Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Maputo

(Foto jpvideira – Clique para Aumentar)

As Cores da Capulana
Maputo
É uma praia
Onde as ondas
Se vêm estender.
São milhares de luzes
Bordejando o mar
Ao adormecer.
São vendedeiras de caju e amendoim,
Avenidas longas em constante frenesim.
São meninos de roupas largas
E pé descalço,
Envolvendo num sorriso genuíno
O seu destino falso.
São mulheres exibindo
O colorido justo das capulanas.
É um tchova oferecendo
Ananases, mangas e bananas.
Busca o imenso céu
Um prédio esguio e alto.
Cá em baixo,
Dorme um corpo ébrio
No calor do asfalto.
Fecha-se o firmamento
E escurece.
E num breve momento
Acontece
Violenta trovoada.
Chove chuva copiosa,
Lavando a estrada,
Arrasta consigo
Fugaz vida ceifada.
Com a mesma violência
E o mesmo repente
Ressurge o sol ausente
E renasce, de novo,
O dia.
Esta cidade real
Parece fantasia.
Explodem odores
Exóticos e inusitados,
Pintam-se de mil cores
Os concorridos mercados.
Há nesta cidade
Uma coisa urgente e séria,
Reergue-se a Humanidade
E isso não é miséria.
Vagueia por aqui
Certo saudosismo português,
Teve o seu tempo,
Teve a sua vez.
Pinta-se de branco
E de negro também,
Fala changana,
É palavra de Camões,
Traço de Malangatana.
E desvanece-se.
Chegou outra hora…
É tempo
De o mandar embora.
E sonhar
Com o homem justo,
Com a terra prometida.
É preciso pagar o custo
Da liberdade perdida…
E reconquistada.
Maputo
É hoje
Uma alvorada.
É um polícia
Vestido de branco
E outro de cinzento.
E é um povo
Perdido no tempo.
À procura do caminho.
É um sorriso largo,
Um olhar inaugural,
É um ritmo de marrabenta
Numa cintura sensual.
É o sol sobre o mar
Logo pela manhãzinha,
Um pescador lançando
A esperança numa linha.

E passa um chapa ruidoso
Que quase me atropela,
Atrás dele,
Desenha esses na estrada
Uma frenética chopela.
Passam carros com fulgor,
Estacionam num restaurante,
E, nesse mesmo instante,
Surge, solicito, o arrumador.

Vivem aqui
Sólidos e evitáveis
Desequilíbrios.
Uns pedem,
Outros dão.
E há nesta dança
Uma bruma de esperança.

Maputo é olhar em frente,
É uma terra
Semeada de gente.
É uma nação,
Um pátrio solo,
Um chão!
É a diferença
E a semelhança.
Maputo é mãe
De uma criança
Que ri e chora.
Maputo é todo
O tempo do mundo
E o tempo
É agora.


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Crónicas de África – O "Chapa"

O “Chapa”

Maputo, 18 de setembro de 2012

O dia começou às seis e teve um pequeno almoço muito europeu, Pão de Deus com fiambre e queijo e um café duplo na pastelaria Pérola. Além de ser muito confortável no interior, tem uma esplanada bem simpática pela profusão de plantas e árvores.

Depois, visitámos um conjunto de casas. Gostei em particular de uma por causa de uns enormes janelões envidraçados a rodeá-la. Como não chegámos a acordo, tudo porque as senhoras dão importância a coisas como o tamanho das cozinhas, continuámos a visitar. Tivemos uma interessante reunião de negócios com o senhor Bispo da Igreja Luterana, mas ele teima em não avançar com a colocação do telhado. Acha que aquela aguinha não tem importância. É pena, era a melhor de todas as casas que vimos.

Almoçámos junto ao mar, no Clube Naval, e a qualidade da refeição, bem como do serviço, foi muito boa e a um preço bem acessível, tendo sempre em conta que qualquer restauração em Maputo é cara. Quer dizer, adoro comprar fruta na rua e isso não é caro além do que a fruta aqui tem uma intensidade fantástica no sabor. Apostámos na massada de camarão que eu batizei lautamente com as malaguetas migadas. Cantámos os parabéns ao Marco e à Sandrine que fizeram anos de casados.

As aulas correram bem. Começo a conhecer muito bem os miúdos a perceber a capacidade de resposta deles. Tratei de mais alguns assuntos de trabalho e saí para a rua com o meu tio Zé que vive aqui há dezassete anos e desde ontem que anda connosco de um lado para o outro também a tentar encontrar alojamento. Terminámos a tarde fazendo mais uma visita através de um contacto de uma colega da escola. Começo a ficar cansado desta tarefa. 
Embora a adaptação esteja a correr bem, começa a ser cada vez mais importante encontrar um local onde assentar e poder organizar o quotidiano.

Maputo está povoada de uma imensidão de aves. Rouxinóis, uns pássaros de porte mediano, cauda comprida e popa, corvos de gola branca e corvos comuns e, a emoldurar a cidade, vão-se encontrando aqui e ali belíssimos pavões.

Hoje presenciei um momento interessante. A cidade está povoada de “Chapas”. Um “Chapa” é um 
táxi não registado, penso eu, e é o transporte mais barato que se encontra em Maputo. Um homem compra uma carrinha Toyota Hiace, sempre estas e a razão é simples, aguentam tudo, e depois ganha a vida a transportar pessoas. O curioso é que nos nove lugares da carrinha viajam com frequência vinte ou mais pessoas. Já vi uma tão cheia que a porta, de correr, não fechava. Então, o viajante do banco da frente esticou o braço para trás e garantiu que ela não deslizava durante o percurso. Às vezes também vão pessoas lá dentro com partes do corpo cá fora, o rabo, por exemplo! Pois, e nada de arrogâncias europeias, caros amigos, porque nos últimos dois anos fiz viagens de Metro em Lisboa onde os pezinhos quase não iam ao chão. Enfim… durante uma boleia que nos deram, parou ao lado do nosso carro um “Chapa” carregado de gente, o passageiro da frente baixou o vidro e falou com a pessoa que nos conduzia. O diálogo foi mais ou menos assim:
– Eh, manda aí cinquenta meticais…
– Olha lá e porque é que eu te hei de dar 50 meticais?
– Ora, eu peço, tu dás!

E pronto, à falta de melhor justificação, a franqueza pura e dura também serve. No fim do episódio, a pessoa perguntou, Então ainda muito assustados? E nós respondemos quase em coro, Não, nós gostamos disto!

África é assim, estranha-se e… entranha-se!
jpv