Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio – A Tia da Beatriz

A Tia da BeatrizCaros amigos e leitores, esta é a primeira história do Clã do Comboio em que há interacção, mais especificamente, conversa entre mim e um passageiro. Tinha de ser especial pessoa, pois então!
Sexta-feira. Quase 19h. O frio aperta. Quando entro no comboio não está quase ninguém e o ar condicionado devolve-me à vida e ao conforto. Coloco a música nos ouvidos, caderno e caneta nas mãos, escrevo e espero que o fim-de-semana venha até mim.
Quando ela chegou, não soube bem como aconteceria, mas pressenti que conversaríamos. Tinha um ar bem disposto e comunicativo. Parecia daquelas pessoas que não quer perder nada da vida e o olhar transparecia uma simpatia natural. Não me enganei.
Mas não foi por isso que escrevi sobre ela. Foi pela naturalidade e pela dedicação. tinha a face redonda e o sorriso aberto e bonito, a tez clara e o cabelo escuro e ondulado por cima dos ombros. Vestia a juventude dos seus vinte anos, mais coisa, menos coisa. Era, de certeza, uma jovem estudante que vinha de fim-de-semana a casa. Tinha todas as características de uma pessoa na flor da juventude e contudo surpreendeu-me. Comecei por estranhar que o seu telemóvel fosse de um modelo menos recente. Ia apostar que aqueles já não se fazem. Depois, tirou uma tira de pano com cerca de 10cm de largura e bastante comprida onde estava a bordar a ponto cruz flores com sorrisos e o nome Beatriz. Era baixa e por isso com muita arrumação e só assim conseguiu contorcer-se e encontrar posição para bordar quase indiferente aos solavancos do comboio como se não perturbassem o que estava fazendo. E fiquei vendo um quadro antigo com uma menina jovem que não lia romances com vampiros, não tinha um computador, não lia uma revista cor-de-rosa, não se esvaía em sms a partir de um telemóvel última geração. Entretinha o tempo bordando Beatriz a ponto cruz. Reparei que aproveitava a linha mesmo até ao finzinho. Quando era tão curta que a agulha não conseguia dar a volta, ela desenfiava a linha, espetava a agulha, voltava a enfiar a linha e dava o ponto.
Num movimento mais brusco da grande lagarta metálica, a folha onde tinha impresso o que estava a bordar caiu ao chão e eu apanhei-lha.
——– Muito Obrigada!
——– Não tem de quê. Não é por si que estamos em crise. Aproveita a linha mesmo até ao fim…
——– Não é por isso. Tento cortá-la o menor número de vezes porque os remates dão muito trabalho.
E isto bastou para que nem eu ouvisse mais música, nem escrevesse mais uma linha, nem ela desse mais um ponto. Fomos conversando o caminho todo. Percebi que Beatriz era a sobrinha e percebi que a Tia da Beatriz bordava com gosto e dedicação e fazia-o porque a mãe lhe ensinara. E disse-o com naturalidade e assumiu isso na sua juventude. O seu código de estar não implicava que se identificasse com os outros jovens fazendo o que eles fazem. Podia ser só a Tia da Beatriz que borda com carinho para a sobrinha porque a mãe lhe ensinou e isso a faz feliz. E quando lhe disse que escreveria sobre ela mas não queria saber o seu nome porque para mim bastava que fosse a Tia da Beatriz, ela não reclamou nenhuma espécie de protagonismo e voltou a surpreender-me com a sua naturalidade:
——– Eu reparei que não quis perguntar e por isso não lho disse.
Eu sei que a Beatriz vai ter um saquinho da escola todo bonito com o nome bordado mas sei algo mais importante. A famíla da Tia da Beatriz deve estar orgulhosa dela porque não só assume a herança de simplicidade e dedicação que lhe deixaram, como já a está transmitindo à sobrinha. Não sei se virá aqui um dia ler o que escrevi sobre ela, mas se vier, o melhor que posso dizer da Tia da Beatriz é que todas as sobrinhas deviam ter uma tia assim.


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O Clã do Comboio – Eh pá, deslarga-me!

Eh pá, deslarga-me!
É o mundo que temos. É a sociedade que temos. São os costumes que vamos tendo e a que nos vamos submetendo. A pequena conversa que vou transcrever-vos aconteceu pela manhã de uma segunda-feira sendo que havia estas caraterísticas: o primeiro interlocutor queria muito falar. Acordou activo e dinâmico. O segundo ainda estava no resto do fim-de-semana e queria mais dormir do que falar. Como eram amigos, teve de falar. Acontece que a sintonia era muito… assíntona!
——– Então, já foste ver o Continente?
——– Eu não. Quero lá saber disso.
——– Eh pá, é grande. Tem muita coisa.
——-Não são todos assim? Quando lá tiver alguma coisa para fazer, vou lá. De propósito não vou.
——– Eh pá, mas este está mesmo grande!
——– Pois…
——– Então e o Domingo, como foi?
——– Foi bom. Estive em casa a descansar. Andei por ali, vi televisão, estive com os miúdos. Nem saí de casa.
——– Eu fui ao Lidl!


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O Clã do Comboio – A Mulher que Sofria da Visícula

A Mulher que Sofria da Visícula

Por vezes gosto de escrever os textos limitando-me à reprodução do diálogo. E a razão é simples. A sua riqueza dispensa descrições. Ainda assim, é melhor dizer-vos como era esta senhora.
Uma saia de fazenda cinzenta abaixo do joelho, meias de lã grossa, o cabelo apanhado atrás com um tótó, um casaco castanho claro de fazenda grossa com botões em castanho escuro, óculos, um envelope grande com exames no colo e em cima dele uma mala preta enorme. E falava! Falava com as pessoas que estavam de frente para si como se as conhecesse e explicava-lhes coisas como se lhe tivessem perguntado. A determinada altura, alguém começou a responder-lhe mais para a senhora não parecer tão alucinada do que para saber coisas ou conversar com ela. O marido, pequenino, rosado e cheio, num fato cinzento onde mal cabia, ia sentado ao lado dela mas parecia não ter autorização para falar.
——– Vou ao médico, sabe. Estou muito doente. É a vesícula. Sofro muito da vesícula.
——– Leva exames…
——– Levo, são raios X.
——– À visícula…
——– Não, credo, não se fazem raios X à visícula. É ao torax. O médico diz que esta tosse é esquisita, mas não tenho nada nos pulmões. Tenho esta tosse desde miúda. Já a minha mãe a tinha. Foi de andar no campo. Mas eu sofro é da vesícula.
——– Já fez exames…
——– Já. Tantos! Olhe, ainda há duas semanas me picaram todinha. O médico diz que os ossos estão fracos. Falta de cálcio. Mas não pode ser. Eu sempre fui rija. Foi de ser criada no campo. Sabe, eu sofro muito é da vesícula.
——– Então e os exames?
——– Olhe, inda há pouco tempo fiz um taco. Parece que tenho qualquer coisa na cabeça. Mas não, eles sabem lá… sempre tive boa memória. As coisas que eu me lembro!
——– Mas já te vais esquecendo…
——– ‘Tá calado, homem, não serves p’ra nada. Já a minha mãe tinha boa memória. O meu problema é a vesícula.
——– Então, mas fez exames à visicula ou não?
——– Eu não! Nem preciso. Uma pessoa sente-se e sabe o que tem…
——– E o médico, o que diz da visícula?
——– Diz que não tenho nada, mas eles não percebem nada. Eles agora saem tão novinhos das universidades. Podem lá agora saber, não podem! Eu é que sei o que eu sofro com a vesícula. Trago aqui uma pontada há anos. Se ao menos algum médico me visse isto e me receitasse qualquer coisa… mas a gente às vezes vai ao médico e eles nem um comprimido p’rás dores receitam… não sabem nada.


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Histórias do Autocarro 28 – A vida dela em 20 minutos

A vida dela em 20 minutos

O autocarro 28 que liga o Restelo à Portela e volta anda a surpreender-me.

Será possível conhecer a vida privada e íntima de uma pessoa entre a Av. Infante Santo e Santa Apolónia num percurso que demora entre 20 e 30 minutos?

Claro que sim. Desta vez havia pouco trânsito, não chovia, logo, a coisa foi breve. Vinte minutinhos apenas. Tinha uma voz serena e um olhar tranquilo. O telemóvel pendurado ao pescoço, um fio para onde falava e outro com phones por onde ouvia. Assim que entrou, a geringonça apitou e a conversa começou. Falava olhando para a rua como se estivesse a conversar com o vidro. Não sei se chegou a aperceber-se de como se estava a expor, mas ficámos todos a saber o seguinte:

– Estado civil.
– O que pensa do ex-marido e família.
– De como o processou.
– Porque o processou.
– Que indeminização espera.
– Quantos filhos tem.
– Como se chamam.
– Porque não quer de novo homens na sua vida.
– Que companheiros tem.
– Como se encontra com eles.
– Onde se encontra com eles.
– Como se chama a pessoa que propicia os encontros.
– Onde vai estar no próximo fim-de-semana.
– Com quem vai estar no próximo fim-de-semana.
– O que pensa da vida.
– Como pensa que as pessoas se devem comportar umas com as outras.
– O que pensa da amizade e o que vale para si.

Tudo enquanto falava com, e cito, “O cota mais curtido que existe” que, também se soube, era seu tio e se chamava… sim ela disse!

jpv


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O Clã do Comboio – A Grande Família

A Grande Família.
Depois de um pequeno texto que escrevi e aqui coloquei sobre uma conversa que se passou no comboio e como tenho vindo a coligir informação sobre este extraordinário manancial de vida, venho hoje trazer-vos um texto que apresenta, na generalidade, este clã. Quem são, que hábitos têm, como se comportam. Faço-o como homenagem aos passageiros diários do comboio. Não o usam para férias, nem esporadicamente para ir ao médico ou ao teatro ou à bola. Usam-no todos os dias para ir trabalhar. Importa, desde já, esclarecer de que percurso se trata. O clã de que vou falar-vos viaja todos os dias entre Entroncamento e Lisboa, seja Oriente, seja Santa Apolónia. Mais para a frente mostrar-vos-ei algumas personagens individuais. Para já, fica uma fotografia de grupo da grande família.
Qual comboio?
Aqui começa a seriação. Quem precisa estar muito cedo na capital, apanha o das 6:18h, quem pode estar um pouco antes das 9h, usa o das 7:18h. A hora não é tão dura e continua a ser um interregional, ou seja, só faz duas paragens entre o Entroncamento e Lisboa. Também há o das 7:40h, mas esse é regional e ir no regional significa parar em todas as capelinhas e chegar muito tarde. Cheguei a experimentá-lo. Leva muita gente, é lento e chega tarde. Definitivamente, o meu clã, a minha família é a do interregional das 7:18h na linha 5.
Onde?
Onde se espera? Onde se entra? Onde se senta? Onde se sai?
É interessante, o homem é mesmo um animal de rituais. A maioria das pessoas deste clã espera todos os dias no mesmo sítio, entra todos os dias na mesma carruagem, senta-se todos os dias na mesma zona dela e sai todos os dias no mesmo local. O comboio é longo. São nove ou dez carruagens a entrar pela estação dentro e a parar mais ou menos no mesmo local. Ao metro! O mais engraçado é que há pessoas que vão esperá-lo lá à frente, outras ficam cá atrás, outras esperam-no frente ao bar, outras frente ao quiosque, outras junto ao relógio e até as há que se sentam todos os dias no mesmo banco de espera. Há pessoas que são amigas e conversam antes do comboio chegar, algumas trabalham juntas, mas quando a grande lagarta metálica chega, separam-se porque cada um vai para a “sua” carruagem. Por exemplo, ultimamente comecei a cumprimentar um senhor porque todos os dias esperamos o comboio exactamente no mesmo sítio, de frente um para o outro, em lados opostos da linha. Lá dentro, há quem fique junto às portas, ao centro da carruagem, há os que escolhem o fundo da mesma, há os que se sentam em bancos de dois lugares e os que se sentam em bancos de três. Tudo isto seria muito menos interessante não fosse o facto de serem quase sempre os mesmos a sentarem-se na mesma zona. É como sair. Os que escolhem as portas da frente da carruagem são, geralmente, os mesmos, tal como os que escolhem as portas mais recuadas. Do mesmo modo, há pessoas que se chegam às portas muito antes do comboio parar, como as há que ficam sentadas para serem as últimas a sair. E também estes não variam. São invariavelmente os mesmos.
Moda.
A moda do clã é, fundamentalmente, a moda do trabalho. A variedade aqui é determinada pela idade, pelo gosto pessoal, mas, sobretudo, pelo tipo de trabalho que se exerce. Nos homens, a coisa é mais formatada. Da calça de ganga ao fato e gravata, a moda varia pouco. Já a moda feminina entra e sai do comboio ao ritmo da mudança das estações, das cores que se usam, das peças que estão em voga. Curiosamente, tenho reparado que a maioria das mulheres, mesmo as que seguem a modinha, não brinca com o calçado. Vistam lá o que vestirem, em 90% dos casos optam pelo conforto, primeiro e pela estética, depois.
O meu grande destaque, em sede de moda, vai para o pessoal da bicicleta. Há passageiros que trazem uma bicicleta para o comboio e uma mochila. Quando chegam a Lisboa, não usam transportes, andam de duas rodas. A mochila leva a roupa de trabalho que vestem à chegada ao mesmo. Estes andam de fato de treino e até de calções de licra.
Grupos.
Esta malta junta-se, normalmente, em três grupos. Os espontâneos que se formam num dia e nele se desfazem. Os que se juntam informalmente porque se sentam mais ou menos no mesmo local do comboio e os que se juntam porque trabalham no mesmo local. Em todo o caso, seja qual for o grupo, quando chegam à estação para apanhar o comboio, ou quando se sentam e se procuram com o olhar é como se estivessem verificando se está tudo bem com o universo. A crise é má? Chove muito? Há problemas sociais? Há falta de emprego? O Benfica perdeu? Nada disto importa quando aquela pessoa que não conhecemos de lado nenhum entra na “nossa” carruagem e se senta. Isso quer dizer que, afinal, o fim do mundo não foi hoje!
Conversas.
Há dias em que não oiço música para ouvir as conversas e há uma coisa curiosíssima, ou melhor, duas. Uma é que o leque de assuntos é limitado. Outra é que ele evolui sempre da mesma forma ao longo da semana. Futebol e família são sempre no início da semana, sobretudo à segunda-feira. Depois, ao longo da semana fala-se de trabalho, de política e de saúde. De trabalho para contar pequenos episódios e dizer que vai bem ou mal. De política para dizer mal do Governo e apresentar todas as soluções para os males do país. Se eu fosse político e quisesse resolver os problemas da nação, passava a andar regularmente de comboio. De saúde para expor as maleitas próprias e, em muitos casos, as doenças esquisitas de que sofre a sogra ou um familiar distante.
Já assisti, em situações particulares, sobretudo no comboio de regresso, 17:18h ou 18.18h, a alguns grupos de homens olharem em volta, certificarem-se de que não há senhoras nas redondezas e falarem de miúdas. Nessas conversas costuma haver expressões como “avião”, “helicóptero”, “Ferrari” e “topo de gama”. Sim, estão a falar de miúdas!
Telemóvel.
Não nos livramos desta estridência. Há dois tipos de toque no comboio. O discreto e o polifónico com um sucesso musical da época que acorda meia carruagem. Mas, o mais giro é a forma como se fala ao telefone. Neste aspecto não há “normais”. Só há dois grupos. Os que colocam a mão à frente da boca e tentam manter a conversa privada e os que gritam para o telefone como se estivessem a falar para a pessoa que está na outra ponta da carruagem. É deliciosamente embaraçoso. Embaraçoso porque ficamos todos constrangidos por ouvir o que não queríamos ou, pelo menos, não é nada connosco. Delicioso porque a malta fica a saber o que vai ser o jantar, qual é o código do cartão multibanco, em quanto é que aumentou a prestação da casa e quem é que vai buscar o puto à escola. Tudo isto salpicado com beijinhos e olás e a frase mais repetida de sempre ao telefone no comboio: “Repete lá isso outra vez, é que eu vou no comboio!”
Leituras.
A malta lê e a malta é diversificada nas leituras. Há quem leia documentos do trabalho, há quem leia livros da mais reconhecida literatura, de Saramago a Tolstoi já vi de tudo, há quem leia revistas cor-de-rosa, estes são a maioria, há quem leia o jornal desportivo e depois há uns muito engraçados que trazem o livro, a revista ou o jornal mas nunca os lêem. É como se os trouxessem para um passeiozinho de comboio. Coisas!
Música.
Eu não sei que música se ouve no comboio, mas sei que se ouve muita. Alguns dizem que é porque gostam de música, outros dizem que é para não ouvir o matraquear do comboio nos carris. Há três tipos de pessoas. Os que não ouvem música. Os que ouvem tapando os dois ouvidos mergulhando no mundo das melodias e aqueles que têm um olho no burro e outro no cigano em versão ouvido que é como quem diz, num ouvido levam a música e com o outro vão à espreita do que se diz. A música também tem modas em relação às formas de reprodução. Há os que trazem um computador portátil e ouvem a partir dele com auricular, há os que têm leitores de MP3 e há os modernaços que trazem a música no telemóvel e ouvem a partir daí. Também os auriculares davam uma tese. Brancos, pretos, cinzentos, metálicos, de enfiar no ouvido ou de tapar a orelha. Isso não interessa nada. Interessa é ir a curtir um som.
Refeições.
Pois, se pensavam que a vida do clã do comboio é uma vida de barriga vazia, enganaram-se. Esta malta trata-se bem. As refeições têm, normalmente, três tipos e uma variação. Fruta, para a malta das dietas. Barras de cereais, para a malta das dietas a sério. E sandes de queijo com fiambre e alface para os alarves. A variação exige uma ginástica e um treino que não pode ser para principiantes. Vai um tipo muito bem, todo descansadinho, e há uma senhora, são sempre as senhoras, que abre a sua mala e de lá consegue tirar um iogurte, um pacote de açúcar, uma colher, um guardanapo e um saquinho de plástico. Eu sei, ela só tem duas mãos! Mas a verdade é que, com o comboio em movimento, abre o iogurte, desfaz-se da tampa, põe o açúcar, mistura, morfa-o, limpa-se ao guardanapo e coloca os despojos no saquinho de plástico. E, claro, volta tudo para a mala. Tudo, menos o conteúdo do iogurte!
Conclusão.
A palavra que emerge de toda esta vida e de todos estes rituais é democraticidade. Aqui somos todos abençoadamente iguais. Pessoas à procura de um banco para irem confortáveis até ao trabalho. Eu gosto desta gente porque é gente de trabalho, porque faz uma viagem cansativa para ir trabalhar e outra para poder regressar e porque incorpora nos seus hábitos o facto de ter de fazer a deslocação partilhando o espaço e o ar que se respira. Este texto foi escrito com o comboio em movimento ao lado de uma pessoa que é exemplo de um outro grupo, um grupo que deixei para o fim de propósito, são aqueles que continuam aqui o que estavam fazendo na cama. Dormem que nem uns justos e não acordariam nem que viesse o comboio. Ainda assim, chegada a sua estação, abrem um olho, confirmam que acordaram no sítio certo e lá vão eles à vidinha. Olha, este que estava aqui ao meu lado a ressonar, já lá vai. Bom trabalho, amigo!


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O Clã do Comboio – Antes Deprimida!

Por razões de trabalho, iniciei esta semana uma fase da minha vida em que todos os dias úteis faço duas viagens de 20min. de carro, duas viagens de 1,30h. de comboio e duas viagens de 25min. de autocarro. Ou seja, para ir e regressar são mais ou menos duas horas e um quarto para cada lado. E estou a adorar. Sobretudo o clã do comboio. Fica prometido que, se me lembrarem, farei um texto sobre o clã do comboio. Lá mais para a frente, quando o conhecer melhor.
Para já importa dizer que aquilo é um fervilhar de vida e conversas e cumplicidades e tiques e rituais… Por exemplo, sabem como se identifica tacitamente um membro do clã? É quando vem o revisor. Quem mostra o passe pertence ao clã, quem mostra um bilhete é uma ave de arribação!

Mas isto hoje tem outro motivo. É que o comboio é uma mina de conversas interessantes e até surpreendentes! Reparem nesta:
– Nunca mais tomo antidepressivos na minha vida. Nem que esteja para me atirar do comboio abaixo!
– Então porquê?
– Deprimem-me!
– Hã?! Estavas a dar-te tão bem com estes últimos.
– Pois mas deprimem-me e eu com a depressão ainda aguento mas o pior…
– Então?
– Inibem-me a libido.
– Aahh… Isso é normal…
– Pois, mas eu prefiro andar deprimida!