esperança está onde menos se espera” de Joaquim Leitão, realizado em 2009. Sobre um tema atual e com uma perspetiva e uma abordagem mediáticos, o filme não evita assuntos mais sensíveis e sobre os quais a nossa sociedade necessita refletir. Fluido, tenso e interessante, é também profundamente emotivo.

A música que divulgamos é uma das que faz parte da banda sonora do filme. Chama-se “Quando menos esperas” e é de Sir Scratch e Luanda Cozetti.

Divirtam-se!
jpv
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Crónicas de África – A Inigualável Gente de Moçambique

 

Crónicas de África – A Inigualável Gente de Moçambique

Só mesmo em Moçambique: regressámos há duas breves semanas e há já tanto para contar. Histórias com gente dentro.

Hoje, propositadamente, substituímos a habitual foto das “Crónicas de África” por essa que aí está e que retirámos da página Moz Maníacos no Facebook. Fizemo-lo porque estes sorrisos não os conhecemos em mais lado nenhum. São genuínos, transpiram a alegria verdadeira de quem não sabe ser de outra maneira. Há uma esperança no olhar de cada moçambicano que não sabemos de onde vem, mas que sabemos ser parte da identidade deste povo. E há também uma verdade transparente em cada pessoa, mesmo que essa verdade não nos agrade. Os moçambicanos são ímpares. Inigualáveis. São o que são, dizem o que têm a dizer, fazem o que têm a fazer, sempre com essa transparência expectável, sempre com um sorriso e uma alegria desconcertantes. Quatro breves apontamentos.

O Assalto.
Não vou entrar em pormenores. Não é isso que interessa. O que me interessa é a conclusão da história. Fui almoçar. Deixei uma pasta com um computador debaixo do banco do pendura. Claro que me tiraram a fechadura do carro, destrancaram a porta, abriram a mala, tiraram o computador, voltaram a fechar a mala, colocaram a fechadura no sítio e fecharam a porta. Quer dizer, toda a gente tem princípios, até um larápio de computadores. Se era para palmar o computador, não havia necessidade de estragar a viatura. Mai nada. Assim que chego a casa, estranho o facto da porta de trás estar a abrir mal, mas penso que se trata de uma avaria, a minha mulher sente a pasta mais leve, oh se estava(!), abre-a e computador viste-lo. Relaciono uma coisa com a outra, meto-me no carro, vou ao local onde tinha estacionado o carro para almoçar, chamo o arrumador a quem tinha pago para guardar o carro e nem lhe dou hipótese de argumentar, nem sequer lhe pergunto se sabe do computador, mostro-lhe o branco do olho e o ranger dos dentes e peço-lho de volta com a convicção firme de que ele o tinha e eu o queria. Resultou. Ele levou-me a quem o tinha que, perante argumentos similares, branco do olho e ranger de dentes, não hesitou em devolver-me o computador. A história acabaria aqui. Acontece que estamos em Moçambique, acontece que esta crónica teve uma introdução e é necessário que esta historieta seja coerente com ela. No momento em que me estende o computador embrulhado num saco preto, o larápio olha-me a medo e diz:
– Desculpa lá, boss.
Caros amigos e leitores, onde, em que outro lugar do mundo, é que um larápio devolve o produto do roubo e pede desculpa ao lesado?

Welcome Drink.
Um dos hipermercados a que vamos, também não há assim tantos, o Mica Premier, tem um bar com um longo balcão e umas mesinhas onde, por exemplo, se pode tomar o pequeno almoço. Uma vez por semana, ao sábado de manhã, costumo beber lá um café. Não é uma regra. É um hábito. Ora, com o café e a natural simpatia e abertura dos moçambicanos ajudando a isto o facto de, de vez em quando, eu vestir uma camisola do Benfica, os empregados foram metendo conversa, eu fui respondendo, criámos ali uma saudável picardia e umas palavras de saudação no início de cada fim de semana. Para mim, eram uma presença simpática a acordar-me o sábado. Para eles, pensei ser só mais um cliente. E até talvez seja, mas há algo especial nos moçambicanos: a forma generosa como reagem à simpatia. Um dia destes, penso que na sexta feira, passei por lá a beber um café antes de ir comprar não sei o quê para a despensa e eles vai de saírem para o lado de cá do balcão e distribuir demorados e apertados abraços, Então, porque nos abandonou tanto tempo? Estive de férias, fui ver o meu filho e a minha família. E encontrou tudo bem por lá? Graças a Deus. E vocês, estiveram bem por cá? E a conversa desenrolou-se e os abraços repetiram-se e eles renovaram as saudações e entretanto bebi o café e quando pedi para pagar eles disseram-me que pagavam eles, era uma Welcome Drink. Eu sei o preço do dinheiro para estas pessoas, por isso insisti para pagar até que um explicou. Nem pense nisso, hoje pagamos mesmo nós, é que pusemos um metical por dia de parte enquanto esteve fora para lhe poder pagar um café quando voltasse. E pronto. Lá segurei as emoções como pude, mas não há qualquer dúvida de que os meus companheiros de saudação matinal ao sábado e discussão dos lances mais duvidosos do futebol de fim de semana me cativaram, uma vez mais, com a sua alegria e a sua simpatia. Como eles se autoproclamam num cartaz, são mesmo capazes de um antendimento excepcionalmente super extraordinário! Mai nada!

É por isso que vale a pena!
Hoje vinha caminhando com a Paula, lado a lado, queimando umas calorias, como eu preciso, meu Deus, e cruzou-se um par de jovens connosco. Ouvimos, de passagem, a voz de um, em tom entusiasmado, revelando ao outro: Assim posso sonhar de duas maneiras! E pronto. Eis a súmula de tudo o que vale a pena nesta terra de oportunidades. Há desvantagens? Claro. Muitas. Mas há essa sensação preciosa que é a tangibilidade do sonho e da esperança. Sim, aqui pode-se sonhar. E, mais do que isso, podem concretizar-se sonhos. Os nossos e os de muita gente à nossa volta. É fundamentalmente por isso que esta terra vale pena!

O Outro Cão.
O nosso cão estava com o pelo demasiado grande. Tão grande que podiam advir-lhe uns incómodos. Ora, quando o mandei tosquiar e me perguntaram como queria o pelo, disse que queria o mais curto possível, nem mais, era o que faltava andar sempre a correr com o cão para o “cabeleireiro”. E o veterinário cumpriu a promessa. Deixei-o lá e quando o fui buscar já o guarda estava aqui a rondar o prédio. E a conversa que aconteceu, assim que saí do carro com o cão foi, mais ou menos, assim:
– Eh patrão, tem outro cão?
– Não, C., é o mesmo.
– Não pode. O outro tem o cabelo comprido.
– Não é outro. É o mesmo. Só que lhe mandei cortar o pelo.
Ele olhou demoradamente o cão e rematou:
– Tem a certeza?
– Tenho.
– É que parece mesmo outro.
– Mas é mesmo o mesmo.
– OK.
E abriu um sorriso confiando que eu estava mesmo certo de ser o mesmo cão. Não fosse a vida pregar alguma partida e surpreendi-me a olhar para o cão a verificar os traços. Era o mesmo. Pelo menos responde pelo mesmo nome!

Cada dia, uma aventura, uma surpresa. Umas boas. Outras más. Cada dia, esta terra e, sobretudo, esta gente com que me cruzo, vai entrando na minha vida e nos planos dos meus gestos. É uma terra fantástica. Diferente, em tudo, de tudo o que conheço. É uma gente de sonho e esperança. Inigualável.

jpv


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Maputo

(Foto jpvideira – Clique para Aumentar)

As Cores da Capulana
Maputo
É uma praia
Onde as ondas
Se vêm estender.
São milhares de luzes
Bordejando o mar
Ao adormecer.
São vendedeiras de caju e amendoim,
Avenidas longas em constante frenesim.
São meninos de roupas largas
E pé descalço,
Envolvendo num sorriso genuíno
O seu destino falso.
São mulheres exibindo
O colorido justo das capulanas.
É um tchova oferecendo
Ananases, mangas e bananas.
Busca o imenso céu
Um prédio esguio e alto.
Cá em baixo,
Dorme um corpo ébrio
No calor do asfalto.
Fecha-se o firmamento
E escurece.
E num breve momento
Acontece
Violenta trovoada.
Chove chuva copiosa,
Lavando a estrada,
Arrasta consigo
Fugaz vida ceifada.
Com a mesma violência
E o mesmo repente
Ressurge o sol ausente
E renasce, de novo,
O dia.
Esta cidade real
Parece fantasia.
Explodem odores
Exóticos e inusitados,
Pintam-se de mil cores
Os concorridos mercados.
Há nesta cidade
Uma coisa urgente e séria,
Reergue-se a Humanidade
E isso não é miséria.
Vagueia por aqui
Certo saudosismo português,
Teve o seu tempo,
Teve a sua vez.
Pinta-se de branco
E de negro também,
Fala changana,
É palavra de Camões,
Traço de Malangatana.
E desvanece-se.
Chegou outra hora…
É tempo
De o mandar embora.
E sonhar
Com o homem justo,
Com a terra prometida.
É preciso pagar o custo
Da liberdade perdida…
E reconquistada.
Maputo
É hoje
Uma alvorada.
É um polícia
Vestido de branco
E outro de cinzento.
E é um povo
Perdido no tempo.
À procura do caminho.
É um sorriso largo,
Um olhar inaugural,
É um ritmo de marrabenta
Numa cintura sensual.
É o sol sobre o mar
Logo pela manhãzinha,
Um pescador lançando
A esperança numa linha.

E passa um chapa ruidoso
Que quase me atropela,
Atrás dele,
Desenha esses na estrada
Uma frenética chopela.
Passam carros com fulgor,
Estacionam num restaurante,
E, nesse mesmo instante,
Surge, solicito, o arrumador.

Vivem aqui
Sólidos e evitáveis
Desequilíbrios.
Uns pedem,
Outros dão.
E há nesta dança
Uma bruma de esperança.

Maputo é olhar em frente,
É uma terra
Semeada de gente.
É uma nação,
Um pátrio solo,
Um chão!
É a diferença
E a semelhança.
Maputo é mãe
De uma criança
Que ri e chora.
Maputo é todo
O tempo do mundo
E o tempo
É agora.


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Crónicas de África – Três Meses de Esperança

Crónicas de África – Três Meses de Esperança

Maputo 15 de dezembro de 2012

Todo o dia fora de antecipação e borboletas no estômago. A noite estava quente, acolhedora, e o aeroporto de Maputo tinha as entranhas repletas de portugueses à espera de portugueses. Para nós, aquele avião trazia a carga mais preciosa, o passageiro mais especial. O nosso filho chegou para nos visitar na passada quinta-feira à noite. Abraços infindáveis, as perguntas já feitas ao telefone e no skype agora repetidas com o calor da presença de quem nos anima a vida. Não é fácil descrever o que se sente com a ausência de um filho, e menos fácil ainda é descrever o momento da reunião. É uma completude, um preencher de vazios, é um refazer de sentidos e uma pacificação, é o afastar de um sobressalto constante no peito, é uma nuvem que se vai para o sol poder brilhar de novo. É só isso. E é isso tudo!

No dia seguinte, completaram-se três meses sobre a nossa chegada a Moçambique. Um trimestre de certezas e incertezas, de alegrias e dúvidas, de uma adaptação constante a tudo. Um trimestre de que ficam aqui alguns, poucos, aspetos que o marcaram.

Marco e Sandrine
Incansáveis, sempre prestáveis e absolutamente fundamentais na nossa chegada e adaptação até conseguirmos dar os primeiros passos sozinhos. Conhecer a cidade, onde ficavam as portas que mais depressa e urgentemente precisaríamos de abrir, encontrar casa, perceber hábitos, rituais e as atitudes das pessoas… tudo ficou mais fácil com eles.

O Nunes
O Nunes como é conhecido por cá ou o Zé, como às vezes ainda lhe chamamos, foi uma ajuda preciosa para encontrarmos um carro, perceber os valores, o tipo de carro que mais se adequa à cidade, fazer um bom negócio, as primeiras manutenções, enfim, conseguirmos autonomia e mobilidade. O Nunes ajudou e esteve sempre sereno. E, sobretudo, foi paciente!

A Escola
Percebemos, quando chegámos, a curiosidade dos colegas e até alguma interrogação sobre o que viríamos fazer. Rápido se percebeu que éramos do clã. Só mais dois professores. E, desde a direção a todos os colegas na sala de professores, fomos recebendo dicas de adaptação através das inúmeras histórias e múltiplos conselhos que nos foram dando. E os alunos entraram nesse circuito, Os meus pais fazem assim, E já foi ali, Olhe, quando lhe acontecer isto assim, assim, faça o seguinte… E fomos vencendo o trabalho e criando os nossos próprios espaços e pode dizer-se, ao cabo de três meses, pelo menos, não somos estranhos e temos mesmo alguns amigos novos.

A Casa
Criámos, porque se trata de uma pessoa séria, uma boa relação com o senhorio. A nossa casa tem vindo a crescer por dentro e vai ficando mais confortável à medida que o tempo passa. Em certa medida, acho que as pessoas tentam, com as devidas adaptações, replicar a sua vida original.

Maputo
Meu Deus, havendo de tudo como em Portugal, estando repleta de portugueses, o facto de ser uma cidade africana, muda tudo. Como a vida é diferente! Nada tem nada a haver com o nosso modo de vida. Os mercados de rua, as pessoas a vender de tudo pelas artérias da cidade, os rapazes oferecendo-se para levar as compras, o trânsito caótico e cuidadoso, a alegria das gentes, o falarem para nós na rua ou num espaço público só porque sim, só porque somos uma pessoa e ele também, os buracos na estrada, os edifícios novos a despontar em cada esquina, a presença constante de armas pesadas nas forças de segurança, os encontros com os agentes da polícia de trânsito, tudo com a marca do improviso, da calma, do hei de fazer, da bonomia e da simpatia e dessa fantástica relação entre as pessoas com o dinheiro a mediá-la. Maputo tem lixo, sim. É um problema a resolver. Mas tem também a marginal e tem a 24 de Julho ululante de gente e fervilhante de vida. É uma grande cidade e, ao mesmo tempo, uma pequena aldeia. Traçado pombalino, é uma urbe de que nos apropriamos com facilidade. A vida é dura, claro, para quem emigra para África, mas, queiramos nós agarrá-la com firmeza, pode ser bem agradável. Pelo menos, há esperança.

Clima
São oito horas e já está calor. E vai continuar a estar calor, às vezes roça o insuportável, depois, em poucos minutos, o céu escurece, desaba uma água forte e caudalosa, toda a cidade é varrida pela bátega e meia hora depois vem a calmaria de novo. Maputo não é uma cidade insuportavelmente quente. A brisa do mar adoça a agressividade do calor. A brisa do mar e a bátega de água lavadoira!

Arte e Festa
É um povo que se exprime com os materiais mais nobres e com os mais rudimentares também. Com três latas de Coca-Cola e um fio de arame, faz-se uma carrinho de brincar, um helicóptero ou um LandRover Defender. Trabalham a madeira com arte e o ferro e o tecido. E pintam em tela com tinta ou em pano com tinta e cera e têm pormenores deliciosos de criatividade. Estão sempre em festa. Cumprimentam-te na rua em festa porque sim. Cantam no local de trabalho, já assisti a caixas de supermercado e balconistas de um banco, dançam enquanto atravessam a estrada e têm o culto da músico e o ritmo irrequieto nas pernas, nas ancas, no corpo todo.

Chapas
Não é possível ficar-se indiferente. São aos milhares pela cidade e transportam toda a gente de todo o lado para todo o lado. Interferem com as vidas das pessoas e uma greve de utentes a este serviço para completamente a cidade.

Ritmos
Deitar por volta das 20h, 21h, levantar com a luz das 4:30h, 5:30h, começar aulas às 7:00h, almoçar às 11:30. Encarar as 8h como meio da manhã. Não forçar ritmos, aprender a navegar neles. Assumir que o descanso é para descansar. 

RSA
Presente em hábitos do dia-a-dia, em expressões de fala, em hábitos alimentares, em objetos que se trazem no carro ou se guardam em casa, a África do Sul é uma vizinha donde chegam ventos culturais todos os dias.

Mail, Facebook, Skype, Amigos e Familiares
As comunicações por e-mail, as mensagens no FB, as vídeo-chamadas pelo Skype mantiveram presentes os amigos de lá, dessa Pátria fria e distante e mantiveram a presença visual e sonora da família. 

Negociar em Meticais

Viver em Maputo é estar em permanente negócio, é medir forças em meticais constantemente. Tudo tem um preço, tudo se negoceia, tudo se vende. Não só coisas. Serviços. Tudo o que possa resultar no amealhar de umas moedas pode ser transacionável. 

Portugal
Lá longe… esfumado nas mentes e vivido nelas também. É sempre a Pátria. Uma pátria donde chegam com frequência notícias de apreensão. Sim, é para voltar, mas não será já. Portugal terá de esperar.

O Futuro

O futuro, para já, é aqui. Aqui estão as soluções e a esperança de crescer. Aqui está o trabalho e a vontade de viver. Sempre desalojados. Sempre realojados da esperança e da vontade de superar. Hoje, enquanto estávamos no trabalho, o nosso filho andou pela cidade a conhecer, e a falar com as pessoas que mostraram gostar muito dele e do seu aspeto tranquilo. Chamam-lhe “O Argentino”, “O Reggae Man”, “O Messi” ou o “Brother”. E comprou umas sapatilhas All Star por 250 meticais, 6€. Em Portugal custam 70€. Sim, também para ele há esperança. Sim, também para ele, ela parece morar aqui.

Três meses repletos de dificuldades e alegrias, de crescer como pessoas na multiculturalidade que é a sociedade moçambicana. Uma sociedade aberta e simpática onde há riscos e onde há, sobretudo, oportunidades. Mesmo estando um pouco “vaidosos” com a nossa coragem para mudar de vida aos 45 anos, somos humildes e estamos gratos a todos os que se cruzaram connosco por bem. Três meses! Venham mais três!

jpv