Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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A Infância do Sorriso

A Infância do Sorriso

A minha língua
Na tua boca,
O desenho dos teus lábios
No meu desejo.
O movimento solitário
De um longo e húmido beijo,
Só meu.
Só eu.
Os meus olhos
No teu olhar incógnito,
Perdido, incerto e terno.
Uma visão quente e doce
No pico do inverno.

Esta impotência de ti.
Esta estrada de que fugi.
Este tempo que passou.
Uma ilusão que partiu,
Em manhã de sol,
E não voltou.

Só tu, eu e a terra
E os segredos
Que o tempo encerra
Na dor e na distância.
Nessa gloriosa e áurea
Infância
Do sentir.
Quando tudo era puro
E não carecia explicação.
Um sorriso,
Um olhar,
Uma mão pousada
Noutra mão.

E agora olho-te
E anoiteço.
És mais do que peço.
És a outra ponta da vida.
A quimera.
A oportunidade perdida.
Nem sei que sejas.
Nem sei que seja.
Mulher que brota vida,
Mas não me beija.
Para ti,
Não existo,
Não me reconheces ao passar.
Ah, se ao menos,
Teu coração pressentisse
O meu,
A pulsar!

jpv


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Crónicas de Maledicência – A Bela e o Monstro

Crónicas de Maledicência – A Bela e o Monstro

Há uns meses atrás, um presidente de câmara italiano conseguiu fazer aprovar uma lei, reparem bem, aprovar uma lei que proibe as mulheres feias de andarem em biquíni pelas ruas da sua cidade. O ridículo da situação assenta, não só na discriminação que a lei envolve, mas, sobretudo, nos critérios! Como é que o tipo diferencia as bonitas das feias? Quem são as belas e quem são os monstros? E haverá polícias da fealdade a dizerem:
– Minha senhora, vista-se, por favor.
– Então porquê, senhor guarda, eu estou de biquíni.
– Pois, mas a senhora não pode!
– Não posso? Porque?
– É que a senhora é feia!
Enfim, a lei passou e, ao que parece, quem for feia, seja lá isso o que for, não pode circular pelas ruas em biquíni.

Nem de propósito, esta semana, na Arábia Saudita, três jovens foram detidos, presos e deportados por serem demasiado bonitos! É impossível não imaginar o ato de detenção:
– Alto! Mãos ao ar! O senhor está detido!
– Mas, senhor guarda, o que é que eu fiz?
– O que é que o senhor fez? Então não se está mesmo a ver? O senhor embelezou demasiado!

Enfim. É o mundo que temos. É a cultura que temos. Com preciosidades e maravilhas. Com atropelos e preconceitos. Fiquei a pensar qual será a linha que separa uma pessoa bonita de uma demasiado bonita?

Daqui, deste cantinho luso-moçambicano, não consigo evitar um conselho: e que tal se os jovens sauditas fossem para Itália e as matrafonas italianas, classificadas como feias, fossem para a Arábia saudita?

É normal que, quando o nosso mundo se entrega desta maneira à forma, o conteúdo se degrade. E quando o conteúdo se degrada, a Humanidade segue caminhos perigosos, afasta-se da fraternidade e da justiça, valores maiores da nossa convivência social.

Tenho dito!
jpv


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Curtas do Metro – A Senhora Gira

A Senhora Gira

Uma destas manhãs frias, a Rapariga do Riso Fácil, a Rapariga com Brinco de Pérola e o Escritor saíram do comboio para o Metro em perfeito alvoroço. Iam bem dispostos. Quando entraram, havia vários conjuntos de quatro lugares com três assentos livres e um ocupado. Uma delas perguntou, Onde é que sentamos? E o Escritor, com seu natural atrevimento, respondeu, Neste aqui, esta senhora é mais gira. E era!

Alta, pele clara, com um pouco de blush a dar uma corzinha, casaco vermelho com enormes botões negros, saia de fazenda cinzenta, curta, deliciosamente curta, sem exagero, e usava daquelas meias com buraquinhos… cabelos alourados e os olhos pequeninos e sorridentes. E foi isso que ela fez. Sorriu.

Demos-lhe os bons-dias, apresentámo-nos e envolvemo-la na nossa conversa mesmo sem ela dizer nada! Ela estava exatamente entre achar-nos piada e pensar se estaríamos a exagerar, mas o facto é que não costuma começar os dias com tanta jovialidade a rodeá-la. Tratámo-la sempre por senhora e o Escritor, justificou o facto, É que apesar do aspeto jovem, é melhor termos cuidado com o que dizemos, porque, vai-se a ver, e tem um namorado musculado com 1,80m. E finalmente ela falou: Não é namorado, é marido! Nós largámo-nos a rir e o Escritor completou: Vêem como é a vida? Tanto tempo sem dizer nada e quando abre a boca é para me ameaçar com o marido dela!

Ela desabou a rir, a Rapariga com Brinco de Pérola arranjou papel e uma caneta e demos-lhe o endereço do melhor blogue do mundo. Perguntamos-lhe o nome e a jovem senhora respondeu, Sou a… E nós somos a.. a… e o… pode dar-me o seu número de telemóvel? Nova gargalhada. Quando nos separámos na Baixa/Chiado, para os elementos do Clã tinha sido só mais uma viagem, para a Senhora Gira, foi a viagem incomum, aquela que ainda não lhe tinha acontecido, o dia em que se sentaram ao pé dela por ser a mais gira. E era! Ai o 1,80m!!!

jpv