Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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"Com Amor," – Documento 14

As desculpas eram as do título. E só. E agora já não são. Aquilo era uma brincadeira para depois conversarmos sobre o que nos dividia, mas, neste momento não quero conversas contigo.

Eu não sou um puritano, Verónica, longe disso. Mas sou crente, tenho fé e não tenho culpa das tuas desavenças com Deus. Devias engolir as palavras que escreveste. Além de não serem verdade, são um insulto. Dizes que sou atrevido porque digo que precisas de um homem, então diz-me os que és tu quando dizes que Deus é uma fraude? Sabes como se diz em inglês o que eu sinto agora? Shame on you! Podemos pôr em causa tudo o que quisermos, mas não a vida. Ela aí está todos os dias em toda a sua revelação e em todo o seu esplendor. E Deus é a vida! Deus é vida. Resolve os teus problemas, Verónica, mas não me insultes. Falaremos de sexo, de política, da sociedade, das relações entre as pessoas, da nossa profissão, de nós próprios e poremos tudo em causa. Mas não isto, Verónica, não desta maneira.

Não sei se te apercebes que a minha frase “Deixa-te de merdas”, que te provocou uma reacção puritana, não é nada em dimensão e em gravidade quando comparada com essa coisa abjecta que escreveste. “Deus é uma fraude”.

Sabes que mais? A fraude és tu que o não vês! Deixa-te de merdas, Verónica.

Até sempre.
Rui


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"Com Amor," – Documento 13

Rui,

Tu revoltas-me e enterneces-me. Prefiro acreditar na ternura, mas não consigo esconder a revolta.

Vamos à revolta. O teu mail tem como título “Deus e Desculpas.” Onde estão as desculpas. Esqueceste-te? Quero ler-tas! E palavrões, Rui? Até percebo que possas aborrecer-te com uma atitude minha, mas achas que passas a ter razão se escreveres “merda”? Isso é uma infantilidade! Quanto ao amor e ao sexo, precisamos conversar, mas, cá para mim, andas a contradizer-te um pouco. Ou bem que o sexo faz parte do amor, ou bem que, mesmo havendo sexo e amor, seja lícito desejar uma terceira pessoa… neste departamento, andas a precisar de fazer umas arrumações!

Vamos a Deus e sejamos breves e directos. O teu raciocínio faz sentido, mas só serve como historieta de ir deitar criancinhas. Deus e os passarinhos, blá, blá, blá… não insultes a minha inteligência. Os meus filhos são meus filhos. Fui eu que os fiz, os pari, os criei e sofri para que fossem meus. O resto explica-se cientificamente, até os passarinhos! A única coisa que não se explica cientificamente é Deus e a razão é simples, Rui. Deus é uma fraude!

Verónica.

PS: eu falo contigo. Escrevo-te. Leio-te. Isso não faz de mim tua amiga. Sendo o inverso verdade!


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"Com Amor," – Documento 12

Olá Verónica,

Começo a ficar um bocado farto dessa conversa do desancar, do dizer das boas, do fazer e acontecer. Queres desancar, desança, mas fá-lo logo de uma vez. É importante saber-se com o que se conta. O que já não tem piada nenhuma é viver constantemente sob essa ameaça velada sem nunca saber quando é que se vai ser desancado. Verónica, não há nada que possas dizer-me que eu não tenha ouvido já, nem há nada que a vida possa reservar-me que me traga mais sofrimento do que sofri já. Por isso, deixa-te de merdas, se vais desancar, desanca. Se não vais desancar, pára com essa conversa.

Quanto ao dois Ruis que vês em mim, garanto-te que são inseparáveis. Fazem parte do mesmo pacote. Nem vejo como poderia haver um Rui sensível e capaz de perceber o que se passa à sua volta, se não houvesse esse Rui directo e aberto e franco nas palavras e nas relações. Pois é, minha amiga, ou tudo, ou nada. E, nesta fase, estou mais inclinado para o nada. É difícil conversar com uma pessoa que tem sempre razão.

Lamento desapontar-te, mas o sexo e amor não são separáveis. É uma ilusão pensar que são. O sexo faz parte da essência do amor. Sim, há momentos em que se pratica o sexo pelo sexo. Não é a isso que me refiro. É a uma relação entre duas pessoas. O sexo é fundamental para a saúde dessa relação e quando não o houver, haverá pouco amor também. Esse amor pleno de que falavas, imagina-lo sem sexo? Ora, quando um homem ou uma mulher tem uma relação estável e deseja sexualmente uma terceira pessoa, haverá forçosamente nesse desejo algum amor. Podes negar isto, mas negá-lo é uma hipocrisia.

Eu disse que tinhas de fazer as pazes com Deus. E acho que tenho razão. Para mim, Deus não é um velho de barbas brancas e longas. Ele manifesta-se em todo o seu esplendor nas coisas mais inesperadas. Na forma como nos conhecemos, nos nossos filhos, no mar, no céu, no verde imenso das árvores, nos pássaros, naquilo a que chamamos coincidências e mais não são do que a Sua ordem. Deus é vida e é amor. É fácil culpá-lo, mas é também para suportar essas culpas que ele existe. Tu podes andar de costas voltadas com Deus, mas Ele é constante e ampara as tuas costas com as Dele, é o nosso último reduto de esperança e fé. Quando tirares a fé aos homens, deixam de ser homens e nem para bestas servem. Deus é um porto seguro, um amparo, é a visão e a compreensão de todas as coisas, é deixarmo-nos maravilhar com o Universo e as pessoas nele. A Igreja é outra conversa. Eu não faço a crítica fácil da Igreja, mas critico-a, claro, quando entendo que devo. Mas não podemos confundir a Igreja com a transversalidade cultural e espiritual de Deus. Dizes que olhas o mar. Olha-o. Sente-o. Deixa-te encher de esperança e nesse momento suspenso em que, olhando o mar, acreditas que todas as coisas boas são possíveis, Deus está em ti. Contigo.

Beijo
Rui

PS1: Nota de atrevimento: Tu não poderias ser amiga do segundo Rui. Tu já és minha amiga! A quem abres tu a alma como ma abriste a mim? Sendo o inverso verdade! A nossa relação não precisa ser cordata para ser de amizade!

PS2: Escrevi mal striptease. Fiquei na dúvida, fui ver e assim é que está bem.

Mais Beijo.


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"Com Amor," – Documento 11

Ai rapaz, rapaz… A que Rui respondo eu? Ao do mail anterior ou ao deste? Tu não és bipolar nem nada?

Quando li o mail anterior preparei-me para te desancar! “Arranja um namorado”. Ai que atrevimento! Mas quem és tu? Por acaso não estavas a oferecer-te, não?

E depois o Rui deste mail. Um marido apaixonado, um pai dedicado, um homem que admira a graça feminina e, até certo ponto, consegue compreender-nos. Mas quem és tu, Rui? Deste segundo Rui, eu podia ser muito amiga. A única coisa que eu mudaria neste teu último mail era o título. Será possível que vocês, homens, andem sempre com a cabeça cheia de mulheres despidas agarradas a varões?

O teu problema, Rui, é que andas a confundir sexo com amor. Eu até concordo contigo em relação à monogamia, mas se estivermos a falar exclusivamente de sexo. O amor, quando o amor é verdadeiro e forte, ele pode ser exclusivo por opção. O amor pode ser pleno e preencher-nos de tal forma que não queiramos outras pessoas ou soluções, nem precisemos delas.

Com aquela conversa do mar é que me levaste à certa. Temos o mar em comum, Rui. Adoro o mar. Sabes, a revolta do mar tranquiliza-me porque é geradora de vida. O mar regenera, Rui. É imenso, infinito e poderoso. O mar devolve-nos o ser, traz-nos respostas de longe. Gosto, como tu, de olhar o mar. Quem sabe, um dia olhamos o mar juntos?

E Deus, Rui, não me falaste de Deus. Reconcilia-me com Ele. Acho que é tarefa impossível. Estamos de costas voltadas. Estranhei que não dissesses nada…

Falar-te-ei dos meus filhos e quero que me fales dos teus, mas não agora. Agora quero que me peças desculpa pelo teu atrevimento e me fales de Deus.

Verónica.


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"Com Amor," – Documento 10

Verónica,

Não tenho qualquer dúvida de que a graça do Universo está nas mulheres. Adoro o seu porte, o seu acolhimento dos outros, a forma como se movimentam, os gestos, a voz e as linhas curvas e graciosas dos seus corpos. Se há harmonia no mundo, ela está no vosso corpo. Já as mentes são corajosas, são preocupadas, são dedicadas e altruístas, mas também podem ser muito complicadas, exasperantes, mesmo.

Eu, pessoalmente, sou um homem básico e simples. E gosto de ser assim. Sou frontal e confrontador e gosto de ser assim. Digo o que penso e assumo as consequências e as responsabilidades.

Gosto de futebol. Devoro futebol. Respiro futebol. As mulheres não costumam gostar muito disso nos homens, mas é assim que sou. Sportinguista até à raiz dos cabelos e, como tal, injustiçado por natureza. Oiço música. Muita música. Não interessa qual. Eu não sou o tipo de pessoa que tem cantores e bandas preferidos. Ouço o que gosto e gosto de muita coisa diferente. Clássica, Mozart, Chopin, Lizst… Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Pink Floyd, Stones, Leonard Cohen, Nat King Cole e, claro, Sinatra. A música, comigo e acredito com a maioria das pessoas, varia com o humor. Dependendo da minha disposição, ouço tipos de música diferente.

Amo a minha mulher e os meus filhos. Não sou um marido perfeito, cometo erros, claro. E até nem acredito na monogamia. Acho a monogamia um colete de forças de que a Humanidade anda a tentar libertar-se há séculos. E porquê? Porque é contra natura. A monogamia é o preservativo da religião. Mas adoro a minha mulher e não me vejo a partilhar a vida com outra pessoa. Os miúdos, os meus rapazes, são outra história. Daria a vida por eles sem hesitar. Tento que cresçam autónomos e com espírito crítico, mas não está fácil. Educar é talvez a tarefa mais difícil que nos cabe nesta vida que cada um de nós veio viver. Gosto do meu trabalho. Neste caso, do nosso trabalho. Faço-o por vocação, com gosto. Não sei se sou, como dizias, um bom profissional. Sei que luto contra os meus erros todos os dias e, para isso, há que reconhecê-los primeiro o que nem sempre é fácil quando agimos acreditando no que estamos a fazer. Mas é possível.

Deixei para o fim deste sreeptease da alma, algo que referiste e me tocou imenso. O mar. É um vício para mim, o mar. Eu nem preciso fazer nada com ele. Basta-me olhá-lo. Adoro olhar o mar e embalar nele a minha imaginação. O mar é criador e é um analgésico para a mente. Liberta dos problemas e traz esperança. Acho que pelo menos isso temos em comum. Acho que as pessoas corajosas, aquelas que são capazes de enfrentar a vida e fazê-la acontecer, gostam do mar e é nele que bebem as suas forças. Esta teoria é minha, é falível e não tem qualquer espécie de comprovação, mas tu és uma boa evidência, um caso de estudo, mesmo. 🙂

Hoje, minha amiga, fico-me por aqui.Estou cansado. E nu.

Rui.


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"Com Amor," – Documento 9

Olá Verónica,

Antes de me despir a alma, deixa-me acabar de tirar-te a roupa…

É precisamente por causa de tudo o que me contaste que tu precisas de um companheiro, um homem e, deixemo-nos de rodeios, de um amante. Alguém que te acarinhe e trate como a mulher mais especial do mundo, que te faça sentir extraordinária. Sem fazer julgamentos de espécie nenhuma, tu não conheceste um homem nunca. Conheceste um opressor e conheceste um monstro. Não é disso que eu acho que precisas. Tu precisas de quem te acaricie o corpo e acolha a alma, precisas de alguém que fale contigo e te oiça, de facto. Verónica, nem os teus amigos ou as tuas amigas, nem os teus filhos, nem a tua restante família podem fazer isso com a intensidade e a cumplicidade dos amantes.

Sim, Verónica, arranja um namorado!

Afinal, em vez de despir a minha alma, acabei de desnudar a tua. É porque trazia muitas roupas!

Escrevo-te de novo em breve.
Rui.


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"Com Amor," – Documento 8

Olá Rui,

Dispa-se a alma. Caiam os preconceitos.

Preciso de um amigo, mas tem de ser um amigo que seja um interlocutor capaz. Estás à altura da tarefa? Infelizmente, hoje em dia temos de explicar quase tudo o que dizemos. As pessoas não percebem, são limitadas na sua capacidade de interpretação. Percebes-me?! Vi em ti um homem capaz de mais do que a conversa básica e quase monossilábica que a maioria das pessoas usa. Não me interpretes mal, não estou a ser arrogante. As coisas passam-se assim à minha volta. É só isso.
O que mais amo na vida são os meus filhos, o mar e ler… Os miúdos preenchem-me e realizam-me como ninguém. O mar alimenta-me a alma de força e esperança e a sua imensidão azul ajuda-me a reperspectivar e a relativizar todos os problemas e todas as situações da vida. E ler. Ler é um vício. É uma aprendizagem constante.

Como te disse, acredito no amor. Penso que quando tudo falha, podemos sempre confiar no amor. Tive uma infância e uma juventude reguladas por um pulso paterno muito firme, muito forte e isso, juntamente com o peso do legado cultural, colocou Deus e a Igreja na minha vida. Quando problemas sérios entraram nela, problemas graves, Rui, que tu nem imaginas, não podes imaginar, e que acabaram no meu divórcio, entraram e trouxeram-me solidão, desamparo e desespero ao ponto de querer morrer em cada dia que nascia, Deus não apareceu. A Igreja também não. Valeu-me o Amor dos meus filhos. Valeu-me a minha força. Não sei onde as fui buscar, Rui, não sabia sequer que as tinha. Quando uma mulher é assolada por tamanha violência, quando uma mulher é marcada e abandonada porque “desfez” o lar com um divórcio “só” porque não quis que os filhos continuassem a assistir a ser espancada à sua frente, que fé pode haver? Que crença? E como podes tu dizer que o que eu preciso é de um homem? Os homens, Rui, são a última coisa que quero na minha vida.

E pronto, isto hoje vai longo e a alma já está suficientemente despida. Conta-me de ti.

Verónica.


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"Com Amor," – Documento 7

Aceito.

Só vim aqui ver se tinha mail e aproveito para dizer isso. Não posso escrever mais nada. Estou sem tempo.

Começa tu!

Nada de máscaras.Quero ver-te despida…A alma despida! 🙂

Rui


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"Com Amor," – Documento 6

Olá Rui,

Que me dizes a recomeçarmos?

Quando digo isto, quero dizer que podíamos reapresentar-nos um ao outro e começarmos o nosso conhecimento mútuo (quase) do zero. Eu apresento-me, tu apresentas-te. Dizemos aquilo que entendermos que é importante sobre cada um de nós e (re)começamos daí. Assim, podemos conhecer-nos evitando equívocos. E, sabes como é, com as tecnologias é fácil. A escrita facilita o que temos para dizer. Não achas?

Enfim, está lançado o desafio.

Verónica


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"Com Amor," – Documento 5

Olá,

eu nunca disse que precisavas de um homem. O que eu disse foi que tinhas um problema de carência afectiva. Disse também que uma companhia podia ajudar-te a resolver esse problema e disse também que precisavas de amar. O que, afinal, vens agora reconhecer.

Sabes, eu não tenho tempo a perder. Tenho 46 anos, o tempo foge-me por entre os dedos e não quero mais desperdiçá-lo. O que tenho para dizer, digo. O que tenho para fazer, faço. Não se trata só de atrevimento, embora haja algum, trata-se, sobretudo, de viver. Disseste que o Amor era a tua religião. Pois bem, a minha é a Vida!

Outro Beijo
Rui.

PS: Vê lá se fazes as pazes com Deus. Deus, tal como o Amor, não nos abandona. Por vezes, nós é que nos fechamos a Ele, tal como ao Amor!