Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Até Já!

Até Já!

O som inconfundível
Da máquina nos carris,
A travagem chiada,
A porta desliza
E abre-se a entrada.
Lá dentro a sonolência
Matinal
E a tua figura jovial.
Tens um traço de ruralidade
E um outro cosmopolita,
E vive em ti
Uma companheira de viagem,
Uma pessoa bonita.

Foram horas de leitura comum,
Dias a escrever aventuras,
Histórias e poesias,
Conversas sobre loucuras
Cheias de sentido
E também vazias.
Foram sorrisos,
E foram lágrimas,
Foi a conversa
E a cumplicidade,
Foi a partilha de duas almas
Ligando o campo
À cidade.
O lar ao trabalho.
A realidade ao sonho.

Não me vou despedir de ti.
Esta, sendo a última,
Não é a derradeira
Das nossas viagens.
A vida tem surpresas,
Tem esquinas
E tem mais paragens.
E será numa dessas
Que nos vamos reencontrar,
Sem promessas,
Só com a esperança
De voltar
A escrever um verso,
Uma linha partilhada
Sobre o mistério da vida
Ou,
Tratando-se de nós,
Sobre rigorosamente nada.

Foi sempre e só
Uma questão de amizade,
Uma viagem menos solitária,
Uma ideia,
Uma frase
Com ou sem dor.
Na tua mente,
Na minha mente,
E no teu computador.
Na blogosfera,
Na emoção,
Na excitação…
E, depois, Santa Apolónia.
Até amanhã!
Até amanhã!
E, na manhã que depois vinha
Tudo de novo se repetia,
Os mesmos gestos
De vida,
A mesma magia.
Adeus, companheira!
Até já!
A única coisa verdadeira
Que fica
É esta amizade bonita
Nascida nos bancos
De um comboio,
Crescida no apoio
Que trocámos
E cristalizada
Nas palavras que reinventámos.

À Dulce,
Pela amizade partilhada
Em dois anos de inúmeras viagens.
As de comboio. E as outras.
jpv


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O Clã do Comboio – O Fim de um Ciclo

O Fim de um Ciclo

Está a chegar ao fim, na minha vida, a fase do Clã do Comboio. Penso que até ao final deste mês farei mais uma dúzia de viagens e depois termino um ciclo.

E trazia isto na cabeça pensando como fecharia, por agora, uma vez que nunca sabemos o que o futuro nos reserva, a secção deste maravilhoso Clã. E o Destino, ajudado por amigos inesquecíveis, trouxe-me o motivo perfeito para a 120ª história do Clã do Comboio.

Entrei, com a Rapariga do Brinco de Pérola, no regional das 18:48 para regressar a casa. Percorremos os seis minutos que separam Santa Apolónia do Oriente e aí entraram de forma inusitada e inesperada diversos amigos do Clã do Comboio, daqueles que animaram muitas destas crónicas no interregional das 7:18, daqueles que me proporcionaram verdadeiros momentos de companheirismo e cumplicidade.

Juntaram-se ao Escritor e à Rapariga com Brinco de Pérola, a Senhora da Revista de Culinária, a Senhora das Caralhotas e sua sensual e generosa amiga, o Rapaz do Fato Cinzento e ainda um Tipo Careca a que a Gente Chama Álvaro.

Revisitámos momentos em conjunto, dissemos as maluqueiras todas que havia para dizer, tirámos fotos uns aos outros e a algumas passageiras de invejável porte, incomodámos a senhora que ia a estudar o Código da Estrada e se riu connosco e rimos, rimos em conjunto, rimos uns com os outros e uns dos outros como sempre, saudavelmente, conseguimos fazer.

Há dois anos não nos conhecíamos e hoje já sinto uma saudade imensa por saber que não vou reencontrá-los aqui e ali no meu quotidiano. Reinventámos o prazer de nos deslocarmos para o trabalho e do trabalho. Festejámos a bordo, fizemos saídas rápidas às ginginhas e aos coiratos, almoços, jantares, lanches, fomos a feiras de gastronomia, a feiras, ao cinema, etc. etc. etc. Tem sido uma vivência partilhada nos melhores e nos piores momentos de cada um e de todos nós. Gostei de conhecer estas pessoas maravilhosas. Faria tudo de novo. E gosto de pensar em mim como o rastilho que provocou esta explosão de amizade. Mais nada. Depois, a responsabilidade foi de todos nós. Uma responsabilidade especial: a de mostrar o Ser Humano no seu melhor.

Para além das personagens de ocasião, recordo com emoção, como se escrevesse os créditos de um filme, um daqueles que ganha o Óscar:
A Mulher Vampiro
O Aluno do Escritor
A Rapariga do Riso Fácil
O Mano da Rapariga do Riso Fácil
A Prima da Rapariga do Riso Fácil
A Senhora da Provecta Idade
A Mamã das Duas Crianças
O Rapaz do Fato Cinzento
A Rapariga Com Brinco de Pérola
A Senhora da Revista de Culinária
O VM
O RB
A Esposa do RB
O JJ
O JA
A PL
O Senhor da Mala Térmica
A Senhora das Caralhotas e sua Sensual e Generosa Amiga
A Setôra
O Cunhado da Setôra
O Ceguinho
O Músico
O Américo
Um Tipo Careca a que a Gente Chama Álvaro
A Vê
A Rapariga das Palavras Fáceis
O Iago mais Velho
O Pequeno Iago
A Mana do Escritor
A Titi e Sua Excelsa Companhia

E tantos outros que nos fizeram companhia de forma breve, mas que, mesmo assim, ficaram nas nossas memórias. Sim, todos sabemos que houve pessoas que nos marcaram mesmo só com uma viagem… ainda me lembro de quando o VM se encolheu todo enquanto uma passageira lhe explicava como tinha esfaqueado uma batata a pensar no marido… livra!
De resto, as histórias do Clã do Comboio vão continuar a ser contadas pela Dulce Morais no Crazy 40 Blog na secção “O Clã do Comboio Segundo Dulce Morais”. Sim, isto não acaba aqui…

A todos, uma palavra de sincera amizade, uma nota da minha gratidão e um emocionado “Até já!”. A gente vê-se, não tarda nada, numa esquina da vida. Quanto mais não seja no lançamento… sim, estamos a pensar nisso!

Obrigado, amigos, muito obrigado!

jpv, o Escritor (também conhecido como o Explicador da Classe Operária!)
Excecionalmente e sem identificar ninguém, aqui ficam algumas imagens do Clã do Comboio


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O Clã do Comboio – A Amy Winehouse de Riachos

A Amy Winehouse de Riachos

Vi-a durante todo o inverno, mas nunca lhe dirigi a palavra. Não havia motivos para isso. Não a conhecia, nunca fôramos apresentados e nada justificava que o fizesse só por que sim. Eu era só mais um trabalhador a apanhar o regional das 7:47 em Riachos para Santa Apolónia e ela era só mais uma moça com a pele muito alva a emergir da escuridão das roupas. Botas de tropa. Calças de ganga pretas. Blusa preta. Casaco de cabedal preto.

Um dia destes, porém, senti o impulso de dirigir-lhe a palavra e fiz bem em não resistir-lhe porque a resposta dela foi deveras interessante.

Eram 7:35. Fui beber um café e ela lá estava com uma amiga. Acontece que o dia amanhecera quente e abafado a prometer suores e a pedir menos roupa e mais corpo.

Ela tinha as mesmas botas pretas de tropa, as mesmas calças pretas de ganga, uma blusa preta com tiras de tule alternadas com tecido opaco, cabelo preto, liso e comprido, a face oblonga e muito alva e os olhos castanhos e rasgados marcados com um risco de lápis que os faziam parecer ainda mais rasgados. Acontece que a blusa era de cavas e permitia ver os braços na íntegra e nos braços é que estava a história de vida, a marca indelével da sua individualidade, aquilo que é, para mim, o reflexo de um traço de caráter.

Do ombro direito até quase ao cotovelo estende-se uma enorme tatuagem a ocupar-lhe quase todo o braço. É um complexo desenho de flores e ramagens entrelaçadas onde pontua uma palavra e duas violas cruzadas. No pulso do antebraço direito mais um complexo apontamento gravado a tinta. No braço esquerdo, junto ao ombro, a imagem de duas mulheres em jeito de pin-up girls e, nesse antebraço, uma inscrição em chinês.

Não sou muito bom a adivinhar idades, quer dizer, até me dizem que sou mas, para isso, tenho de conhecer minimamente as pessoas, o que não é o caso. Ainda assim, diria que a Amy Winehouse de Riachos tem entre 17 e 20 anos. E, com uma idade tão tenra, tão jovem, ter já assumido o compromisso de marcar e alterar o seu corpo para toda a vida parece-me de uma alma com grande determinação, muito segura de si, muito convicta das suas opções e foi por isso que perguntei o que perguntei. Não tanto pela resposta concreta, a do sim ou não, mas mais para perceber se essa determinação e essa força de caráter habitavam o corpo tatuado. Acho que a resposta dela foi inequívoca e fala por si:

– Essas tatuagens são permanentes?
– Mas porque é que toda a gente me pergunta o mesmo? Quando se faz uma tatuagem tem de ser para sempre, para toda a vida, se não for, não é uma tatuagem.

E pronto. Eis uma pessoa que na aurora da vida tem convicções para todo o caminho a percorrer. É raro na juventude, mas acho que é muito saudável. Falta este caráter ao nosso país. E a jovem Amy Winehouse de Riachos tem-no.

É muito interessante a semelhança física entre ela e a cantora falecida. Espero, sinceramente, que viva muitos mais anos, uma vida longa a passear pelo Universo a sua determinação e as suas tatuagens. As do corpo. E as da alma.

jpv


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O Clã do Comboio – Pequenina como a Sardinha

Pequenina como a Sardinha

Há uma expressão popular que diz “A mulher quer-se pequenina como a sardinha”. Cá para mim, é reflexo do desejo português de compactação das mulheres, ou então, e mais provavelmente, emerge a expressão do facto das mulheres portuguesas serem, geralmente, pequeninas. Venha de onde onde vier, o curioso é cruzar essa expressão popular com uma outra que diz “Mulher pequenina, ou velhaca ou dançarina”.

Vem isto a propósito de andar há já algumas semanas a observar uma passageira que se senta sensivelmente no mesmo sítio e que é uma típica mulher portuguesa, pequenina, portanto. Tem a pele pintada de um moreno bronzeado, o cabelo liso pelas costas, os olhos muitos escuros e muito vivos. Dorme profundamente até Lisboa, veste de acordo com as exigências do trabalho porque alterna entre fatos muito formais e outros bem práticos. E sempre, rigorosamente sempre, com uns óculos de sol Ray Ban clássicos a lembrar o Tom Cruise no Top Gun. Em todo o caso, traz todos os dias a sua mochila e a sua lancheira onde, por certo, transporta o almoço.

E é precisamente no pormenor da lancheira que me quero deter. Quando entra no comboio, coloca, invariavelmente, a lancheira na prateleira superior. Uma vez em Santa Apolónia, não chega lá acima para a tirar. Nunca isso constituiu um problema. Põe um pé, com cuidadinho, na ponta de um banco, segura-se à prateleira superior onde está a lancheira, iça-se e saca-a de lá em menos de nada. Desce, recompõe-se e vai à sua vida.

O interessante nisto é que este gesto revela a determinação que também o seu olhar espelha. Mostra a atitude resoluta e determinada que se percebe pelas suas expressões faciais. É pequenina, sim, como a sardinha e a típica mulher portuguesa, mas isso não parece constituir para si um problema. Bem pelo contrário!

jpv


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Curtas do Metro – A Senhora Gira

A Senhora Gira

Uma destas manhãs frias, a Rapariga do Riso Fácil, a Rapariga com Brinco de Pérola e o Escritor saíram do comboio para o Metro em perfeito alvoroço. Iam bem dispostos. Quando entraram, havia vários conjuntos de quatro lugares com três assentos livres e um ocupado. Uma delas perguntou, Onde é que sentamos? E o Escritor, com seu natural atrevimento, respondeu, Neste aqui, esta senhora é mais gira. E era!

Alta, pele clara, com um pouco de blush a dar uma corzinha, casaco vermelho com enormes botões negros, saia de fazenda cinzenta, curta, deliciosamente curta, sem exagero, e usava daquelas meias com buraquinhos… cabelos alourados e os olhos pequeninos e sorridentes. E foi isso que ela fez. Sorriu.

Demos-lhe os bons-dias, apresentámo-nos e envolvemo-la na nossa conversa mesmo sem ela dizer nada! Ela estava exatamente entre achar-nos piada e pensar se estaríamos a exagerar, mas o facto é que não costuma começar os dias com tanta jovialidade a rodeá-la. Tratámo-la sempre por senhora e o Escritor, justificou o facto, É que apesar do aspeto jovem, é melhor termos cuidado com o que dizemos, porque, vai-se a ver, e tem um namorado musculado com 1,80m. E finalmente ela falou: Não é namorado, é marido! Nós largámo-nos a rir e o Escritor completou: Vêem como é a vida? Tanto tempo sem dizer nada e quando abre a boca é para me ameaçar com o marido dela!

Ela desabou a rir, a Rapariga com Brinco de Pérola arranjou papel e uma caneta e demos-lhe o endereço do melhor blogue do mundo. Perguntamos-lhe o nome e a jovem senhora respondeu, Sou a… E nós somos a.. a… e o… pode dar-me o seu número de telemóvel? Nova gargalhada. Quando nos separámos na Baixa/Chiado, para os elementos do Clã tinha sido só mais uma viagem, para a Senhora Gira, foi a viagem incomum, aquela que ainda não lhe tinha acontecido, o dia em que se sentaram ao pé dela por ser a mais gira. E era! Ai o 1,80m!!!

jpv


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Curtas do Metro – Tentativa de Assassinato por Esmagamento

Tentativa de Assassinato por Esmagamento

Manhã muito bem disposta. Conversa animada entre a saída do comboio e a entrada no Metro. Vou eu, o RB e a Mulher Vampiro*. De repente, quando nada o fazia prever, sem motivo aparente, a Mulher Vampiro atira-se violentamente para cima de um simpático e incauto passageiro que fica esmagado entre a figura negra e sólida da Mulher Vampiro e as costas do banco. Por momentos, pensei que ia mordê-lo no pescoço!
Ela reequilibrou-se como pôde e nós, como bons cavalheiros, pedimos desculpa ao senhor em nome dela. Fizemos ali um bocado de conversa a ver se ele percebia que ela não era má pessoa. enfim, teve um momento de excesso… ou de fraqueza! Viro-me para o RB e digo:
– Achas que foi de propósito?
– Não. Desequilibrou-se com o arranque do Metro.
– Ah, pois. És capaz de ter razão!

Demos um cartão do blogue ao passageiro que, quando saiu, levava um ar bem disposto. Ou isso, ou estava aliviado por se ver livre da fúria da Mulher Vampiro!

jpv

———————-
*Para quem a não conhece aqui das Curtas do Metro, trata-se de uma personagem do Clã do Comboio. Para a conhecer melhor, clique aqui.


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O Clã do Comboio – A Playlist do Aluno do Escritor

A Playlist do Aluno do Escritor.


Numa das histórias do Clã do Comboio, designada de Reencontro, o escritor destas crónicas reencontrou nas suas viagens dois antigos alunos. Um deles, viajante quotidiano do interregional das 7:18, já foi, entretanto, referido noutros textos.
Ora, desta vez a playlist que aqui se apresenta é precisamente a do Aluno do Escritor. E o escritor está orgulhoso do trabalho que fez enquanto professor. O rapaz ficou esperto! Digo isto porque ele teve a lata de confessar que muitas das vezes não vai a ouvir nada. Os auriculares são só uns tampões isoladores dos sons circundantes e permitem ferrar o galho com mais convicção.
Adiante. Já no texto Reencontro eu confessava que estava velho e agora voltei a sentir isso porque, quando me enviou a sua playlist, o Aluno do Escritor confessou que a escolha passava pela “boa colheita dos anos 80 e 90”. Ora, quem tem um aluno cujas reminiscências musicais remontam aos anos 80, está como há-de ir!
E o que ouve o Aluno do Escritor? Ele é um tipo eclético. Aquilo vale quase tudo menos Quim Barreiros, ainda assim, confesso que comungo de algumas preferências embore continue a achar que não percebo como é que alguém dorme a ouvir os Metallica!!! Mas enfim… passa.
Colocarei aquelas que me pareceram as que referiu com mais entusiasmo, tendo ressalvado que a escolha dependia do estado de espírito. Como se o estado de espírito de quem vai trabalhar às 7 da manhã para Lisboa mudasse muito…
Então o Aluno do Professor ouve Metallica, Tool, Guns n’ Roses, Manowar a José González, Alexi Murdoch, Jon Foreman, Samuel Barber – Adagio For Strings.


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O Clã do Comboio – A Playlist da Mulher Vampiro


A Playlist da Mulher Vampiro


Caros amigos e leitores,

como tem sido notório, o Clã do Comboio tem ocupado parte significativa da minha dedicação à escrita. É, de facto, um ambiente interessante, de uma multiculturalidade prenhe de rituais e hábitos e gestos previsíveis e imprevisíveis.
Alguns de nós estão conversando durante as viagens ou após as mesmas pelo que um dia destes lembrei-me de algo que me pareceu interessante. Muitos do elementos do Clã do Comboio fazem as viagens inteiras ou em parte ouvindo música. Lembrei-me de perguntar-lhes o que ouviam e pedir autorização para publicar aqui as suas playlists. Claro que nunca me referirei a eles identificando-os, mas somente através dos nomes, alcunhas ou descritivos que utilizei para os designar enquanto personagens do Clã.
Assim, e para começar, aqui fica a preferência musical da Mulher Vampiro que, como a própria referiu tem um “ritmo que acompanha o do comboio e funciona melhor que contar carneirinhos.” Nos seus trajes monocromáticos e negros, por baixo dos cabelos fulvos e junto à pele alva, quase pálida, a Mulher Vampiro ouve, sobretudo, um senhor que dá pelo nome de Nils Petter Molvaer.
Aqui ficam dois clips do senhor… e uma pergunta à nossa companheira do Clã: como é que alguém consegue dormir com isto nos ouvidos? Eu gostei. Mas para dormir?!


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O Clã do Comboio – Sem Preconceitos.

Sem Preconceitos.Felizmente, sem preconceitos, ainda que sentindo o peso deles, elas chegaram à plataforma. O dia despontava com sol e Primavera e havia no ar a sensação de que o mundo ia ser um lugar bom para se estar.
Ela era baixa mas muito proporcionada. Tinha o cabelo louro a cair-lhe pelas costas em caracóis pequeninos. O olhar claro e enlevado de amores inequívocos era determinado. Roupas práticas. Não veio embarcar, veio só fazer companhia.
Ela era baixa mas muito proporcionada. Tinha a tez muito clara e o cabelo caía-lhe castanho pelos ombros em caracóois largos. Os olhos de amêndoa eram tímidos. Roupas práticas. Veio embarcar.
Quando se despediram, o olhar determinado procurou o olhar tímido e encontrou-o. Os lábios dela procuraram os lábios dela. O olhar tímido virou a cara e recebeu o beijo na face. O olhar determinado não queria despedir-se sem sentir-lhe o calor de um beijo apaixonado, colocou-lhe uma mão na nuca e beijou-a nos lábios forçando um bocadinho o tempo do beijo.
E foi aí que vi cair os preconceitos. O olhar tímido, olhou em volta à procura das recriminações, talvez, à procura de quem olhasse com ar de condenação, à procura de um risinho. Mas não encontrou nada disso. Tudo estava normal. Tinha sido beijada pela sua amada e o Universo não havia ruído. E isso trouxe-lhe coragem. Tomou ela a iniciativa. Colocou uma mão na nuca da sua amada, puxou-a para si e beijou-a carinhosamente. Como ambas mereciam. Sem preconceitos. E a Primavera esteve cumprindo a sua missão e o mundo, afinal, nasceu mesmo um lugar melhor para se estar.