Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África: Car Wash Made By Boane

Car Wash Made By Boane

Maputo, 2 de março de 2014

O interessante de se combinar um almoço com o Marco e a Sandrine é que sabemos onde vamos almoçar, mas nunca sabemos onde vamos parar. Normalmente, deparamo-nos com pequenas e singelas surpresas que, para nós, têm a vantagem de ficarmos a conhecer melhor as gentes de Moçambique, os caminhos e as povoações por onde, habitualmente, não passam muitas viaturas.

Como quase tudo por aqui, a ideia foi espontânea e a coincidência também. Tínhamos acabado de combinar os dois, eu e a minha senhora, dar um passeio pela Matola, depois de almoço. Só para ir conhecer melhor. Nesse instante, toca o telefone e, vá se lá perceber as voltas da vida, era o Marco a perguntar se não queríamos ir almoçar com eles à Matola! Pizza no Mimmos, em pleno jardim, resulta sempre agradável. Depois, uma tarte de frutas na Pastelaria Princesa e estávamos prontos para regressar a casa. Mas o Marco é naturalmente irrequieto e a pergunta veio, Vamos dar uma volta? Levamos só um carro… Passear é sempre bom. Tínhamos estado a teimar, durante o almoço, eu dizia que a Matola tinha porto, ele dizia que não, até lhe mostrei no telemóvel. Começámos por aí. Visitámos as salinas, o tal do porto, e eu a levar com banho de realidade, e começámos depois um percurso maioritariamente por estradas de terra que nos haveria de levar até Boane. Gentes tranquilas com gestos de sempre, umas tranças que se fazem, umas roupas que se estendem, umas casas humildes e umas pessoas simples e sorridentes a marcar a tarde. Uns miúdos em correria atrás de uma bola, uns pássaros azuis, uns ritmos sossegados lá longe da cidade onde não chegam ruídos agressivos nem a evolução plastificada dos tempos, mas onde há paz.

Percorremos ao contrário, em contra-corrente, o rio Matola, os açudes, as curvas do curso de água, a vegetação verdejante, os pescadores de domingo e as marcas do tempo em comportas que já lá não estão. Em Belo Horizonte, vimos as condutas que levam a água para a grande cidade. Até fizeram uma ponte para a água passar por cima da água… do rio. Águas cruzadas. E um miúdo de dez anos, corpo franzino e olhar vivo, subia à ponte e saltava para o rio, os outro riam-se e pegavam com ele, Eu conheço aí um crocodilo, ele me disse que vai te pegar. E o miúdo nadava para a margem, corria para a ponte, abria os braços e voava. Nessa tarde, não vi ninguém mais livre do que ele. Algures no mato, abriu-se um campo de bola, jogava o Porto contra o Barcelona, e havia outros a correr atrás da bola, sem camisola, uns de chinelos, outros de chuteiras mais largas que o pé e outros só com o pé. O remate foi frouxo. Saiu ao lado. Em Boane, o Marco tomou uma estrada para a esquerda e quando me chamou a atenção para a paisagem, eu arrepiei. Claro que conhecia. Claro que identificava. Claro. Só faltava o Leonardo Di Caprio.
– Viste o Blood Diamond?
– Sim, várias vezes, é um filme soberbo.
– Olha ali!
E apontou para uma elevação montanhosa com uma torre de vigia esquisita porque tem quatro ferros ao alto, um em cada canto e, a seus pés, uma enorme e antiga ponte de ferro…
– Ali é onde ele foge…
– Sim, grande parte do filme foi rodado em Moçambique.
É fácil reconhecer e identificar os espaços porque são muito marcantes. 

Mais à frente uma pequena ponte a atravessar um curso de água. Reparámos que não havia carros em cima da ponte, mas que estavam vários debaixo dela, dentro do rio. Coisas de África. A água corre límpida e forte, mas não tem mais do que um palmo de altura, as pessoas aproveitam a circunstância do piso ser transitável, circulam junto aos alicerces da ponte, param os carros e lavam-nos com água corrente. Vêm meninos a correr oferecer os seus serviços de lavadores, estabelece-se o preço da empreitada, mas a água tem vida, tem frescura, limpa o corpo e a alma e nem um de nós ficou dentro do carro. O Marco, a Sandrine, nós, os miúdos, toda a gente descalça a refrescar a mente e a ajudar os trabalhadores e a água a correr, viva, e a salpicar as roupas. A Natureza dá, o Homem aproveita. O Homem e os meninos! As pessoas ficam por ali a ver a água correr, a lavar os carros, a tomar banhos de rio fresco e límpido, a fazer domingo com poucas regras, pormenores de vida vivida em liberdade só já possíveis onde a terra é vermelha. Lembrei-me de Portugal. Que aconteceria em Portugal se os carros decidissem passar por baixo da ponte e não por cima? E se decidissem tomar banho debaixo da ponte? Xiii… ia haver decretos a serem invocados, e a segurança, e placas a proibir, as leis para cumprir. Em Boane há uma ponte e a lei que corre debaixo dessa ponte é a da vida e a da vontade das pessoas. Regressámos. Os miúdos vieram lá atrás, na caixa, cabelos ao vento, aventura no peito. Comprámos pão de lenha contado e servido com a mão do homem. E frango de churrasco. Era já noite quando acabou o nosso almoço. Esse almoço que começou na coincidência de uma vontade, visitou terras e gentes de paz, revisitou o Leonardo Di Caprio, fez car wash no rio que corre e acabou no odor do pão que o lume da lenha cozeu. Car Wash Made By Boane. Ou então, Sunday Afternoon Made By Africa!

jpv
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Fotos do Dia:
 Porto da Matola

 Condutas de Água, Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Belo Horizonte

 Boane

  Boane

  Boane

  Boane

 Boane


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Crónicas de África – O Conselheiro Matrimonial

O Conselheiro Matrimonial

Maputo, 16 de janeiro de 2014

Podia começar a história pelo fim e contar já o telefonema, mas a coisa perdia a graça. A história só tem corpo porque existe a naturalidade desconcertante dos moçambicanos, a forma como atacam os assuntos sem preparação nem grandes introduções, e há também o seu sorriso, a sua alegria, a sua tão afamada, e tão verdadeira, boa disposição.

Esta é a história do I e do dia em que me tornei seu conselheiro matrimonial.

O I foi-me recomendado pelo célebre M sobre quem já aqui escrevi. Está com um problema senhor Paulo? Vai aí o I. E veio. Atrasado. Não muito. Não estranhei. Já estranhei o facto de ter ferramentas próprias, de começar e acabar um trabalho sem interrupções, de sacrificar-se para que tudo ficasse pronto no mais curto espaço de tempo possível. Percebi que ele valorizava o negócio que tinha e, como tal, dei-lhe atenção e continuei a dar-lhe trabalho.

Eu trato-o por I, ele trata-me por boss. Tudo normal, portanto. Mas um dia surpreendeu-me. Fora um trabalho complexo. Dois dias de volta daquilo até deslindar o problema, encontrar a solução e aplicá-la. E nesse dia eu notava-o mais calado. Ele gosta de trabalhar e ir explicando o que está a fazer, mas naquele dia estava apreensivo. Olhava para as coisas demoradamente, olhava para mim, e parecia engolir. Foi depois de ter terminado que o I explodiu:

– Boss… preciso da tua ajuda.
– Como assim?
– Eh boss vou-me casar.
– Eh pá, grande notícia. E para quando é isso?
– No sábado, boss…
– No sábado? Mas já hoje é quarta!
– É boss, mas ela não quer aquela pessoa que eu arranjei para cozinhar e tenho de ir buscar outra e preciso ir comprar… xiii boss, ’tá complicado.
– E precisas de ajuda?
– Preciso, boss…
– Diz lá…
– Como é isto do casamento boss? Eu não sei estar casado. É, nós namoramos faz um tempo, mas deve ser diferente de estar casado, não sei bem como fazer… tu estás casado há muito tempo, podias dar-me aí umas dicas, uns conselhos… mulher não é fácil boss…

Tremi! Não estava à espera e a responsabilidade do que dizemos numa altura destas, a partir de uma pergunta colocada com tanta naturalidade e tanta necessidade, assustou-me, mas o I estava aflito e não me apeteceu vacilar nem mostrar-lhe complexidades. A vida ensina, pensei, agora é só dar umas orientações.

– Ouve, I, não há receitas. O que te vou dizer pode resultar com uns e não resultar com outros. Cada situação tem de ser avaliada. A primeira coisa que te vou dizer é para não te assustares quando surgirem problemas, os problemas são normais. Não podes desistir ao primeiro problema porque é a superação deles que fortalece uma relação.
– Mas os problemas doem, boss.
– Claro, mas a dor é uma força. A segunda coisa que te digo é para falarem sempre e de tudo. Nunca guardes uma conversa, não deixes azedar um assunto, um desentendimento, nunca te vás deitar zangado com ela.
– Eh boss, não dá…
– Dá, dá, basta que seja a tua vontade, a tua prioridade.
– Eh boss, mas ela às vezes não me quer ouvir.
– Quer pois.
– Quer?
– Quer. Ela diz-te que não te quer ouvir, mas quer. É como quando lhe dizes que vais sair com os amigos sem ela. Ela diz-te que está bem, mas não está.
– Eh boss, não dá, tá mal… ela diz ao contrário.
– Claro!
– Para quê?
– Para ver se tu descobres por ti o que ela quer… se vais ao encontro dela…
– Como fazer boss?
– Simples… sempre que começas a falar com ela, dás-lhe razão e pedes desculpa. Como princípio genérico, entendes? Não interessa sobre o que é a conversa, dá-lhe logo razão. Ouve lá, quando têm uma discussão, quem é que acaba a ter razão?
– Ela.
– Pronto. Aí tens. Se lhe tivesses dado razão à partida, não tinhas discussão.
– Mas e o que eu penso? Eu posso ter razão, não é boss?
– Podes, mas ela vai-te reconhecer essa razão mais rapidamente se primeiro lhe deres razão a ela!
– Não pode!
– Pode, pode… experimenta… Por exemplo, para que é que tu queres um sofá?
– Para sentar.
– Certo. Então o que é te interessa a cor do sofá?
– Nada.
– Pois, mas a ela interessa! Logo, quando forem comprar um sofá para que é que hás de estar a discutir a cor do sofá se tu só o queres para te sentar e beber uma geladinha?
– Tá certo, boss… e o dinheiro?
– Partilha tudo! Ou são um casal ou não são. É como sair com os amigos… se ela é a tua dama porque não há de ir… A única coisa que te posso dizer é para não gastares tudo de uma vez… ires poupando porque podes precisar ao longo do mês…
– Pois é boss, ela pode entrar aí num supermercado ou numa loja e de repente foi-se tudo e depois como é amanhã?
– Lá está… sei lá, se tiveres 8 para gastar, combina gastarem 4.
– E resulta?
– Mais ou menos.
– Ai…
– Pois… ela vai gastar os 8 na mesma só que vai levar mais tempo. Tempo que tu precisas…
– Xiii boss, é isso mesmo, como não lembrei disso…
– Olha, e não te esqueças que o sexo é muito importante.
– Claro…
– Mas não é só para ti…  tens de… como dizer… tens de ter a certeza de que não és egoísta, também pensas nela, és carinhoso com ela. E falem, falem sobre o que gostam e o que não gostam… comuniquem… Queres ter filhos?
– Claro.
– Já pensaste quando?
– Não…
– Lá está… já pensaste que uma criança dá muito trabalho e é muito absorvente e tu ainda agora estás a casar… talvez fosse melhor dares um tempo para a conheceres e criares intimidade e depois pensas em filhos, mas isso são vocês que avaliam…
– Eh boss e há assim alguma coisa proibida, que a não se pode fazer?
– Há.
– O quê?
– Violência. Nunca podes ser violento. Nem com os gestos nem com as palavras. As mulheres são sensíveis a isso e tu deves ser o primeiro a respeitar a tua mulher, afinal de contas escolheste-a…
– Ou fui escolhido!
– Tens razão! Mesmo assim…
– Tens razão boss. Violência é má onda…

A conversa foi assim, crua, pura, sem preconceitos, sem rodeios, direta, positiva… E o I lá foi à vida dele um pouco mais seguro. O tempo passou. Já lá vão mais de dois meses e, ontem, à hora do jantar, o telefone tocou, vi o nome do I no visor e voltei a estremecer, Ai meu Deus, se ele me está a ligar… o que se terá passado…

– Sim… Estás bem I?
– Tudo bem boss. Tinha dado um sinal, mas o teu telefone estava morto. Pensei que tinhas viajado.
– E viajei, mas já estou de volta.
– E correu tudo bem por lá?
– Sim, graças a Deus. Tudo fantástico. Estive com o meu filho, família, amigos…
– Boss estou-te a ligar para desejar um bom ano e para te agradecer…
– Então? A vida de casado é boa? Está tudo a correr bem?
– Muito boa boss! E as tuas dicas foram muito eficazes, boss, resultam na perfeição… está tudo tranquilo… então aquela de dar razão para começar a conversa… eh boss, comecei a ter razão mais vezes…

E largámo-nos os dois a rir e percebi que o I está numa fase feliz da sua vida. Uma fase de crescimento. Uma fase de aprendizagem. E assume isso com naturalidade, receios, poucas expectativas, mas a mesma esperança e a mesma alegria que inundam o olhar, o sorriso e os gestos das gentes moçambicanas. Há menos conceitos por aqui. E isso faz com que haja menos pré-conceitos… E as coisas que dizemos, se vierem do coração, são assim interpretadas e são intuídas e postas em prática como se a vida fosse fácil. E talvez seja, nós é que, por um sinuoso processo mental de justificação da nossa própria existência, andamos a inventar que é complexa. Mas não é. Os moçambicanos não inventam nada disso. Eles sabem que a vida é simples. É só para viver. E têm essa verdade mais segura do que qualquer outra.

jpv


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Crónicas de África – Kaapsehoop

Crónicas de África – Kaapsehoop

Nelspruit, 6 de outubro de 2013

O fim de semana foi longo. Em Moçambique foi feriado na sexta feira, dia 4 de outubro. É o dia da Paz. Abençoada!

Porque precisávamos de descansar, porque era necessário fazer manutenção na viatura, decidimos vir ainda na quinta feira, ao final da tarde, até ao High Hide Lodge, visitar os nossos amigos, Norman e Debbie.

Quando chegámos, com a sua imensa simpatia, Debbie tinha feito uma cottage pie para nós. Estava deliciosa. É uma espécie de empadão, feito numa taça de “Pyrex” que vai ao forno. É de batata e o recheio de pedaços de carne, entre eles, bacon. Também leva cogumelos e ervilhas. Tem um molho delicioso. A saber a ervas e um pouco de caril.

Estranhámos o silêncio. Na grande Capital moçambicana é difícil ouvir o silêncio. Aqui, está em todo o lado, cortado, a espaços, pelos pássaros e pelas rãs.

Na sexta feira, dedicámo-nos a fazer quase nada. Ler. Dormir. Grelhar. Comer. Descansar. O ritmo vinha sendo intenso e a paragem foi providencial. Norman levou o carro para a manutenção e trouxe-o à noite.

No sábado, já com o carro pronto, fomos descobrir um pouco mais de Nelspruit, mas a única coisa verdadeiramente significativa que me vem à mente sempre que a visito, é que a cidade parece um gigantesco subúrbio de Maputo. É um pouco como quando se vai a Andorra e se está sempre a tropeçar em portugueses e a língua mais falada nas ruas é o português. Nelspruit está repleta de portugueses e moçambicanos e ouve-se falar português em cada esquina. Há mesmo empregados nas lojas e nos restaurantes que se abeiram de nós, olham-nos e soltam um  Bom dia! bem pronunciado. Nelspruit fica a 200km de Maputo o que quer dizer entre duas a três horas de deslocação dependendo do movimento que houver na fronteira. Já a passámos em vinte minutos e já a passámos em duas horas. Com o tempo, aprendemos a conhecer e a evitar os momentos mais concorridos.

Hoje, estávamos convidados para ir comer panquecas a uma terra chamada Kaapsehoop. Os sul-africanos pronunciam qualquer coisa como Kaps-a-uârpe.

Foi uma surpresa. É uma terrinha muito pequenina. As ruas, ou são de terra batida, ou são pavimentadas como se fosse a entrada de uma garagem, ou seja, duas tiras de pavimento, uma para cada pneu, separadas por relva. Os passeios são todos em relva verdejante. Todas as casas são como as de Pilgrims Rest, a imitar as do tempo da corrida ao ouro no início do século XIX, construídas em zinco e depois pintadas. Todas têm alpendres, num claro sinal de que o clima permite “vida de varanda”. Muitas casas têm as portas abertas e os visitantes são convidados a entrar, a provar os produtos caseiros e a adquirirem-nos, se quiserem. As pessoas são de uma simpatia extrema e olham cada visitante como uma novidade que chegou a Kaapsehoop.

Entrámos na casa de Anabelle, uma senhora a rondar os setenta anos. Ela veio à porta saudar-nos:
– Olá, como estão?
– Estamos bem, obrigado.
– Viram por aí o Mr. Dumpling?
– O Mr. Dumpling?
– Sim, o meu gato às riscas.
-Ah, sim. Um gato enorme que está ali fora!
– Se ele vos aborrecer, não liguem. O meu gato não sabe que é gato!
– ?!
– Pois, isso mesmo. Ele é filho de uma gata selvagem que o abandonou à nascença. Um vizinho encontrou-o no mato e trouxe-mo. Era do tamanho de um dedo. Dei-lhe leite num biberão. Primeiro, de meia em meia hora. Depois, de hora a hora. Um ano mais tarde, o malvado ainda bebia leite pelo biberão, mas eu já não tinha de lho dar à boca, dava-lhe o biberão e ele agarrava-o e bebia sozinho. Assim que abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi a minha cara, viveu sempre cá em casa e julga genuinamente que eu sou a mãe dele e que ele é humano. Ele não sabe que é gato!

Anabelle mostrou-nos fotos do Mr. Dumpling a beber sozinho pelo biberão e ele veio ter connosco a pedir festas. É um gato com doze anos, mas mais parece um texugo. É enorme e está gordíssimo.

Outra particularidade de Kaapsehoop são os cavalos selvagens. Animais belíssimos, enormes, de todas as idades, que nascem no mato e nunca foram domesticados. Vivem em estado selvagem. Quer dizer, semi-selvagem. A verdade é que se habituaram a invadir a cidade, percorrem as ruas, abrigam-se na sombra das árvores e metem-se com os visitantes se lhes cheira a presentinho mastigável. A Paula deu-lhes rebuçados e quando quis vir-se embora, eles cercaram-na e só a deixaram em paz quando ela lhes deu todos os rebuçados que tinha na mala. Como é que eles sabiam que havia mais rebuçados na mala é que eu não sei. Enfim, ela recebeu em troca um monte de baba de cavalo na palma da mão.

Por fim, fomos às panquecas. Comemos à sombra de um enorme carvalho. Salgadas, doces, agri-doces, há para todos os gostos e são ótimas. Foi numa casa transformada em restaurante de panquecas chamada “Koek ‘n Pan”.

Agora, aguarda-nos o trabalho, mas pode dizer-se que recuperámos muitas forças. O sono, o descanso e a novidade são excelentes alimentos para o espírito. O corpo, esse, contenta-se com grelhados na brasa e panquecas!

jpv

Kaapsehoop – Casa.


Kaapsehoop – Cavalos selvagens passeando na rua.


Kaapsehoop – Potro comendo guloseima.


Kaapsehoop – Casa das abóboras.


Kaapsehoop – Pormenor de alpendre.


Kaapsehoop – Interior da Igreja. O altar é um simples
estrado com um janelão para a rua. A cruz faz parte da
estrutura da parede.


Kaapsehoop – Sinal de trânsito a dizer para se ter cuidado
porque passam crianças, gatos, cães, rãs e fadas!


Kaapsehoop – Casa.


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Crónicas de África – Os Novos Chineses

Crónicas de África – Os Novos Chineses

Todos sabemos que o imenso poderio económico e financeiro da China começa a revelar-se e a ganhar proeminência internacional à medida que a Europa e os Estados Unidos são assolados por crises. Não espanta, pois, que os chineses invistam em mercados com grande potencial como é o caso de África. Ora, como esta gente faz o trabalho de casa e se prepara a sério para os desafios que tem de enfrentar, há uma imensa oferta de cursos de Língua Portuguesa nas universidades chinesas. E a razão está fácil de perceber. Se a ideia é entrar em África, então convém estar munido da mais importante das ferramentas. As línguas que aí se falam.

Aqui em Maputo veem-se muitos, mas não são os chineses a que estamos habituados. São diferentes.

Os chineses a que me habituei, por ler, por ouvir contar, por ver nos filmes e documentários, são pessoas que, independentemente de serem ricas ou pobres, e eram sobretudo pobres, eram muito discretas, deslizavam em passinhos curtos e silenciosos e falavam em palavras curtas e pouco sonorosas. Discretos, portanto. E contidos. Além disso, pessoas muito austeras, de poucos sorrisos e quase nenhuns risos. Isto pode estar tudo errado, mas é a imagem que tenho.

Depois, com o passar do tempo, surgiram outros chineses. Os das lojas e dos restaurantes, em Portugal. Esses falavam um pouco mais, trocavam os erres pelos eles, mas continuavam pouco sorridentes, quase só se viam nas ditas lojas e restaurantes, praticamente não se viam em locais públicos, permaneciam discretos e nada ostensivos de bens.

Em Maputo há uma nova casta de chineses. Em primeiro lugar, falam português com uma assinalável fluência, um sotaque muito treinado e uma amplitude vocabular invejável. Frequentam restaurantes e locais públicos, enchem as mesas de iguarias e canecas de cerveja, fumam demorados cigarros e charutos gordos, fazem-se transportar em veículos quatro por quatro de alta cilindrada e modelos recentes, trabalham como gestores de obras de construção civil seja de âmbito privado, seja público e falam alto, riem-se e brindam estalando as canecas estridentes da cerveja uma das outras.

Nós, portugueses, fazemos quase tudo isto. Mas nós somos mediterrânicos. Está na nossa matriz comportamental. A imagem que tinha dos chineses não era nada esta. Eu nem sabia que eles eram capazes de falar alto, quanto mais de saírem inebriados de um restaurante em conversas sonoras e gargalhadas soltas ao ar quente de África. Das duas uma: ou o continente vermelho muda as pessoas, ou há qualquer coisa, outrora adormecida, que anda a acordar nestes novos chineses. Como disse um amigo meu: Mao, mao!
jpv


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Crónicas de África – A Inigualável Gente de Moçambique

 

Crónicas de África – A Inigualável Gente de Moçambique

Só mesmo em Moçambique: regressámos há duas breves semanas e há já tanto para contar. Histórias com gente dentro.

Hoje, propositadamente, substituímos a habitual foto das “Crónicas de África” por essa que aí está e que retirámos da página Moz Maníacos no Facebook. Fizemo-lo porque estes sorrisos não os conhecemos em mais lado nenhum. São genuínos, transpiram a alegria verdadeira de quem não sabe ser de outra maneira. Há uma esperança no olhar de cada moçambicano que não sabemos de onde vem, mas que sabemos ser parte da identidade deste povo. E há também uma verdade transparente em cada pessoa, mesmo que essa verdade não nos agrade. Os moçambicanos são ímpares. Inigualáveis. São o que são, dizem o que têm a dizer, fazem o que têm a fazer, sempre com essa transparência expectável, sempre com um sorriso e uma alegria desconcertantes. Quatro breves apontamentos.

O Assalto.
Não vou entrar em pormenores. Não é isso que interessa. O que me interessa é a conclusão da história. Fui almoçar. Deixei uma pasta com um computador debaixo do banco do pendura. Claro que me tiraram a fechadura do carro, destrancaram a porta, abriram a mala, tiraram o computador, voltaram a fechar a mala, colocaram a fechadura no sítio e fecharam a porta. Quer dizer, toda a gente tem princípios, até um larápio de computadores. Se era para palmar o computador, não havia necessidade de estragar a viatura. Mai nada. Assim que chego a casa, estranho o facto da porta de trás estar a abrir mal, mas penso que se trata de uma avaria, a minha mulher sente a pasta mais leve, oh se estava(!), abre-a e computador viste-lo. Relaciono uma coisa com a outra, meto-me no carro, vou ao local onde tinha estacionado o carro para almoçar, chamo o arrumador a quem tinha pago para guardar o carro e nem lhe dou hipótese de argumentar, nem sequer lhe pergunto se sabe do computador, mostro-lhe o branco do olho e o ranger dos dentes e peço-lho de volta com a convicção firme de que ele o tinha e eu o queria. Resultou. Ele levou-me a quem o tinha que, perante argumentos similares, branco do olho e ranger de dentes, não hesitou em devolver-me o computador. A história acabaria aqui. Acontece que estamos em Moçambique, acontece que esta crónica teve uma introdução e é necessário que esta historieta seja coerente com ela. No momento em que me estende o computador embrulhado num saco preto, o larápio olha-me a medo e diz:
– Desculpa lá, boss.
Caros amigos e leitores, onde, em que outro lugar do mundo, é que um larápio devolve o produto do roubo e pede desculpa ao lesado?

Welcome Drink.
Um dos hipermercados a que vamos, também não há assim tantos, o Mica Premier, tem um bar com um longo balcão e umas mesinhas onde, por exemplo, se pode tomar o pequeno almoço. Uma vez por semana, ao sábado de manhã, costumo beber lá um café. Não é uma regra. É um hábito. Ora, com o café e a natural simpatia e abertura dos moçambicanos ajudando a isto o facto de, de vez em quando, eu vestir uma camisola do Benfica, os empregados foram metendo conversa, eu fui respondendo, criámos ali uma saudável picardia e umas palavras de saudação no início de cada fim de semana. Para mim, eram uma presença simpática a acordar-me o sábado. Para eles, pensei ser só mais um cliente. E até talvez seja, mas há algo especial nos moçambicanos: a forma generosa como reagem à simpatia. Um dia destes, penso que na sexta feira, passei por lá a beber um café antes de ir comprar não sei o quê para a despensa e eles vai de saírem para o lado de cá do balcão e distribuir demorados e apertados abraços, Então, porque nos abandonou tanto tempo? Estive de férias, fui ver o meu filho e a minha família. E encontrou tudo bem por lá? Graças a Deus. E vocês, estiveram bem por cá? E a conversa desenrolou-se e os abraços repetiram-se e eles renovaram as saudações e entretanto bebi o café e quando pedi para pagar eles disseram-me que pagavam eles, era uma Welcome Drink. Eu sei o preço do dinheiro para estas pessoas, por isso insisti para pagar até que um explicou. Nem pense nisso, hoje pagamos mesmo nós, é que pusemos um metical por dia de parte enquanto esteve fora para lhe poder pagar um café quando voltasse. E pronto. Lá segurei as emoções como pude, mas não há qualquer dúvida de que os meus companheiros de saudação matinal ao sábado e discussão dos lances mais duvidosos do futebol de fim de semana me cativaram, uma vez mais, com a sua alegria e a sua simpatia. Como eles se autoproclamam num cartaz, são mesmo capazes de um antendimento excepcionalmente super extraordinário! Mai nada!

É por isso que vale a pena!
Hoje vinha caminhando com a Paula, lado a lado, queimando umas calorias, como eu preciso, meu Deus, e cruzou-se um par de jovens connosco. Ouvimos, de passagem, a voz de um, em tom entusiasmado, revelando ao outro: Assim posso sonhar de duas maneiras! E pronto. Eis a súmula de tudo o que vale a pena nesta terra de oportunidades. Há desvantagens? Claro. Muitas. Mas há essa sensação preciosa que é a tangibilidade do sonho e da esperança. Sim, aqui pode-se sonhar. E, mais do que isso, podem concretizar-se sonhos. Os nossos e os de muita gente à nossa volta. É fundamentalmente por isso que esta terra vale pena!

O Outro Cão.
O nosso cão estava com o pelo demasiado grande. Tão grande que podiam advir-lhe uns incómodos. Ora, quando o mandei tosquiar e me perguntaram como queria o pelo, disse que queria o mais curto possível, nem mais, era o que faltava andar sempre a correr com o cão para o “cabeleireiro”. E o veterinário cumpriu a promessa. Deixei-o lá e quando o fui buscar já o guarda estava aqui a rondar o prédio. E a conversa que aconteceu, assim que saí do carro com o cão foi, mais ou menos, assim:
– Eh patrão, tem outro cão?
– Não, C., é o mesmo.
– Não pode. O outro tem o cabelo comprido.
– Não é outro. É o mesmo. Só que lhe mandei cortar o pelo.
Ele olhou demoradamente o cão e rematou:
– Tem a certeza?
– Tenho.
– É que parece mesmo outro.
– Mas é mesmo o mesmo.
– OK.
E abriu um sorriso confiando que eu estava mesmo certo de ser o mesmo cão. Não fosse a vida pregar alguma partida e surpreendi-me a olhar para o cão a verificar os traços. Era o mesmo. Pelo menos responde pelo mesmo nome!

Cada dia, uma aventura, uma surpresa. Umas boas. Outras más. Cada dia, esta terra e, sobretudo, esta gente com que me cruzo, vai entrando na minha vida e nos planos dos meus gestos. É uma terra fantástica. Diferente, em tudo, de tudo o que conheço. É uma gente de sonho e esperança. Inigualável.

jpv


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Crónicas de África – O Regresso

Crónicas de África – O Regresso

Maputo, 26 de agosto de 2013

De regresso a Moçambique. Uma multiplicidade de sentimentos e emoções cruzam-me a alma e trazem-me o peito no fio da navalha, entre a alegria e o aperto da saudade.

Antes de mais, quero pedir desculpa aos familiares e amigos que não consegui ver nestas férias. O tempo voou. Bastaria um só olá, um abraço, um beijo. Não foi possível porque não quisesse. Só porque não consegui. Dividido entre a família mais chegada e a necessidade de manutenção que um ano de ausência provoca numa casa, acabei não vendo todos. Em breve, será possível rever algumas destas pessoas que estão no meu coração.

Fizemos as viagens partindo de JoBurg. E a razão é simples. Menos de metade do preço. E conseguem-se trajetos de duração muito aceitável. Entre as 11 e as 13 horas de viagem. Ora, isto trazia um problema. Era preciso ligar Maputo a Joburg de carro. Cerca de 500Km. É aqui que entra o Y.R. que me foi apresentado, por quem havia de ser, pelo já aqui retratado M. O Y.R. é um moçambicano muçulmano que vive dos seus diversos, muitos, negócios, sendo o transporte de pessoas só mais um deles. Em viatura confortável, com condução muito segura, o Y.R. surpreende pela fluência do discurso e pelos muitos recursos que apresenta. Uma das coisas que apreciei nele, foi a calma e a tranquilidade com que enfrenta cada dificuldade. Nem a polícia, nem a fronteira chegam a ser problemas. Ele contorna com simpatia cada situação. E, claro, quando para numa qualquer portagem e saúda o/a portageiro/a com a frase “Have a sparkling day”, arranca-nos uma gargalhada. Colocou-nos no aeroporto e foi buscar-nos ao aeroporto com assinalável eficácia. Tema de conversa não podia faltar. Y.R. é um benfiquista tão apaixonado quanto eu. Vive o clube, a emoção do jogo, a superstição da roupa a vestir ou da posição dos comandos da TV quando o Benfica joga. Pediu-me para lhe trazer umas camisolas da Loja do Benfica, favor que fiz com toda a satisfação. Por outro lado, é um homem de Fé e leva esse assunto muito a sério, ainda assim, felizmente, fala dele com toda a naturalidade. E assim aprendi imenso sobre o islamismo e esclareci uma série de estereótipos que o tempo foi cristalizando. E quando chegou a minha vez, expliquei alguns aspetos do cristianismo com que o Y.R. estava menos familiarizado. Foi engraçado porque ele tinha todo o cuidado de parar para comermos e descansarmos e a única coisa que, desde o início, disse que tinha de fazer, era parar para fazer as suas orações. E assim foi. Moçambique na sua multiplicidade integradora de diferenças. Sem preconceitos. É um homem de família e um homem de bem. Foi a companhia ideal para ligar Maputo a Joburg.

O regresso surpreendeu-nos. Tínhamos lido e ouvido, ainda em Portugal, que o ambiente por aqui andava tenso. A verdade é que, felizmente para nós, os moçambicanos estão iguais a si próprios. Alegres e acolhedores. Os vizinhos receberam-nos com saudações calorosas, “Bem vindos!”, “Correu tudo bem do seu lado?”, “A viagem foi boa?”, “Ficamos felizes por terem regressado!”. Ora, que os vizinhos nos tivessem acolhido bem, foi muito bom, mas o que eu não estava mesmo à espera era de ser reconhecido pelo senhor que vende laranjas no semáforo da 24 de julho com a Amílcar Cabral, ou pela senhora que pesa a fruta no Mica… Rever os nossos primos foi importante e regressar ao local de trabalho e encontrar toda a gente com um ar fresco e bem disposto a tratar-nos como se estivéssemos naquela escola há vinte anos, também foi reconfortante.

E claro… há sempre aquela franqueza e aquela simplicidade deliciosamente desconcertantes. Foi preciso comprar um pequeno eletrodoméstico, um ferro de passar. Havia dois parecidos, quer dizer, iguais, mas com uma diferença de mil meticais (mais ou menos 25€). Chamámos uma funcionária da superfície comercial e perguntámos:
– Estes ferros parecem iguais, mas têm uma diferença de mil meticais, sabe dizer-me porquê?
Ela estranhou a pergunta, normalmente, por aqui, compra-se aquele de que se gosta mais. Uma questão de simpatia, amor à primeira vista, eu sei lá. Nós é que complicamos tudo o que é simples. E vai daí respondeu:
-Ora, servem os dois para passar.
Devemos ter feito um ar estranho, talvez insatisfeito com a resposta, então ela examinou os ferros e rematou o assunto de uma forma que só acho possível acontecer em Moçambique, uma ternura:
-Olhe, este aqui tem mais 100 watts. Sabe que mais? Isto serve é para passar a ferro, acho que 100 watts não valem mil meticais. Leve este. Ainda por cima, o que tem mais watts, gasta mais energia!
E não esteve com meias medidas, além de aconselhar, decidiu, porque a verdade é que agarrou na caixa do mais barato e pô-la nos nossos braços.

Atravessámos a avenida marginal, percorremos as capelinhas do costume, vimos as pessoas do costume e, de repente, a cidade vive de novo em nós. Pela frente, mais um ano de trabalho, numa terra inigualável. Moçambique acolhe-nos e nós deixamo-nos acolher. Regressámos há um par de dias e é como se nunca daqui tivéssemos saído!

jpv


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Crónicas de África – África Depois de África


Crónicas de África – África Depois de África

Zibreira, 24 de julho de 2013

Como a imagem documenta, fomos recebidos pela família e por amigos com bandeirinhas à porta de casa e a expressão “Bem Vindos” riscada no fundo de uma caixa de mines que bebemos com satisfação. Essa e outras. Rever a família foi fundamental. A mãe, a mana, o filho, os cunhados, os sogros, os primos, os tios, os amigos… Ainda não conseguimos vê-los todos. Tentaremos. Foi bom, foi reconfortante, o reencontro com o nosso país, as nossas gentes, os nossos rituais, a expectabilidade e a previsibilidade dos gestos das pessoas, dos serviços, dos equipamentos sociais. Tudo isso foi fantástico. E, contudo, essa organização e essa formatação, tão necessárias à nossa segurança e ao nosso bem estar, e que eu tanto prezo, foi aquilo que mais estranhei. África vive em mim nas coisas mais simples e impercetíveis do quotidiano. Há uma liberdade geradora, há improviso, há sonho, há esperança e há o acreditar de que ainda posso contribuir, de que ainda posso mudar. 

A Europa, sendo mais confortável, é mais constrangedora dos nossos movimentos.

Sou tão português como sempre fui. Talvez mais. A condição de emigrante força-nos a reperspetivar o nosso país com olhos de benevolência adocicada pela saudade. Mas temo que, definitivamente, já não seja só português. Talvez tenha duas nações e talvez uma delas seja um continente inteiro. Nós podemos partir de África e regressar ao confortável ninho da nossa pátria, mas África não parte de nós. Anicha-se no nosso coração com a virtude da liberdade, dos sorrisos de esperança e com todas as suas vicissitudes e instala-se no nosso ser. África fica.

Às vezes temo ter duas pátrias. Quem sabe se um dia chego a Portugal e me sinto estranho e, estando em África, não estarei completamente em casa porque me falta o chão lusitano. Muitas pessoas vivem a dicotomia da identidade. Podendo ser de duas terras, não sabem bem a qual pertencem. Eu temo pertencer tanto às duas que venha a não pertencer a nenhuma. A Portugal regressa-se. É o “nostos” grego sem tirar nem pôr. De África nunca se parte. Em Portugal dominamos, mas temos a liberdade coarctada. Em África somos dominados, mas temos a liberdade à rédea solta. Em Portugal vive-se a segurança que se conquista ao preço de limitar horizontes. Em África, a insegurança representa um sem número de oportunidades num horizonte longínquo e indefinido de possibilidades de vida.

Nestes dias de manutenção de espaços e afetos, tem-me andado este país a enternecer, tem-me andado aquele continente a chamar. África depois de África, em Portugal.

jpv


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Crónicas de África – Chopela Cristã

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Crónicas de África – Chopela Cristã

Maputo, 28 de junho de 2013

A chopela é um meio de transporte caraterístico de Maputo e, sem dúvida, um dos mais usados. Mais barato do que um táxi e muitíssimo mais eficaz do que um chapa (Toyota Hiace com 20 pessoas lá dentro) porque não faz paragens. A chopela passa por cima de toda a folha, passeios incluídos, e lá segue, ruidosa, o seu caminho. Era suposto levar duas pessoas, mas já as vi com quatro e com considerável carga a bordo, sacos de farinha, carvão, etc. Os turistas adoram porque aquilo é típico e divertido. Um bocadinho como andar de carrossel. Uma vez entrei numa e o senhor levava ligado e a bombar música um sistema de som que devia valer mais do que a própria motoreta.

Uma coisa que marca a sua presença na cidade, são as máximas que se gravam na capota. Aquilo é como que uma espécie de princípio de vida do seu proprietário. Há de vários teores, mas, as mais frequentes são de índole religiosa.

Já vi “Lápis de Deus não tem borracha”, já vi “Segue-me que eu vou bem”, já vi “Eu conduzo, mas Deus guia”, já vi “Não sou o maior mas sou o mais rápido”, enfim, já vi de tudo um pouco, mas só ontem tive oportunidade de fotografar uma destas máximas impressas. Perdoa-se o acento mal colocado, até porque a invocação da Divindade a isso aconselha, mas, admitamos, se me calhasse andar nesta chopela, ficava, no mínimo, preocupado. Então um tipo entra ali na 24 de Julho, pretende ir até à Escola Portuguesa e, de repente, vê-se confrontado com a possibilidade de ir até à vida eterna? Eh pá, no que respeita a esses assuntos, eu sou como o outro: “A vida eterna pode esperar!”

PS: aquilo ali à frente não é um carro depois de um semáforo encarnado. É uma ilusão de ótica!
jpv


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Crónicas de África em Imagens – Maputo Outdoor

Crónicas de África em Imagens – Maputo Outdoor

Maputo, 16 de junho de 2013

Uma das marcas culturais e epocais da Capital Moçambicana são os outdoor. É, eventualmente, o meio de publicidade mais utilizado e é, sem sombra de dúvida, um dos mais eficazes.

Há publicidade na TV, há na rádio e nos jornais, mas os outdoor marcam o quotidiano colorindo a cidade, transformando as fachadas laterais dos prédios, normalmente com a pintura degradada, em espaços que atraem o olhar e anunciam empresas, serviços e produtos.

Os outdoor são aos milhares, em papel, em palhinha, eletrónicos e de todos os tamanhos e feitios. Contudo, os que mais caraterizam a paisagem da cidade são os gigantescos mega-anúncios colocados nos edifícios.

Abaixo, deixamos 26 exemplos com um pequeno comentário onde se inclui a localização. As fotos foram tiradas com telemóvel e algumas até foram captadas em movimento daí que a sua qualidade possa não ser a melhor, mas  não era esse o objetivo. Divirta-se a analisar o que se anuncia, a linguagem utilizada e a composição gráfica escolhida para os maiores anúncios de Maputo.

KFC – Av. 25 de Setembro.
A concorrente Mcdonald’s não está autorizada a operar em Moçambique.
 Amarula – Av. 24 de Julho
Trata-se de uma bebida alcoólica produzida a partir da planta/fruto que lhe dá o nome.
É produzida na África do Sul.
Western Union – Av. 24 de Julho
Este anúncio tem a particularidade de ser um dos poucos onde se identifica a empresa que o produziu.
Coca-Cola – Av. 24 de Julho
A bebida mais consumida e mais barata de Moçambique. Uma garrafa de Cola-Cola tem o preço tabelado e impresso na cápsula. Custa 12 meticais (menos de 0,30€).

Blue – Av. Eduardo Mondlane
Trata-se de uma bebida muito consumida. Tem uma variedade muito grande de sabores.
Mcel – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica Moçambicana. Tem um dos slogans mais usados em Moçambique porque radica numa expressão popular: “Estamos Juntos”. Significa somos amigos, estamos em consonância, estamos de acordo.
Cartrack – Av. Rduardo Mondlane
Sistema de rastreio de carros furtados.
Mcel – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica Moçambicana. Tem um dos slogans mais usados em Moçambique porque radica numa expressão popular: “Estamos Juntos”. Significa somos amigos, estamos em consonância, estamos de acordo.
Mcel – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica Moçambicana. Esta série de outdoors é feita usando texturas típicas de Moçambique.
TDM – Av. Eduardo Mondlane
Operadora de Internet e comunicações Moçambicana.
Colgate – Av. Eduardo Mondlane
Millennium – Av. Eduardo Mondlane
A marca Millennium, em Moçambique, pertence ao grupo BIM. O grande concorrente é o BCI, pertencente ao Grupo Caixa Geral de Depósitos.
TDM – Av. Eduardo Mondlane
Operadora de Internet e comunicações Moçambicana.
Vodacom – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica do grupo Vodafone. O crédito vodacom é em duas “moedas”. Meticais para o saldo real, a usar em chamadas para outras operadoras. E saldo “Vodacom” a usar entre clientes da operadora. Nessa modalidade, há chamadas muito baratas, a partir de 2 meticais por minuto (0,025€). A simpatia moçambicana acolheu muito bem um slogan da Vodacom: “Tudo bom pra ti!” e a expressão entrou no quotidiano.
Blue – Av. 24 de Julho
Trata-se de uma bebida muito consumida. Tem uma variedade muito grande de sabores.
Vodacom – Av. Mao Tse Tung
Operadora telefónica do grupo Vodafone. O crédito vodacom é em duas “moedas”. Meticais para o saldo real, a usar em chamadas para outras operadoras. E saldo “Vodacom” a usar entre clientes da operadora. Nessa modalidade, há chamadas muito baratas, a partir de 2 meticais por minuto (0,025€). A simpatia moçambicana acolheu muito bem um slogan da Vodacom: “Tudo bom pra ti!” e a expressão entrou no quotidiano.
Mcel – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica Moçambicana. Tem um dos slogans mais usados em Moçambique porque radica numa expressão popular: “Estamos Juntos”. Significa somos amigos, estamos em consonância, estamos de acordo.
Vodacom – Av. 24 de Julho
Operadora telefónica do grupo Vodafone. O crédito vodacom é em duas “moedas”. Meticais para o saldo real, a usar em chamadas para outras operadoras. E saldo “Vodacom” a usar entre clientes da operadora. Nessa modalidade, há chamadas muito baratas, a partir de 2 meticais por minuto (0,025€). A simpatia moçambicana acolheu muito bem um slogan da Vodacom: “Tudo bom pra ti!” e a expressão entrou no quotidiano.
Mcel – Av. Eduardo Mondlane
Operadora telefónica Moçambicana. Esta série de outdoors é feita usando texturas típicas de Moçambique.
Nivea – Av. 24 de Julho.
Os outdoors deste prédio mudam, mas costumam ser sempre da mesma marca.
Leite Nido – Av. 24 de Julho
O velhinho Nido da Nestlé está em muito boa forma em Maputo.
Toyota – Av. Eduardo Mondlane.
Este outdoor foi recentemente tirado. Constituiu, durante algum tempo, uma interessante atração da Capital. Não só pela pick up suspensa, mas também pelo original efeito das marcas de travagem fora dos limites do anúncio. Há no Youtube um filme sobre a sua colocação. A Toyota é a marca de automóveis mais comercializada em Moçambique.
Cadbury – Av. Eduardo Mondlane
Só para gulosos!
Banco ProCredit – Av. Eduardo Mondlane.
Um banco de suporte quase só digital. Tem, contudo, uma agência na Av. 24 de Julho.
Vodacom – Av. Eduardo Mondlane
Um outdoor longitudinal de colocação em topo de edifício.
Mcel – Avenida 25 de Setembro
Este outdoor longitudinal tem a particularidade de estar no cimo do prédio mais alto de Maputo. O edifício é conhecido como o “Prédio 33” por ter, precisamente, 33 andares, erguidos 118m acima do solo, nos anos setenta.

jpv
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À exceção da imagem do outdoor Toyota,
todas as imagens foram captadas por mim ou familiares.


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Crónicas de África – Uma Semana em Maputo

Crónicas de África – Uma Semana em Maputo

Maputo, 19 de maio de 2013

Tenho-o dito e repito, sem preconceitos, a experiência de viver em Maputo tem tido as suas dificuldades, mas é absolutamente fantástica. Uma das muitas coisas a que temos de habituar-nos é o ritmo. Os dias acordam muito cedo, a partir das 4, 4:30 e também se escondem cedo, por volta das 20 é hora de começar a adormecer e às 22 é muito tarde. Não tem tanto a ver com as horas, mais com o ritmo dos dias.

Por outro lado, também a sequência de acontecimentos, a forma como a vida se encadeia, é muito diferente daquilo a que estamos habituados na Europa e, em particular, em Portugal. Não é pior, nem melhor. É, simplesmente, diferente. Vejamos como pode ser uma semana em Maputo. Este exemplo é diretamente retirado do filme da minha vida, logo, foi real e efetivamente vivido.

Segunda Feira
– Aulas.
– O carro começa a ter dificuldade em pegar.
– Falta a água à noite. Nada a fazer.

Terça Feira
– O diagnóstico da falta de água revela inequivocamente que a bomba que leva a água do depósito no r/c, que a recebe da companhia, e a bombeia para o depósito no terraço, no 4º andar, donde descerá para a casa, no 1º andar, queimou. Literalmente. Contacta-se o senhorio que faz o favor de contactar o eletricista/canalizador que, às 7:30, informa que chegará às 9:30.
– Almoço no Piri-piri. Frango de churrasco, o que havia de ser?

– Às 14:30 chega o canalizador/eletricista, um tudo-nada atrasado. Informa que a reparação demora 30 minutos.
– Levar o eletricista/canalizador a casa para trazer as chaves.
– Comprar uma bomba nova.
– Petisco ajantarado com o Nunes e uns amigos. Chouriço assado com vinho de Reguengos. Faz-se diagnóstico do carro. Precisa nova bateria.
– Às 21:30 o arranjo de 30 minutos da bomba que leva a água do r/c para o terraço a fim de baixar ao 1º andar é remetido para o dia seguinte.

Quarta Feira

– Comprar bateria nova. A pessoa que a vende substitui a bateria velha por uma nova.
– Em casa, arranjar o arranjo da bateria refazendo as ligações que estavam mal amanhadas.
– Aulas.
– À tarde falta a luz.

– O fornecimento de luz é retomado ao princípio da noite.
– Prossegue o arranjo da bomba de água. Banho com um balde e um púcaro.
– O Benfica perde com o Chelsea.

Quinta Feira
– 48 horas depois de ter sido diagnosticado um arranjo de 30 minutos recupera-se o fornecimento de água.
– A buzina do carro começa a apitar sozinha. Ao cabo de três vezes, dou-lhe um valente murro. Nunca mais se manifestou por vontade própria.
– Aulas.
– Preparação do Sarau das Línguas: audições.
– Falta o sinal de televisão. Depois de verificados os cabos, contacta-se a empresa que fornece o serviço de televisão. Vamos já!

Sexta Feira
– Pagar ao eletricista/canalizador.
– Aulas.
– Jantar da equipa que coordena os trabalhos de preparação do Sarau das Línguas.
– 24 horas depois de ter sido suspenso sem aviso, retoma-se o fornecimento de serviço de televisão.

Sábado
– Compras.
– Corrigir testes.
– Skype com a família.
– Dormir e sonhar com um domingo tranquilo que começará, sem dúvida, com um banho retemperador.

Domingo
– Falta a água. Pânico geral. Telefonemas diversos para o senhorio e eletricista/canalizador. Uma hora depois, assistido por telefone, descubro que ele tinha enchido o depósito do terraço, tinha ligado a bomba nova, mas… tinha-se esquecido da torneira de segurança fechada. Abre-se a torneira de segurança. O líquido precioso jorra avonde. Banhos. Finalmente.
– Pequeno almoço no Continental.
– Passeio de carro e a pé pela marginal. Paisagem belíssima.
– Testes.
– Intervalo dos testes para fazer esta publicação no MPMI.

Se eu podia viver sem ser em Maputo?
Poder, podia, mas não era a mesma coisa!

E, por fim, algumas imagens que acompanharam a loucura de uma semana normal na Capital moçambicana:


Poloni faz um amigo.
Se não fosse o vidro, brincávamos mais.


Marginal de Maputo.


Leitura matinal junto ao mar.


Marginal de Maputo.


Vista da praia da marginal de Maputo onde
Poloni costuma dar umas corridinhas.


Bóia conhecida por Árvore de Natal.


Passeio domingueiro, pela manhã, com Poloni.

jpv